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quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Memórias Orais de Freixo de Espada à Cinta - António Pires

Já completou 95 anos e o sangue ainda ferve quando fala das injustiças a que assistiu na sua vida. Passou por muito mas nunca teve medo a nada. Nem ao Douro, esse gigante que tantas vezes atravessou a nado para ganhar mais algum. 

“Aqui era um miséria, até caiam as lágrimas, de volta deles. Cheguei a pas. Tinha um que nos passava no Águeda, e eu estava na Barca, chegou ao pé de mim, [oh ti António olhe que eu não me atrevo a passar o Águeda, que cresceu muito]. Peguei na tralha, abalei, fui lá eu e passei-os, o primeiro agarrado a mim e depois os outros passei-os agarrados uns aos outros, passei-os assim. Era uma calças de pana, uma blusa, era isso que passávamos”. 
sar aqui no Douro, na Matança, passei em muitos sítios mas onde passava mais era no Águeda, era a bau. Um dia levava dez mulheres e homens, e tinha chovido

A destreza era útil ao negócio e fez com que nunca fosse preso, nem nunca visse os guardas que se confundiam por entre as fragas. Uma ocasião passou sozinho e à corda, 100 kg de amêndoa partida. “Passava-a eu à corda, ele (espanhol) ficava com uma ponta do lado de lá e eu trazia outra para este lado, com uma taresga a rodar para um lado e para outro e era assim, essa noite como eu me vi para passar tanta amêndoa!”.

Emigrou para França “de assalto” à espera que a vida lhe melhorasse. Deu-se bem mas também passou lá muita tristeza confessa. “Passei muito mas lá me desenrasquei. Para onde ia todos me agarravam pela mão”. Quando regressou a Portugal ainda se dedicou à agricultura, comprou uma propriedade, “eram alguns 50 milheiros de vinha, oliveiras e amendoeiras”.
Os dias por agora são passados na Estalagem onde comprou um quarto para si e para a esposa. Os cinco filhos já estão governados e António Pires pode agora gozar do tempo do descanso.

Joana Vargas

Memórias Orais de Freixo de Espada à Cinta - António Pires

Freixo de Espada à Cinta - MEMÓRIAS ORAIS - António Pires from LB Produções on Vimeo.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Memórias Orais de Freixo de Espada à Cinta - Júlio Alves


“A minha infância foi bastante difícil mesmo porque depois meu pai saiu da cadeia de ser carcereiro e teve que se agarrar à agricultura e ainda éramos 5 filhos em casa e era um tempo difícil onde nós recebíamos senhas de ração para ir buscar o açúcar, o macarrão, o pão, um quarto de pão para cada filho e tínhamos bastantes dificuldades e depois tivemos um azar grande foi quando a minha mãe faleceu e que passamos muitas dificuldades”. 


Júlio Alves é natural de Freixo de Espada à Cinta mas foi por outros “mares” que fez a sua vida. De cedo teve vários ofícios mas acabou por ingressar na Marinha onde fez várias missões na Índia e no Continente Africano. “Estive sete meses num campo de concentração na Índia, aí comíamos pessimamente, formávamos 2 e 3 vezes por dia para fazer contagem, houve uns poucos que tentaram fugir foram logo bem castigados, isto é, foram mal tratados; Davam-nos água, era difícil, havia um Capelão que nos aconselhava a pôr-mos a lata da água ao sol porque bebendo quente a água matava-nos mais a sede e eu cheguei a fazer isso. E depois dormíamos no chão, lá tínhamos uma roupita, em cima do cimento, lá arranjávamos umas tábuas, não tínhamos camas e havia pessoas que disseram cá que fomos bem tratados mas eu chamo-lhe eu hipocrisia”. 



É a bordo do “Pátria” que regressa a Portugal e ingressa num curso de fuzileiros especiais. Começa por ser destacado para Angola quando começa a Guerra das Colónias e haveria de cumprir diversas missões em Moçambique e na Guiné. As marcas da Guerra ficarão sempre para lá dos estilhaços. Júlio viu morrer muita gente, “muitos dos seus”, e as conversas derivam sempre num tempo mais à frente para não lembrar. 



Ainda fez o curso de Sargento e é nesta profissão que se reforma. Já vai para mais de vinte anos. Dos apontamentos dos seus diários fez um livro onde (d)escreve ao pormenor as faces da vida militar. Agora os dias também os dedica à companheira de todas as horas que “foi mulher, esposa, mãe e pai dos seus filhos” como sempre a evoca.


