“Uma
tia da minha mãe dizia que a maior pena que tinha era morrer sem deixar a
tradição na família ou a alguém que quisesse em Freixo aprender a extração da
seda”. Foi pela passagem de testemunho que Maria Júlia Martins aprendeu a arte
da seda. A tia da sua mãe, aos 83 anos, ensinou-lhe um saber que estava
destinado a perdurar até hoje e a ficar na história de Freixo de Espada à
Cinta.
A
tecedeira Maria Júlia Martins começou cedo a aprender todas as etapas que
constituem a produção da seda e é com emoção que se refere a esta arte: “Fui pró
tear porque eu gostava muito, gostava muito de fazer a criação dos bichinhos,
gostava de andar com eles na mão e tratá-los com todo o carinho, ainda hoje eu
nunca deixei de fazer uma criaçãozinha pequenina em minha casa”.
Com
63 anos não lhe falta saber nada sobre a produção da seda e conhece como
ninguém todo o processo até chegar ao produto final: “(...) temos a semente dos
bichinhos que são uns ovinhos muito pequeninos, que as borboletas põem. Por o
fim do mês de Março eles começam a nascer muito pequeninos. Nós temos que estar
sempre de olho neles pra ver se nascem prá gente ir às amoreiras a buscar a
folhinha pra lhe pormos e eles então começam a sugar. Quando são muito
pequeninos eles não comem, sugam aquele líquido que têm as folhas e vão-se
desenvolvendo, depois quando têm um centímetro já comem as folhas mesmo
completas mas demora uns dias, à volta de quinze dias mais ou menos. A amoreira
só rebenta a partir do mês de Abril e quando começam a vir esses rebentozinhos
das amoreiras nós vamos logo a colher as folhinhas que se podem mas não tiramos
o grilinho; depois pomos-os numas caixinhas de papelão que é onde guardamos a
semente; quando chegam à fase adulta a gente temos que ir tirando os grandes
pra uns tabuleiros que é pra se desenvolverem mais que é prá gente lhe pôr as
arçãs e os mais pequenos ficam noutros tabuleiros limpinhos que é pra irem
desenvolvendo também, acho que são 7 mudanças de pele que eles têm”.
O
processo é demorado e exige muita paciência e atenção na fase de criação e
desenvolvimento do bicho-da-seda como explica a artesã: “o percurso todo é à
volta de 60 dias mais ou menos porque eu já tenho tido os bichinhos a partir do
dia 15 de Março e até ao fim do mês de Maio e a que a gente tem que lhe dar
assistência, pôr várias vezes de comer ao dia, quando são maiores, pra serem
bem-criados porque eles comem muito”.
A
fase do casulo é uma fase muito importante na extração da seda pois é desse
material que sai o produto final: “os bichinhos depois começam a largar uma
babazinha de volta do tabuleiro quando já estão na fase adulta que é pra
fazerem o casulo e nós vamos arranjar umas arçãs e colocam-se de volta do
tabuleiro e então eles começam a trepar pra cima dessas arçãs e fazem os
casulinhos nessa rama. Depois as arçãs são postas ao sol pra os bichinhos
morrerem pra não furarem os casulos; depois temos que deixar sair algumas
borboletas pra umas caixinhas de papelão forradinhas de papel muito limpinho e
colocamos lá as borboletas e é aí que elas acasalam umas com as outras. É assim
que a gente guarda a semente de uns anos prós outros porque guardamos aqueles
ovinhos num sítio fresco pra eles não nascerem tão cedo”.
Antes
de a seda ir pró tear segue-se a fase da cozedura dos casulos e a junção de
toda a matéria-prima que irá ser trabalhada no tear: “a gente coze os casulos
numa caldeira com água e sabão, faz-se uma manta de maranhos, porque depois os
casulos ficam todos enleados uns nos outros, e a gente vai excremeando, vai
abrindo os maranhos e depois fazemos à moda de um copinho de algodão em rama e
espetamos num pauzinho de amendoeira que tem uns galhinhos muito fininhos e a
gente vai fiando com a roquinha, que é um galhinho de amendoeira e o fuso que
serve pra fiar a lã de ovelha. Os maranhos e também alguma seda que fica mais
imperfeita, a gente depois junta e fia essa seda também que nós depois mais
tarde lhe chamamos corriões que se vão juntar quando a gente dobar a meada e
depois preparamos essa seda pra ir pró tear”.
Há
mais de vinte anos que Maria Júlia Martins se dedica à extração da seda que
hoje é considerado por muitos um bem de luxo pelo preço praticado em algumas
peças tal como acontecia antigamente como explica a artesã: “havia muitas
pessoas que se dedicavam a fazer criação do bicho-da-seda e vendiam às casas
ricas por isso aqui em Freixo há muita seda mas é só nas casas ricas. As pobres
criavam o bichinho e agarravam no casulo e iam vender e depois até ajudavam a
fazer a extração, nessas casas, até por um pedaço de pão pra comerem ou por um
quartilho de azeite. As pessoas ricas davam a meia dúzia de mulheres pobres que
gostavam de fazer esse trabalho, iam ajudar e então depois era com isso que lhe
pagavam e elas ficavam todas contentes”.
As
inúmeras particularidades da história da seda em Freixo de Espada à Cinta fazem
com que esta seja um marco na identidade desta vila transmontana que inclusive
tem para sua promoção o slogan “Freixo de Espada à Cinta, Terras de Seda”, e
recentemente inaugurou o Museu da Seda e do Território que está incluído na
Rede de Museus do Douro.
Gabinete
de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta, 2 de outubro de 2015
Joana
Vargas
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