Como já dissemos, era na rua Direita que
habitava a maior parte dos cristãos-novos de Bragança. Bastará consultar os
processos da Inquisição para vermos como a rua era deles povoada. A título de
exemplo, vejamos tão só um desses processos – o de Francisco Rodrigues Ferreira:
- Disse que tinha umas casas na rua Direita da
cidade de Bragança, na quina da travessa do Corpo da Guarda e nelas tem a terça
parte por serem do réu e de suas duas irmãs chamadas Inácia e Catarina,
solteiras, com quem vive, e são livres e valem ao todo valem 300 mil réis. Na
mesma travessa tem outras duas moradas de casas que são comuns com as duas suas
irmãs e são livres e valem ao todo 200 mil réis.
Como se sabe, todos eles eram cristãos
baptizados e exteriormente tinham de se apresentar como tais e cumprir os
deveres cristãos. No interior de suas almas porém, a generalidade deles
acreditavam era no deus de Moisés e não em Cristo. E também se reuniam para
rezar, sempre às escondidas, naturalmente e no estreito círculo das pessoas de
confiança que normalmente se limitavam à própria família, mais ou menos
alargada.
Estas reuniões ou ajuntamentos eram designadas
pelo nome de sinagoga. E era sobretudo nas noites de sexta-feira e nos dias de
jejum que eles se reuniam em sinagoga.
Na cidade de Bragança, ao tempo que vimos
referindo, ficou fama de existirem pelo menos duas dessas sinagogas, uma em
casa do médico Gabriel Ledesma e outra na casa do mercador e rendeiro António
Rodrigues, o Falho, de alcunha. Vejam o testemunho prestado por um
cristão-velho, Francisco Lopes de seu nome e capitão de uma companhia de
ordenanças:
-Disse que em casa do médico Gabriel Rodrigues
Ledesma, morador na rua dos Oleiros, desta cidade, se recolhem às noites,
principalmente de sexta-feira, os cristãos-novos desta cidade, principalmente
os seguintes: os Ledesma, os Falho, os de Lafaia e os Marranos, todos moradores
na rua Direita, o qual médico se presume ser seu rabi e na qual casa se faz
sinagoga.
- E que em casa de António Rodrigues Falho,
morador na rua Direita, se fazem também ajuntamentos à noite de sexta-feira,
principalmente na Quaresma e aos tais ajuntamentos vão cristãos-novos, homens e
mulheres e também o bacharel António Gabriel Pissarro e António Rodrigues
Castro, o Cabecinha, tio dos Falho, e os filhos de Henrique Rodrigues e sua
mães e os de José Rodrigues, já defunto e Rafael Rodrigues e Gabriel Rodrigues
e outros mais e o praticante daquela sinagoga é o bacharel António Gabriel
Pissarro.
A meio da rua Direita situava-se a casa de uma
importante família de cristãos-velhos que produziu comissários e familiares do
Santo Ofício – a de José Cardoso Borges, sua mulher D. Clara Maria Figueiredo
Sarmento, seus 4 filhos e 2 filha. Um dos filhos, António Manuel de Figueiredo
Sarmento, aparece em vários processos declarando que se punha à janela a
observar os comportamentos dos cristãos-novos, nomeadamente aos sábados e
quando passavam os funerais.
Ao nível do r/chão, a casa dos Figueiredo
tinha uma porta larga e por se situar numa curva da rua (Directa na origem)
tinha um ângulo de vista bastante alargado sobre a mesma rua. E por isso era sítio
escolhido para, também à noite, os esbirros da Inquisição se porem a vigiar os
comportamentos dos marranos. Vejam como o já citado capitão de ordenanças falou
no caso:
- Pelas 8 horas da noite foram (ele e os
padres Bartolomeu Neves e Manuel da Cruz) para a loja de José Cardoso Borges,
sita no meio da rua Direita, a qual tem uma porta grande para a mesma rua (…)
vendo eles (…) sem serem vistos (…) e dali viu ele testemunha com os mais,
entrar em casa de Pedro Lafaia de Castro, cerieiro, cristão-novo, um adjunto de
6 ou 7 pessoas, homens e mulheres.
Isto foi a uma sexta-feira da Quaresma. Na
sexta-feira seguinte, antes do domingo de Ramos, voltou o mesmo capitão àquele
posto de vigia, desta vez acompanhado pelo padre José Álvares da Silva. Vejamos
o que aconteceu, conforme o seu relato:
- Pelas mesmas 8 para 9 horas da noite,
estando ele testemunha só, viu sair da casa do dito Pedro Lafaia de Castro um
homem com um pau ferrado ao fundo, dando golpes na calçada da rua (…) viu que
era Pedro de castro, cerieiro, e se meteu em casa de José Rodrigues Ledesma, em
cuja casa entraram 5 ou 6 pessoas mais e logo o dito Pedro de Castro foi
batendo com o dito pau pela rua acima e saiu a mulher de Pedro Carvalho,
tendeiro, e veio pela rua abaixo com um irmão dela e chegando à porta de
Sebastião da Costa Chacla, pai da sobredita, saíram da casa 4 ou 5 mulheres e
se meteram em casa de Brites Maria e outrossim saíram logo Manuel Mendes,
Castanhola, de alcunha, a mulher e a mãe e se meteram em casa do dito António
Rodrigues Falho, para onde tinham entrado os mais e observou que a criada do
dito António Rodrigues logo foi para casa do dito Manuel Mendes Castanhola,
todos cristãos-novos, e ele testemunha ficou entendendo, pelas referidas
circunstâncias e razões, que todos os referidos cristãos-novos se juntaram para
fazer sinagoga naquela noite e muito melhor por lançarem para fora a criada,
para melhor ficarem em liberdade.
Este Pedro Lafaia, como também o advogado
António Pissarro contam-se entre os ascendentes do grande pintor fundador do
movimento impressionista Camille Pissarro (1830 – 1903). Acaso se ele tivesse
conhecido a rua Direita de Bragança e adivinhado o vulto daquele seu
antepassado indo de noite pela rua a bater na calçada com um pau ferrado a
chamar os outros para a sinagoga, ele teria imortalizado a cena pintando um
belo quadro. Alguém o fará por ele? Haveria de ficar bem, num futuro museu do
marranismo, em Bragança.
António Júlio Andrade
Maria Fernanda Guimarães
Nota do Editor:
Reedição dos posts públicados no blog :
http://marranosemtrasosmontes.blogspot.pt/
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