António Augusto Afonso Corvo
Da
correria das cidades à desertificação das pequenas aldeias, no que respeita aos
hábitos das crianças nas escolas houve profundas mudanças sobretudo ao nível
dos seus comportamentos. “O Professor na aldeia era uma fonte, era o centro,
era respeitado, era consultor, era conselheiro, era amigo e havia sobretudo uma
sintonia”. Aos olhos de António Corvo, professor durante mais de 50 anos a
educação de uma criança assenta precisamente nessa sintonia que existiu, entre
professores, família e meio, mas que na
sua opinião cada vez mais tende a desintegrar-se.
O
professor Corvo, como é conhecido em Freixo de Espada à Cinta, nasceu em
Lagoaça, o pai registou-o na aldeia
dele, Carviçais, mas viveu parte da sua
vida em Freixo onde ainda hoje permanece. Deu aulas no ensino primário em
Lagoaça, freguesia próxima, e Freixo, mais tarde foi professor do ensino
secundário e assim foi até que se reformou. Aos 79 anos já viu muita coisa
nesta difícil tarefa de ensinar em tempos onde as turmas estavam cheias de
alunos e ainda assim o ensino corria com normalidade, “há 58 anos havia casos
excecionais de ter 40 alunos nas quatro classes, veja estar a dar uma lição
direta e depois conseguir três indiretas, vós fazeis isto, vós fazeis aquilo, a
dar uma direta e sempre com o olho nas eventualidades disciplinares mas isto
corria relativamente bem por dedicação e porque as crianças tinham um sentido
de responsabilidade na escola mas que vinha de casa, do pai e da mãe”.
Hoje
o ensino escolar é diferente, a realidade das famílias já não é a mesma e as
crianças estão cada vez menos envolvidas com o meio que as circunda. O
professor Corvo acompanhou todas estas transformações em tempos onde as
condições de vida eram bem mais difíceis mas onde as crianças mantinham um
comportamento bem diferente do que hoje em dia, “há 60 nos as escolas não
tinham aquecimento, normalmente nas aldeias havia a fábrica de azeite onde se
ia buscar braseiras do brulho pra pôr na sala, num estrado comum pra dar uma
aquecidela”. Ainda assim a vida escolar processava-se porque havia nesses
tempos “princípios éticos de comportamento que por hábito se impunham”, lembra
António Corvo. Aquilo que o professor chama “forças vivas” que existiam com
expressividade antigamente e que englobavam as famílias, os professores e
demais entidades e o meio, essas que geravam convívio e ao mesmo tempo
acautelavam a desordem deixaram de existir. As pequenas aldeias e vilas
viram-nas desaparecer e a alma destes meios inevitavelmente tende a ser cada
vez mais fechada.
Talvez
tenha sido por culpa da globalização, a mesma de que fala o professor Corvo
“hoje tudo é global e penso que as características específicas de cada região
que poderão dar a tal identidade tendem a extinguir-se; é tudo a globalizar e a
uniformizar o que me parece que tira riqueza à vida”.
A
vida nas aldeias e vilas do interior transmontano mudou. Vai sendo feita pelos
que sempre ficaram, os já envelhecidos,
os mesmos que vêm partir os seus jovens em número cada vez maior. No
concelho de Freixo não é diferente, nas palavras de António Corvo, “Freixo está
conforme a mãe o pariu”. Aldeias isoladas e com cada vez menos gente jovem; a
abertura da fronteira com Espanha não ajudou o que se esperava e Freixo não
“quebrou as algemas”, como se anunciava em 1932, “é engraçado que eu fui
encontrar na mala do meu pai um artigo do jornal República de 1932 de uns
senhores que vieram a Freixo, a dizer Freixo vai quebrar as algemas, Freixo vai
tomar outra vida com a abertura da fronteira portanto era uma esperança para
haver esta coabitação (...); não sofreu qualquer alteração (...) quebraram-se
as algemas e Freixo ficou na mesma”.
Ainda
assim o professor reconhece Freixo de Espada à Cinta, a terra onde vive, como
um concelho pacífico, sem grandes problemas, “vive-se bem desde que haja
família, quando ela não existe é que é o diabo...”. Este parece ser o tema
central da sua vida, a família, e talvez quando entendermos o verdadeiro valor
deste conceito, a “quebra das algemas” por uma educação melhor, esteja perto.
Joana
Vargas
A voz de quem sabe
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