terça-feira, 24 de novembro de 2015

Freixo de Espada à Cinta - Congida



Congida

I

Sobre o arado das águas, sulcando teu leito bordado de virgindade, defendida por castelos e gigantes de granito, que só os grifos, em seu planar circular, sabem da altura, voo.



II

Acima dos lábios das margens, teu púbis é um bosque de lodões, que o sobreiral e o fragaredo continuam arribas acima.
Rente à tremura da água, esvoaçam garças-reais, depenicando-a, de longe em longe.No morro, o abutre-do-egipto, embalsamado de hirteza, espreita a morte, qual Osíris a chegada de um mortal para lhe pesar a alma.

III
Aqui mora o princípio: para além da guerra e da paz e dos pombais da Civilização, as boas selvagens pombas das fragas, acima do simbolismo de suas irmãs civilizadas, despegam, em voo assustado, do seu inacessível fragoso reduto, voltando para o meio-dia.

IV
De regresso ao cais, a chuva vem ao meu encontro, trazendo-me a lembrança das águas primordiais, nascentes diluvianas que fizeram mares.

V
Dei o óbolo ao barqueiro, que me trouxe à vida, naturado, limpo e ressuscitado. A Civilização é um pecado, que a Natureza dificilmente nos irá perdoar.

in "Ode ao Douro" de António Manuel Caldeira Azevedo, pp. 11 e 12

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