quarta-feira, 22 de outubro de 2014

BRAGANÇA - Uma rota de turismo cultural VI

Pedro Lafaia de Castro, o “chamador”
Como já dissemos, era na rua Direita que habitava a maior parte dos cristãos-novos de Bragança. Bastará consultar os processos da Inquisição para vermos como a rua era deles povoada. A título de exemplo, vejamos tão só um desses processos – o de Francisco Rodrigues Ferreira:
- Disse que tinha umas casas na rua Direita da cidade de Bragança, na quina da travessa do Corpo da Guarda e nelas tem a terça parte por serem do réu e de suas duas irmãs chamadas Inácia e Catarina, solteiras, com quem vive, e são livres e valem ao todo valem 300 mil réis. Na mesma travessa tem outras duas moradas de casas que são comuns com as duas suas irmãs e são livres e valem ao todo 200 mil réis.
Como se sabe, todos eles eram cristãos baptizados e exteriormente tinham de se apresentar como tais e cumprir os deveres cristãos. No interior de suas almas porém, a generalidade deles acreditavam era no deus de Moisés e não em Cristo. E também se reuniam para rezar, sempre às escondidas, naturalmente e no estreito círculo das pessoas de confiança que normalmente se limitavam à própria família, mais ou menos alargada.
Estas reuniões ou ajuntamentos eram designadas pelo nome de sinagoga. E era sobretudo nas noites de sexta-feira e nos dias de jejum que eles se reuniam em sinagoga.
Na cidade de Bragança, ao tempo que vimos referindo, ficou fama de existirem pelo menos duas dessas sinagogas, uma em casa do médico Gabriel Ledesma e outra na casa do mercador e rendeiro António Rodrigues, o Falho, de alcunha. Vejam o testemunho prestado por um cristão-velho, Francisco Lopes de seu nome e capitão de uma companhia de ordenanças:
-Disse que em casa do médico Gabriel Rodrigues Ledesma, morador na rua dos Oleiros, desta cidade, se recolhem às noites, principalmente de sexta-feira, os cristãos-novos desta cidade, principalmente os seguintes: os Ledesma, os Falho, os de Lafaia e os Marranos, todos moradores na rua Direita, o qual médico se presume ser seu rabi e na qual casa se faz sinagoga.
- E que em casa de António Rodrigues Falho, morador na rua Direita, se fazem também ajuntamentos à noite de sexta-feira, principalmente na Quaresma e aos tais ajuntamentos vão cristãos-novos, homens e mulheres e também o bacharel António Gabriel Pissarro e António Rodrigues Castro, o Cabecinha, tio dos Falho, e os filhos de Henrique Rodrigues e sua mães e os de José Rodrigues, já defunto e Rafael Rodrigues e Gabriel Rodrigues e outros mais e o praticante daquela sinagoga é o bacharel António Gabriel Pissarro.
A meio da rua Direita situava-se a casa de uma importante família de cristãos-velhos que produziu comissários e familiares do Santo Ofício – a de José Cardoso Borges, sua mulher D. Clara Maria Figueiredo Sarmento, seus 4 filhos e 2 filha. Um dos filhos, António Manuel de Figueiredo Sarmento, aparece em vários processos declarando que se punha à janela a observar os comportamentos dos cristãos-novos, nomeadamente aos sábados e quando passavam os funerais.
Ao nível do r/chão, a casa dos Figueiredo tinha uma porta larga e por se situar numa curva da rua (Directa na origem) tinha um ângulo de vista bastante alargado sobre a mesma rua. E por isso era sítio escolhido para, também à noite, os esbirros da Inquisição se porem a vigiar os comportamentos dos marranos. Vejam como o já citado capitão de ordenanças falou no caso:
- Pelas 8 horas da noite foram (ele e os padres Bartolomeu Neves e Manuel da Cruz) para a loja de José Cardoso Borges, sita no meio da rua Direita, a qual tem uma porta grande para a mesma rua (…) vendo eles (…) sem serem vistos (…) e dali viu ele testemunha com os mais, entrar em casa de Pedro Lafaia de Castro, cerieiro, cristão-novo, um adjunto de 6 ou 7 pessoas, homens e mulheres.
Isto foi a uma sexta-feira da Quaresma. Na sexta-feira seguinte, antes do domingo de Ramos, voltou o mesmo capitão àquele posto de vigia, desta vez acompanhado pelo padre José Álvares da Silva. Vejamos o que aconteceu, conforme o seu relato:
- Pelas mesmas 8 para 9 horas da noite, estando ele testemunha só, viu sair da casa do dito Pedro Lafaia de Castro um homem com um pau ferrado ao fundo, dando golpes na calçada da rua (…) viu que era Pedro de castro, cerieiro, e se meteu em casa de José Rodrigues Ledesma, em cuja casa entraram 5 ou 6 pessoas mais e logo o dito Pedro de Castro foi batendo com o dito pau pela rua acima e saiu a mulher de Pedro Carvalho, tendeiro, e veio pela rua abaixo com um irmão dela e chegando à porta de Sebastião da Costa Chacla, pai da sobredita, saíram da casa 4 ou 5 mulheres e se meteram em casa de Brites Maria e outrossim saíram logo Manuel Mendes, Castanhola, de alcunha, a mulher e a mãe e se meteram em casa do dito António Rodrigues Falho, para onde tinham entrado os mais e observou que a criada do dito António Rodrigues logo foi para casa do dito Manuel Mendes Castanhola, todos cristãos-novos, e ele testemunha ficou entendendo, pelas referidas circunstâncias e razões, que todos os referidos cristãos-novos se juntaram para fazer sinagoga naquela noite e muito melhor por lançarem para fora a criada, para melhor ficarem em liberdade.
Este Pedro Lafaia, como também o advogado António Pissarro contam-se entre os ascendentes do grande pintor fundador do movimento impressionista Camille Pissarro (1830 – 1903). Acaso se ele tivesse conhecido a rua Direita de Bragança e adivinhado o vulto daquele seu antepassado indo de noite pela rua a bater na calçada com um pau ferrado a chamar os outros para a sinagoga, ele teria imortalizado a cena pintando um belo quadro. Alguém o fará por ele? Haveria de ficar bem, num futuro museu do marranismo, em Bragança.

Bragança 2008.Foto A.P.l.B.
António Júlio Andrade
Maria Fernanda Guimarães

Nota do Editor:
Reedição dos posts públicados no blog :
http://marranosemtrasosmontes.blogspot.pt/

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