Congida
I
Sobre o arado das águas, sulcando teu leito bordado de
virgindade, defendida por castelos e gigantes de granito, que só os grifos, em
seu planar circular, sabem da altura, voo.
II
Acima dos lábios das margens, teu púbis é um bosque de
lodões, que o sobreiral e o fragaredo continuam arribas acima.
Rente à tremura da água, esvoaçam garças-reais,
depenicando-a, de longe em longe.No morro, o abutre-do-egipto, embalsamado de hirteza,
espreita a morte, qual Osíris a chegada de um mortal para lhe pesar a alma.
III
Aqui mora o princípio: para além da guerra e da paz e dos
pombais da Civilização, as boas selvagens pombas das fragas, acima do
simbolismo de suas irmãs civilizadas, despegam, em voo assustado, do seu
inacessível fragoso reduto, voltando para o meio-dia.
IV
De regresso ao cais, a chuva vem ao meu encontro,
trazendo-me a lembrança das águas primordiais, nascentes diluvianas que fizeram
mares.
V
Dei o óbolo ao barqueiro, que me trouxe à vida, naturado,
limpo e ressuscitado. A Civilização é um pecado, que a Natureza dificilmente
nos irá perdoar.
in "Ode ao Douro" de António Manuel Caldeira Azevedo, pp. 11 e 12
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