Joana Vargas

Memórias Orais - Freixo de Espada à Cinta


quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Memórias Orais - Texto sobre Francisco Gaspar




“O meu pai estabeleceu-se em Freixo com uma peixaria. Era um negociozinho que não dava muito dinheiro mas dava para sustentar a família. Depois às vezes sobravam muitas sardinhas e a minha mãe tinha que as fritar todas para não se estragarem então éramos sete irmãos e tínhamos que aproveitar as sardinhas. Então quando sabiam melhor era quando íamos ao cinema, naquele tempo já havia cinema, isto em 52, 53 já tínhamos cinema em Freixo mas era uma carrinha que vinha cá que era o “Cinelis Vila Flor”, que vinha cá e que trazia aqueles filmes da Amália Rodrigues, de António Silva, Vasco Santana, o Homem do Ribatejo, eu com dez anos já ia ao cinema”.
Francisco Gaspar seguiu as pisadas do pai e tornou-se comerciante. A aprendizagem começou cedo, aos 11 anos já trabalhava numa mercearia e ganhava 100 escudos por mês. “Fui trabalhar para uma mercearia de Freixo, eu nem chegava à balança, veja um miúdo com 11 anos, naquele tempo podia-se trabalhar com 11 anos, hoje não , e o meu patrão punha-me um caixote do sabão, vazio e mandava-me subir para o caixote e pesar. A primeira coisa que eu pesei nunca mais me esquece, foram 5 tostões de pimento”.

Depois de cumprido o serviço militar regressou a Freixo para o ofício que tinha deixado. As folgas na mercearia só ao domingo e a partir das 17h. “Para namorar a minha mulher só depois das cinco da tarde nos domingos e a minha esposa nesse tempo estava numa aldeia em Fornos e eu tinha que ir a namorá-la. Comprei uma mota, destas Zundap, metia um basqueiro, e comprei-a em 2ª mão, porque o dinheiro era pouco”. 
Com a Revolução de Abril, Francisco também decidiu revolucionar-se, confessa, e com 30 anos monta o seu primeiro negócio. “Ao revolucionar-se o povo eu também me revolucionei, saí do meu patrão e estabeleci-me, num senhor que tinha um café que se chamava senhor Ferreira e ele é que me disse [olha eu alugo-te os baixos do café e a parte de cima, em cima fazes um armazém e em baixo fazes a mercearia], e assim foi”. A vida foi melhorando e Francisco de mercearia passou a ter um supermercado, vai para mais de 20 anos, negócio que mantém atualmente, mas que é gerido pelo filho. 
Já reformado, Francisco acompanhou a profunda transformação que se deu no negócio. “Hoje as compras são totalmente diferentes do meu tempo. Hoje existe a internet, o meu filho compra “on-ile”, ou como se diz”. As distâncias nos transportes das mercadorias e no contacto com os fornecedores encurtaram-se com a vinda das novas tecnologias. Bem diferente do tempo em que ia no comboio a carvão e tinha de levar duas camisas, uma para a viagem, que ficava preta do combustível e outra que vestia quando ia negociar com os vendedores. 
Aos 71 anos Francisco conheceu o negócio como poucos. Estas alterações agora acompanha-as de longe e diz, que para estas coisas do “online” é preciso ter uma “cabecinha de ferro”.

Joana Vargas

Memórias Orais - Francisco Gaspar


quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Memórias Orais - Texto sobre Maria Júlia Martins



Chama-se Maria Júlia Martins mas a idade já não a tem bem certa. Oitenta e oito, acha, pela comparação com a amiga Amélia. Sabe que têm os mesmos anos. Nasceu em Freixo de Espada à Cinta ela e mais sete irmãos. As agruras da vida fizeram com que Maria Júlia só conhecesse o trabalho. Assim sabia que as dificuldades seriam menores. “Fome nunca passamos mas a minha vida foi sempre a trabalhar, puseram-me logo de pequenina a guardar ovelhas e cabras e a segar o pão, a cevada, andar na eira a varrer e com os burros a trilhar o pão , foi a minha vida...”

Teve quatro filhos, uma delas nasceu por suas mãos. “Vieram-me as dores de noite e tive aquela menina, até está casada na Espanha e lá a compus e lá viveu, eu sozinha, mais ninguém. Trabalhei muito a criar aqueles filhos e ia a coser para Poiares, depois o senhor Almirante fez-me um forro mas ia a coser da quinta a Poiares a cavalo de um burrinho, para cima ia a cavalo, para baixo vinha carregado e eu a pé, pelo cabeço. Pode crer naquilo que eu lhe digo”.

