“Dona Mariazinha”, é
assim que Maria Emília Silva é carinhosamente tratada e conhecida em Freixo de
Espada à Cinta. Está na vila há 62 anos e embora tenha nascido por terras da
Invicta já todos a consideram uma filha da terra porque não há por Freixo quem
não a conheça. O diminutivo do seu nome por que é conhecida em nada se compara
com a grandeza de espírito de uma mulher que desde cedo esteve sempre um passo
à frente do que a sociedade lhe impunha, das regras que “ficavam bem” a uma
senhora de família e dos hábitos que “deviam ser seguidos”, “quando eu vim para
Freixo, isto era muito, muito fechado. Uma senhora não saía à rua, não ia a
parte nenhuma, não ia ao café, não ia a coisa nenhuma. O meu marido, como eu
estava habituada a uma vida muito diferente, fez questão de eu ir sempre a
acompanhar e eu era feita como uma pessoa escandalosa porque ia ao café com o
marido”. Como as regras à época eram pra ser seguidas Maria Silva fez
precisamente isso, fez do hábito de acompanhar o marido ao café e até jogar às
damas com alguns dos seus amigos, uma
regra e como tal a “sociedade” começou a aceitá-la e o círculo de amigas
começou a alargar-se, “mais tarde as pessoas passaram todas a ser amigas e a
conviver comigo e eu dizia sempre, olha isto foi bem-feita, porque não me
ligaram no princípio e hoje eu sou a menina delas todas”.
Em Freixo o nome da Dona
Mariazinha é usualmente associado aos doces típicos que aqui se fazem e em
especial aos “CDS”, nome invulgar, tal como a situação que lhe deu o nome, “há os
bolinhos que lhe chamam os CDS, porque não tinham nome. A Dona Maria Olímpia, (com
quem a Dona Mariazinha aprendeu a fazer os doces) tinha esses doces e o nome
que lhe tinha era um nome que não podia ser, porque os Papos de Anjo eram de
Amarante e não tinha jeito nenhum que tivéssemos aqui os Papos de Anjo feitos
de uma maneira diferente (...), havia um
senhor muito nosso amigo que adorava aquilo e quando foi na festa em Leça da
Palmeira do CDS ele fez questão de levar uma caixa desses doces para os
oferecer ao Freitas do Amaral, ele achou muito bom, guardou para a mulher, e o
senhor pôs-lhe o nome de “CDS”. Apesar da Dona Mariazinha não achar boa ideia
pelo cariz político que o nome transportava a palavra foi passando e toda a
gente ficou a apelidar este doce tradicional, feito de ovos, chila e amêndoa,
de “CDS”.
Para além dos CDS, Maria
Emília Silva aprendeu a fazer outros doces, todos à base de amêndoa. Faz sempre
questão de dizer que os doces não são dela, “os doces não são da Dona
Mariazinha, são de Freixo”, no entanto, têm um toque especial seu, “os que
faziam cá eram com leite e azedavam e eu alterei, porque a minha mãe fazia mas
era com vinho do porto, e eu passei a fazer com vinho do porto porque com o
vinho do porto os doces mantêm-se muito mais tempo”. “Tinha ólho prá coisa” como
em Freixo se costuma dizer tal como para outros ofícios. É que para além de
doceira Maria Emília Silva sempre esteve à frente dos negócios do marido, era
ela que tratava de tudo e agora com 82 anos assim continua, “vendíamos amêndoa,
azeitona, o azeite, o trigo, a cortiça, tudo aquilo que o prédio dava, quem fazia
sempre o negócio, era eu, olha está ali o homem que quer comprar cortiça, oh
Luís mas que jeito tem, anda lá vai lá tu, porque eu não tenho jeito para isso,
era assim”.
Recentemente vendeu uma
das casas mais bonitas em Freixo, “a melhor e a mais bonita”, nas suas
palavras, a Casa do Conselheiro. Esteve à frente dos destinos desta casa de
turismo durante 20 anos, “nunca tive uma queixa”, e houve um (a) hóspede
desconhecido (a) que a comparou à “Ferreirinha” da Régua na dedicatória que lhe
deixou no livro de recepção que existia na casa. De semelhanças, o espírito
inovador e a quebra de preconceitos em relação ao valor do papel da mulher na
sociedade.
Em Freixo de Espada à
Cinta o papel da Dona Mariazinha continua a ser bem conhecido. Conquistou-o, contra
o que a sociedade lhe queria fazer ver. Esteve sempre à frente do seu tempo e
hoje tem sem dúvida o reconhecimento merecido, o carinho da terra que também se
tornou sua.
Joana Vargas
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