quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Memórias Orais - Maria Júlia Martins

A arte de tecer a seda

“Uma tia da minha mãe dizia que a maior pena que tinha era morrer sem deixar a tradição na família ou a alguém que quisesse em Freixo aprender a extração da seda”. Foi pela passagem de testemunho que Maria Júlia Martins aprendeu a arte da seda. A tia da sua mãe, aos 83 anos, ensinou-lhe um saber que estava destinado a perdurar até hoje e a ficar na história de Freixo de Espada à Cinta.
A tecedeira Maria Júlia Martins começou cedo a aprender todas as etapas que constituem a produção da seda e é com emoção que se refere a esta arte: “Fui pró tear porque eu gostava muito, gostava muito de fazer a criação dos bichinhos, gostava de andar com eles na mão e tratá-los com todo o carinho, ainda hoje eu nunca deixei de fazer uma criaçãozinha pequenina em minha casa”.

Com 63 anos não lhe falta saber nada sobre a produção da seda e conhece como ninguém todo o processo até chegar ao produto final: “(...) temos a semente dos bichinhos que são uns ovinhos muito pequeninos, que as borboletas põem. Por o fim do mês de Março eles começam a nascer muito pequeninos. Nós temos que estar sempre de olho neles pra ver se nascem prá gente ir às amoreiras a buscar a folhinha pra lhe pormos e eles então começam a sugar. Quando são muito pequeninos eles não comem, sugam aquele líquido que têm as folhas e vão-se desenvolvendo, depois quando têm um centímetro já comem as folhas mesmo completas mas demora uns dias, à volta de quinze dias mais ou menos. A amoreira só rebenta a partir do mês de Abril e quando começam a vir esses rebentozinhos das amoreiras nós vamos logo a colher as folhinhas que se podem mas não tiramos o grilinho; depois pomos-os numas caixinhas de papelão que é onde guardamos a semente; quando chegam à fase adulta a gente temos que ir tirando os grandes pra uns tabuleiros que é pra se desenvolverem mais que é prá gente lhe pôr as arçãs e os mais pequenos ficam noutros tabuleiros limpinhos que é pra irem desenvolvendo também, acho que são 7 mudanças de pele que eles têm”.

O processo é demorado e exige muita paciência e atenção na fase de criação e desenvolvimento do bicho-da-seda como explica a artesã: “o percurso todo é à volta de 60 dias mais ou menos porque eu já tenho tido os bichinhos a partir do dia 15 de Março e até ao fim do mês de Maio e a que a gente tem que lhe dar assistência, pôr várias vezes de comer ao dia, quando são maiores, pra serem bem-criados porque eles comem muito”.


A fase do casulo é uma fase muito importante na extração da seda pois é desse material que sai o produto final: “os bichinhos depois começam a largar uma babazinha de volta do tabuleiro quando já estão na fase adulta que é pra fazerem o casulo e nós vamos arranjar umas arçãs e colocam-se de volta do tabuleiro e então eles começam a trepar pra cima dessas arçãs e fazem os casulinhos nessa rama. Depois as arçãs são postas ao sol pra os bichinhos morrerem pra não furarem os casulos; depois temos que deixar sair algumas borboletas pra umas caixinhas de papelão forradinhas de papel muito limpinho e colocamos lá as borboletas e é aí que elas acasalam umas com as outras. É assim que a gente guarda a semente de uns anos prós outros porque guardamos aqueles ovinhos num sítio fresco pra eles não nascerem tão cedo”.

Antes de a seda ir pró tear segue-se a fase da cozedura dos casulos e a junção de toda a matéria-prima que irá ser trabalhada no tear: “a gente coze os casulos numa caldeira com água e sabão, faz-se uma manta de maranhos, porque depois os casulos ficam todos enleados uns nos outros, e a gente vai excremeando, vai abrindo os maranhos e depois fazemos à moda de um copinho de algodão em rama e espetamos num pauzinho de amendoeira que tem uns galhinhos muito fininhos e a gente vai fiando com a roquinha, que é um galhinho de amendoeira e o fuso que serve pra fiar a lã de ovelha. Os maranhos e também alguma seda que fica mais imperfeita, a gente depois junta e fia essa seda também que nós depois mais tarde lhe chamamos corriões que se vão juntar quando a gente dobar a meada e depois preparamos essa seda pra ir pró tear”.

Há mais de vinte anos que Maria Júlia Martins se dedica à extração da seda que hoje é considerado por muitos um bem de luxo pelo preço praticado em algumas peças tal como acontecia antigamente como explica a artesã: “havia muitas pessoas que se dedicavam a fazer criação do bicho-da-seda e vendiam às casas ricas por isso aqui em Freixo há muita seda mas é só nas casas ricas. As pobres criavam o bichinho e agarravam no casulo e iam vender e depois até ajudavam a fazer a extração, nessas casas, até por um pedaço de pão pra comerem ou por um quartilho de azeite. As pessoas ricas davam a meia dúzia de mulheres pobres que gostavam de fazer esse trabalho, iam ajudar e então depois era com isso que lhe pagavam e elas ficavam todas contentes”.

As inúmeras particularidades da história da seda em Freixo de Espada à Cinta fazem com que esta seja um marco na identidade desta vila transmontana que inclusive tem para sua promoção o slogan “Freixo de Espada à Cinta, Terras de Seda”, e recentemente inaugurou o Museu da Seda e do Território que está incluído na Rede de Museus do Douro.

Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta, 2 de outubro de 2015

Joana Vargas

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