É do tempo em que a água em Freixo era escassa e as mulheres iam com os cântaros à fonte à espera do “fiozinho” para governar a casa. “As mulheres até se batiam, porque queriam encher e a água era pouca percebe. Punham à vez os cântaros mas depois os ricos eram muitos e também não havia água, quem tinha mais água era o Senhor Doutor Francisco que a trazia de um prédio dele para casa mas os outros batiam-se, pintavam a sarameca. A Guarda Republicana lá ia muitas vezes a acomodar aquela gente. Íamos à fonte no Carril, há lá uma fonte onde está uma ponte, não era laje essa era assim lisinha e tinha uma pocinha e de manhã cedo alevantavamo-nos e íamos com o copo e com o cântaro a apanhar aquela gotinha de água”.

“Agora a vida é outra”, diz, os tempos em que andava à chuva a trabalhar e muitas vezes descalça já estão longe ainda que, a cada dizer, bem presentes na memória.



Joana Vargas

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Ester Andrade: Memórias Orais - Freixo de Espada à Cinta

Se não a interpelassem, Ester de Jesus, Simões do pai, Andrade do marido, como faz questão de dizer,  era capaz de falar o dia inteiro. Os 92 anos fazem com que já tenha muito que contar do tanto que se lembra. É natural de Ligares mas atualmente vive no Centro Social  da aldeia de Poiares.

A vida seguiu sempre sem grandes preocupações do “viver”, o pai era proprietário e a lavoura dava para o sustento da família de uma forma despreocupada, o que à época não era comum. “Nunca segamos mas a lavoura era grande, colhíamos muito trigo, muito centeio e cevada para os animais, o centeio também para os animais e para vender, e o trigo para o gasto de casa”.

A vida “desafogada” não impediu que Ester não tivesse vontade de trabalhar. Queria ceifar como ceifavam as filhas dos outros lavradores mas o pai achava que não tinha jeito. Um dia calhou ir para a ceifa mas um acidente com a foice fez com que lhe  ganhasse medo e esse ofício ficaria para sempre esquecido. Aos 25 anos casou e como quase sempre acontecia, Ester seguiu os passos do marido. “Não me casei mais cedo porque não quis. Tinha medo aos homens. Tinha-lhes medo, porque alguns davam porrada, enchiam-nas de filhos e maltratavam-nas”. Ester teve “sorte”, acompanhou o marido para onde quer que ele fosse e não enumera sequer uma queixa.

Com o marido esteve na Guiné sete anos. Foram sem trabalho e já com um filhos nos braços. O seu último trabalho foi como polícia e numa das vezes que veio de licença a Portugal acabou por não regressar. Os tempos na Guiné eram difíceis de ver e o regresso à terra do marido era o que tinham como certo. Assim foi, e Ester não mais saiu da aldeia de Poiares. O tempo agora passa-o no Centro Social e Paroquial onde  as ausências e esse passar de tempo talvez lhe pareçam menores. 


Joana Vargas



Ester Andrade: Memórias Orais - Freixo de Espada à Cinta


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Memórias Orais - Texto Maria Júlia Alves



“Olhe senhor nem tínhamos tempo de ir brincar, andávamos só atrás das ovelhas e dos borregos, para um lado e para outro e íamos para casa, nas quintas era o que se fazia, depois lá já de maiorzinha trabalhava no campo, trabalhava nas vinhas, a escavar parreiras e a arrancar ervas nas vinhas, a mondar e assim se ia passando o tempo, a vida não foi fácil”.

Maria Júlia Alves não se lembra do ano em que nasceu. Sabe que foi dia 3 de janeiro. Conta pelos dedos e lá chega à idade de ouro: 83 anos. (Aqui engana-se sempre, confessa). Da memória nunca lhe passou o fim do primeiro dinheiro que ganhou. Foi mondar para comprar os primeiros sapatos, aos 8 anos de idade. “Já era garota quando me calcei, a vida era muito rigorosa. Não havia, não se ganhava, não se tinha”. Toda a sua vida trabalhou nas quintas dos “ricos”, mas o que ganhava era apenas para o sustento da família.

Maria Alves há muito que vive sozinha. Os filhos, como quase sempre, saíram cedo “do ninho” e fizeram a vida fora do concelho. Ela, vai-se governando, ainda que com o esforço da ginástica das contas.  As refeições fá-las no Lar e depois regressa a casa. “A minha reforma eram 40 contos. Dão-me 5 euros dos 40. Veja lá com o que andamos”.

A vida, ainda que dura, foi andando, mas sem dias desafogados. “No inverno íamos à lenha,  eram “escovas”, ardiam depressa mas era o que nos esquentava e enxugava. A lenha boa era para os ricos, e nós quando encontrássemos um “pauzinho” mais grosso guardava-se para passarmos a ferro”. 

O rigor da vida não permitiu que Maria deixasse as “raízes” e por Freixo foi ficando. Por ora, confessa, a vida não melhorou muito, mas vai andando, diz,  “até que Deus queira”.

abril de 2015
Joana Vargas