pelo Prof. Dr. José Leon Machado (UTAD), com a
presença do autor
dia 18 de Outubro de 2014 (sábado), pelas
16h00
na Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e
loisas do Douro, em Vila Real
" Gabriel disse ao Falcão Albanês,
sentado a seu lado, que aquele jantar era uma celebração de despedida.
- Para onde vais, Gabriel?
- Vou com a Laura para Londres.
- Ah, os meus dois filhos e os meus quatro
netos também lá estão. Eu estou aqui sozinho e sinto uma grande solidão. Tenho
lá um neto, Gabriel como tu, que criei até aos sete anos, e que é a minha
grande saudade...
- Então porque não vai viver com eles ?
O velho esteve longo tempo calado, absorto em
tristes pensamentos.
- Vejo-os partir e sinto que este país está a
perder o melhor que tem. Nunca esta terra teve uma juventude tão preparada como
agora, mas essa juventude vai dar o melhor para outros países. E assim esta
terra cumpre a sua maldição histórica de ser pobre e desgraçada.
- É, velho camarada, este país é uma terra de
falhados: falhámos nós a revolução e falhou a burguesia a sua missão de
instalar aqui o paraíso social-democrata.
- Tens razão. Mas eu não parto. Os meus ossos
foram feitos para este sol radioso e não se dão no nevoeiro londrino. Depois
tenho cá uma secreta esperança...
- Qual secreta esperança, querido camarada ?
(...)
Silvério, que ouvia a conversa, intrometeu-se:
- Não me diga que ainda acredita nos amanhãs
que cantam ?
- E porque não, amigo ? Não canta todas as
manhãs a cotovia ?"
Manuel Monteiro - In "O Falcão
Albanês"
A Mãe-Nova era a minha avó. Criou-me desde que
nasci até aos meus dezasseis anos, numa pequena aldeia no sopé da serra do
Alvão, a cinco quilómetros de Vila Real.
Depois abandonei a Mãe-Nova e a minha aldeia
da infância e vim para a cidade grande.
Mais tarde tive que percorrer o calvário de
milhares de jovens do meu tempo: a guerra colonial. No exército perdi cinco
anos da minha juventude, dois deles na guerra colonial, em Angola.
Regressei desta guerra exausto e vazio.
Fui visitar a Mãe-Nova e a minha pacata
aldeia.
Na manhã seguinte acordei com os pardais a
brincarem no soalho do quarto onde dormia.
Um melro, que me pareceu um velho melro da
minha infância, tinha poisado no parapeito da janela e soltava estranhos sons,
como dando-me as boas-vindas.
A minha avó debruçou-se sobre mim e fez o que
me fazia na infância: encostou-se a mim e beijou-me com toda a doçura.
Naquele instante esqueci a guerra e a vida
dura que me esperava na cidade grande.
O cheiro a maçã madura que eu respirava do
corpo da Mãe-Nova, a sua face encostada à minha, os seus olhos onde se lia toda
a ternura do mundo, tudo me reconciliava com o mundo e me enchiam de paz.
Manuel Monteiro
I HAVE A DREAM (EU TENHO UM SONHO).
Eu tenho um sonho. Ou antes: tinha um sonho.
Sempre amei os livros. Sempre sonhei escrever
livros. Sempre aspirei viver dos livros.
Até aos sessenta anos fiz quase de tudo, menos
de trabalhar com aquilo que era a minha paixão, o meu sonho.
Aos sessenta anos encontrei-me numa
encruzilhada: estava desempregado e, com essa idade, seria muito difícil
encontrar trabalho.
Então pensei: é nesta altura de grande
dificuldade que vou concretizar o meu sonho.
Mas como se estava mais teso que carapau em
frigorífico?
Tirei o cartão de feirante, inscrevi-me nas
feiras da grande Lisboa, sobretudo na feira da Ladra, comprei umas tábuas, uns
cavaletes e uns panos vermelhos. E assim montei a minha banca, a minha livraria
ao ar livre.
A minha biblioteca foi o primeiro material que
vendi. Depois os meus muitos amigos ofereceram-me caixotes e caixotes de
livros. Em seguida comecei a comprar, quer na própria feira da Ladra, quer indo
a casa das pessoas.
E assim se concretizou o meu sonho: publiquei
o meu primeiro romance, SEI ONDE MORA O HERBERTO HELDER, e abri a minha
livraria ao ar livre.
Às vezes não é preciso muito para realizar os
nossos sonhos.
Basta que não desistamos desse sonho e que
lutemos por ele até ao fim...
Manuel Monteiro
A VIDA OPERÁRIA DO ESCRITOR
Levei quase um ano a escrever o meu romance,
que sairá em Setembro, O FALCÃO ALBANÊS.
Dias e noites de esforço, de angústia, de dor
física e emocional. De solidão.
Também de exaltação porque, ao recrear a
realidade, ao fazer da realidade vulgar uma realidade magnifica, tive que
revisitar e recriar tempos e personagens que são minha herança vivida.
Agora o livro aí está. Em Setembro estará nas
mãos dos leitores. Uns vão amá-lo porque lhes vai trazer lembranças das suas
memórias. Outros vão utilizá-lo como uma ligeira passagem das suas vidas.
Outros ainda vão colocá-lo numa prateleira porque o livro não conseguiu
despertar neles a mínima emoção.
Mas, para mim, esse livro é mais um pedaço da
minha vida e do meu esforço para vos legar algo de bom.
Espero para ele o vosso amor. Ou o vosso ódio.
Nunca a indiferença...
Manuel Monteiro
António Alberto Alves
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e
loisas do Douro
Rua Miguel Bombarda, 24 – 26 – 28 em Vila Real
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