sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Memórias Orais - Ernesto Sendim

"Senhor Sendim, era pra cortar o cabelo se faz favor."

É barbeiro desde que se lembra. Aprendeu com o mestre da arte, o seu pai, num tempo em que os pagamentos eram feitos em alqueires de trigo. “O meu pai trabalhava de pedreiro e à noite vinha prá qui prá barbearia a trabalhar, a ganhar mais algum dinheirinho (...) fui prá escola tinha 11 anos e o meu pai obrigava-me a vir prá qui pró pé dele, ele depois regressava do trabalho, às cinco horas eu tinha que lhe ter a porta aberta, (...), os meus colegas a brincar eu estava com aquela vontade de ir prá brincadeira mas ele não me deixava [não filho tens que estar aqui que é pra ires aprendendo a arte prá amanhã ou depois te arranjares com ela pra ganhares dinheiro como eu] ”.

Ernesto Sendim não foi só barbeiro, na escola andava como que “incomodado com os estudos” e queria era trabalhar, quis ser trolha. Aos 13 anos já trabalhava na construção e aos 18 começou por conta própria. Nunca deixou de ajudar o pai na barbearia até que ingressou no serviço militar, “fiquei apurado depois fui tirar a recruta ao R12 n
a cidade da Guarda, Regimento de Infantaria 12 e depois cada vez que vinha cá de licença lá vinha a ajudar o velhote porque eu antes de ir já sabia trabalhar, já fazia umas barbitas , uns cabelitos e tal e ele quando eu vinha cá de licença um fim de semana ou assim dava-me a cadeira pra eu trabalhar”. Na barbearia ainda mantém a primeira cadeira de trabalho que o seu pai teve.


Depois de ter sido mobilizado para a Guiné regressou a Freixo, o seu pai entretanto falecera e Ernesto voltou para a construção porque o dinheiro da barbearia era pouco, “continuava a trabalhar na construção porque isto aqui não dava eu não podia estar aqui todo o dia a trabalhar porque eu não tirava sequer ao menos pra pagar a luz”. A pequena empresa de construção que tinha é que lhe permitia ter uma vida menos desafogada onde essencialmente trabalhava na construção das casas dos emigrantes. Porém o trabalho na construção começou a faltar “não havia obras e então fui trabalhar e ainda andei lá 4 ou 5 dias ali ao ferro e pá, a bacelar, as mãos rebentaram-me todas porque não estava habituado, a minha vida não era aquela mas tinha que me sujeitar pra poder ganhar algum era mesmo assim”. Em pouco tempo, com a ajuda de um irmão seu estabelece-se definitivamente na barbearia, “ tinha um irmão Padre que estava no Oriente, em Singapura, a fotografia dele até está além e foi ele que conversou comigo, veio cá [oh Ernesto tu já vais caminhando prá idade vê lá ver se tens outras ideias, eu ajudo-te, ficas aqui a trabalhar, ganhes 5, ganhes 10 ,ganhes o que ganhares tu é que és o patrão]”. Começou a ser patrão no início dos anos 80 assumindo-se como barbeiro de profissão e já depois de reformado nunca largou a arte.

Na “Barbearia Sendim”, um dos estabelecimentos comerciais mais antigos de Freixo de Espada à Cinta, o senhor Ernesto continua a trabalhar, agora mais contido, mas fazendo perdurar a importância da existência do comércio tradicional.

Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta
Joana Vargas

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