terça-feira, 21 de outubro de 2014

BRAGANÇA - Uma rota de turismo cultural V

Em uma memória enviada em 1721 para a Academia Real da História, o secretário da câmara de Bragança escrevia que a fábrica de sedas de Bragança “consta hoje somente de 30 tornos e 350 teares, que os mais se ocupam em mantas de peso, e com o consumo da fábrica se cria muita e excelente seda nos lugares do termo”.Pensamos que o nome “fábrica” não deve ser entendido como um edifício onde estivessem instalados aqueles tornos e aqueles teares, antes terá o significado de produção e indústria.Não vamos também questionar aqueles números que pecarão por defeito, na medida em que o cronista usa o advérbio “somente”. A verdade é que a existência de 350 teares numa terra de 500 ou 600 casas significa um elevado índice de industrialização. Por outros documentos se verifica também que a classe dos fabricantes de seda seria a de maior peso no tecido económico e social da cidade naquela época.Também não será novidade para ninguém que aquela indústria, em Bragança como em Chacim e nos outros centros sericícolas, estava nas mãos da gente da nação hebreia. 



Por isso mesmo e para o estudo em profundidade da matéria, uma fonte essencial são os processos instaurados pela Inquisição aos cristãos-novos que àquela arte se dedicavam e às cadeias daquele tribunal foram parar.Porque lemos já um bom par desses processos, podemos adiantar algumas informações sobre o assunto, começando por dizer que a maioria dos cristãos-novos de Bragança residiam na rua Direita e que muitas das suas casas eram verdadeiras oficinas de fabrico de seda. Naturalmente estavam equipadas com teares e algumas delas com tornos para extrair a baba (seda) dos bichos e reduzi-la a fios que depois iam para os teares. Aliás, a profissão de torcedor de seda é também muito referida.Mas não se pense que aquela gente apenas produzia. Ao contrário, eles comercializavam comprando aos lavadores a matéria-prima (casulos) e vendendo o produto final (tecidos) Eis por que as suas casas eram também lojas de comércio.E como não podia deixar de ser, as casas eram de habitação, com as famílias, geralmente bem numerosas, ocupando o piso superior. E se uns (mulheres e crianças, sobretudo) trabalhavam no aquecimento das caldeiras de água para limpar os casulos e reduzi-los a fio, outros faziam os teares laborar. E se o chefe da família tudo ali coordenava, os filhos andavam por fora comprando casulos e vendendo tecidos.
Tentemos então fazer um retrato composto da rua Direita de Bragança naqueles anos de 700. Sem dúvida que ela se apresentava como uma grande fábrica e as pancadas de dezenas ou centenas de teares marcavam o ritmo da vida quotidiana da rua. Mas era também um grande centro comercial constituído por dezenas ou centenas de lojas de massaria onde tudo se vendia e comprava, pois que a gente da nação não perdia a mínima oportunidade de negociar e “tractar”.
E ao sábado, como seria, sabendo que aquele é o dia de descanso semanal? Fechariam todas aquelas lojas e ficariam parados aqueles teares, com as pessoas a vestir seus fatos domingueiros? E ao domingo, ficaria a rua Direita buliçosa como em qualquer dia de trabalho?
Certamente que isso não acontecia, pois daria muito nas vistas, causaria escândalo e os esbirros da Inquisição denunciariam o caso e seguiriam vagas de prisões. Não podendo assim fechar as lojas e parar os teares, os marranos provavelmente abrandavam aos sábados o ritmo de trabalho, guardando em pensamento o dia santificado da lei mosaica. E ao domingo, para não dar nas vistas e causar escândalo, teriam as portas fechadas e os teares parados mas faziam trabalhos de limpeza e arrumação das lojas e manutenção dos teares.
Mas havia um dia do ano em que eles não trabalhavam mesmo. Era o dia grande do Kipur, o mais sagrado de todos, que em 1745 caiu no dia 6 de Outubro. E tendo conhecimento de tal efeméride, alguns “bufos” da Inquisição andaram a espreitar o comportamento dos marranos e os denunciaram à Inquisição. Vejamos apenas dois excertos dessas denúncias.
Uma delas foi feita pelo familiar do Santo Ofício José da Rocha Pimentel, que disse o seguinte:
- No dia 6 de Outubro de 1745 era dia grande e na rua Direita estavam todos às portas a conversar, de camisas lavadas, ou a jogar e não se ouviu um só tear.
O segundo testemunho foi prestado pelo capitão António Luís de Madureira, morador na Casa do Arco nos seguintes termos:
- Movido ele testemunha de curiosidade e zelo da fé foi ele testemunha no dito dia em companhia do dito padre António Carlos, por 4 ou 5 vezes pela rua Direita aonde vive a maior parte dos cristãos-novos, para efeito de averiguar e alcançar alguma notícia e indícios certos do que se dizia, e indo pela rua ele testemunha com o dito padre, viu Luís de Valença à porta de António Rodrigues Falho à sua porta o qual tinha uma camisa muito bem branca e sabe por ver porque ele testemunha vive no meio da rua Direita aonde vive a maior parte dos cristãos-novos da dita cidade e no dito dia nenhum trabalhou sendo que a maior parte são tecelões de seda e os viu uns estar às janelas e outros às portas e que nenhum tinha camisa ofuscada.
Bragança 2008 ,foto do arquivo A.P.L.B.
António Júlio Andrade
Maria Fernanda Guimarães

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