Maria Fernanda Guimarães
A quinta de Palhares e a ermida de S. Miguel
Uma das várias pontes medievais que, nos arredores de Bragança, permitiam a circulação entre as margens do rio Fervença dá pelo nome de ponte de Palhares. Situa-se a jusante da cidade, a poucas centenas de metros do núcleo acastelado.
Hoje estará engolida pela vegetação e não terá qualquer serventia e interesse já que a rede viária da zona foi completamente alterada no último século. Mas tem interesse histórico e concretamente do ponto de vista da história dos marranos de Bragança.
Por esta ponte se acedia à quinta de Palhares, sita na margem direita do Fervença. E é sobre esta quinta que vamos falar, recuando aos anos de 1725 e a partir de informações obtidas no processo nº 7630 da Inquisição de Lisboa.
Pertencia então a quinta de Palhares a um cristão-novo de Bragança chamado André Lopes da Silva, certamente um dos homens mais endinheirados da terra e um dos poucos que se passeavam de sege pelas ruas da cidade.
A quinta produzia umas 14 pipas de vinho, sendo a vinha circuitada de muros e mil e tantos alqueires de cereal, em cada ano. Havia também uma parte de horta e outra de mato e terra de pastagem. Nela se alimentava um rebanho de mais de 200 cabeças. Havia 2 juntas de bois para as tarefas agrícolas e criavam-se também alguns bezerros, 4 ou 5 porcos e variada criação de bico para sustento da casa. Havia ainda um jumento de lançamento, cobrando-se maquia pelas éguas e jumentas que cobria.
Pode dizer-se que era uma boa quinta, sendo avaliada em 12 mil cruzados, ou seja, 4 contos e 800 mil réis.
Para o amanho da quinta havia um casal de quinteiros a quem pagava 19 mil réis em cada ano, permitindo-lhe ainda trazer umas 30 ou 40 cabeças de gado no seu rebanho e criar 2 bezerros e um porco.
Para além do casal de quinteiros, tinha em permanência 8 ou 10 criados e criadas, com outros assalariados em determinadas épocas do ano.
A determinada altura, a herdade passou também a ser designada pelo nome de quinta de S. Miguel. Isto porque André Lopes da Silva nela fez erigir uma capela, da invocação daquele arcanjo. Esta ermida era citada em 1758 pelo reitor da igreja de S. Maria de Bragança, dizendo que se situava a um quarto de légua. Curiosamente nada diz sobre o seu padroeiro ou administrador, ao contrário do que faz em relação às outras 4 ermidas do termo da freguesia.
Voltando à construção da capela, cumpre referir que, por escritura feita no cartório do tabelião Estêvão da Costa, André Lopes e sua mulher se obrigaram a 6 missas anuais, 2 cantadas (dias de S. Miguel e S. António) e 4 rezadas. A esta obrigação vincularam eles a quinta. No fundo era a instituição de um morgadio, à imitação do que fazia a gente da classe da maior nobreza, não esquecendo que “para a dita capela chama, por sucessores, aos seus filhos, precedendo os mais velhos, os machos e as fêmeas, na forma do direito”.
Mas se a obrigação da capela eram 6 missas anuais, a verdade é que ele tinha um capelão (padre Jerónimo Rodrigues, morador em Samil) que todos os domingos e dias santos ia rezar missa à sua capela, para seus familiares e quinteiros, pagando-lhe 120 réis por cada uma.
E tinha também um padre jesuíta (Filipe Teixeira da Nóbrega) contratado como preceptor para educar os seus 2 filhos mais pequenos, ensiná-los a ler e a escrever… Seria bem interessante a vida na quinta de Palhares, pelos anos de 1725 quando a Inquisição prendeu o seu dono e lha sequestrou.
Margens do Rio Fervença, Bragança
Julho de 2009
Foto de Jorge Soares
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