O
"MANHUÇO" DE "ESPÁRRAGOS"
É
por si mesma uma expressão agreste, clara, serrana. Uma linguagem áspera, rude,
mas de aspecto verdadeiro. "Manhuço" é uma mão-cheia, um punhado. Um
molho de ervas que se agarra na mão. "Espárragos" tem mais que se lhe
diga. Não é o mesmo que espargos, dos que se chupam nas cidades. Não é apenas a
rusticidade de um nome, mas qualquer coisa de intrinsecamente diferente. Só
conhecendo o que são, como se criam, como se apanham, como se saboreiam os
"espárragos" do monte.
Os
espargos das cidades, crescidos em estufas, ao abrigo das intempéries,
rega-dos, cultivados, criados à mão, são um produto artificial, opulento,
gorduroso, ana-fado, flácido, sedoso, a que um molho apurado consegue dar um
gosto requintado, internacional. Mas pura e simplesmente convencional, longe da
natureza. Para chu-par! Por isso os espanhóis nos dizem, no seu espírito de
humor caústico:
"Quien
nísparos come, espárragos chupa y besa una vieja — ni come, ni chupa, ni
besa!"
Mas
isto será lá nas cidades, porque cá nestas minhas terras transmontanas as
nêsperas têm um sabor atraente, perfumado e quanto a velhas, se as houvesse,
ha-veria muito que contar. Os "espárragos" então...
Anda
gente pelos montes solitários, escalvados, onde o arado nunca entrou, nem
invernias deixam uma árvore crescer, onde não há sinal de gente nem de ser
vivo, mas que o rosmaninho agreste, indomado escolhe para florir e resguardar o
seu in-tenso e puríssimo perfume; barrancos que as trovoadas e gelos eriçaram.
Correm-se léguas de paisagem de nudez impressionante. Mas na dobra de um
rochedo eriçado lá se encontra, muito escondida e dobrada sobre si mesma,
verde-escura, rugosa, uma varinha de "espárrago". Longe do mundo e da
vida dos homens, ou da alegria dos pássaros, sozinha, muito humilde, na paz do
Senhor, mas enfrentando os ventos e as geadas, numa admirável solidão. A sua
tristeza enternece a alma do próprio povo.
Eu
hei-de-me ir e deixar-te Como a água deixa a fonte. Estou p’raqui triste e
sozinha Como os espárragos no monte!
Triste
e sozinha, mas resistente e corajosa.
Os
"espárragos" não se chupam nem se esmagam, porque se trincam, rijos e
ten-ros, de um amargor delicioso. Uma torta de "espárragos ", onde os
ovos das gali-nhas criadas à solta constituem a massa aglutinadora, é um manjar
digno e superior.
In “Almirante Sarmento
Rodrigues, 1899-1979, Testemunhos e Inéditos” pág.375
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