sexta-feira, 5 de junho de 2015

LETRAS DO NORDESTE - Guerra Junqueiro - A irreverência que vingou, por Virgínia do Carmo

Guerra Junqueiro, filho prodigioso da terra de Freixo de Espada à Cinta, é hoje considerado um dos mais brilhantes poetas do seu tempo. Homem de ideias políticas contrárias às instituídas, desprovido de ambições e dotado de uma frontalidade que lhe chegou a valer uma condenação judicial, Guerra Junqueiro é um nome incontornável do movimento da Renascença e da história da Literatura Portuguesa em geral.

No dia 17 de Setembro de 1850, o povo de Freixo de Espada à Cinta assistiu serenamente ao nascimento de Abílio Manuel Guerra Junqueiro, ignorando, talvez, que vinha então ao mundo um dos mais prodigiosos, mas não tão consensuais, poetas e intelectuais da sua época.
Filho de José António Junqueiro Júnior, abastado comerciante e proprietário agrícola da região, e de Ana Maria Guerra, que só veria crescer o seu filho até à idade de três anos, Guerra Junqueiro precocemente evidenciou o seu talento para a escrita.
 Fez os estudos secundários no Porto, onde em 1864 publicaria os seus primeiros versos, a que chamou “Duas Páginas dos Catorze anos”. Em 1866 ingressa na Faculdade Teologia, da Universidade de Coimbra e, nesse mesmo ano, desprovido já da infantilidade que marcara ainda os seus primeiros versos, publica o poemeto “Mysticae Nupciae”. Seguem-se, nos dois anos seguintes, “Vozes sem Eco” e “Baptismo de Amor”.

(Continua nos comentários)
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11 comentários:

  1. CONTINUAÇÃO:
    Em 1868 pede transferência para a Faculdade de Direito, a partir de onde colabora assiduamente com a publicação coimbrã “A Folha”, ponto de convergência de ideias do poeta com o companheiro de letras, João Penha.
    Foi em 1870 que as ideias políticas afloraram, pela primeira vez, na sua escrita. “Vitória de França” é considerado o seu primeiro poema ideologicamente revolucionário. Na mesma linha política surge, três anos depois, “A Espanha Livre”. Concluída então a sua vida académica, que lhe permitiu a convivência com os mais importantes intelectuais da geração de Antero de Quental, Guerra Junqueiro parte para a vida profissional. Em 1876 é nomeado secretário-geral do Governo Civil de Angra do Heroísmo. Mas, entretanto, tinha já dado azo à sua mais incisiva manifestação anti-clerical e reaccionária que até então tentara, com os poemas “A Morte de D. João”, “O Crime”, “A Fome no Ceará” e “Aos Veteranos da Liberdade”.
    Em 1879 faz coincidir a sua transferência para o Governo Civil de Viana do Castelo com a filiação no Partido Progressista (à altura na oposição), partido pelo qual é eleito deputado pelo círculo eleitoral de Macedo de Cavaleiros.

    Uma voz inconformada
    As convicções inconformadas e reacionárias de Guerra Junqueiro jamais conheceram o silêncio. Não obstante a sua substância ideológica, a sua voz sempre foi de uma grande e reconhecida intensidade, inteligência e honestidade. Renunciando “às vaidades de artista” e às “ambições ocultas de político”, como ele próprio assumiu em “Horas de Combate”, não é difícil perceber que foi sempre o sistema e o poder instituído (em todas as suas formas) que Guerra Junqueiro combateu, em nome de “um ideal angélico e distante que a humanidade, sobre-humanizada, realizará talvez em milhões de anos”.
    É este o combate presente em obras como “O Melro”, “A Musa em Férias”, “A Velhice do Padre Eterno”, ou a “Marcha do Ódio”.
    É também o inconformismo que o leva a juntar-se, em 1888, a Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, e tantos outros escritores no movimento d’ Os Vencidos da Vida. Dois anos depois, ele, como outros, desiludido com o Partido Progressista, adere aos emergentes ideais republicanos. Um dos seus ataques implacáveis à monarquia, de que é exemplo a obra “A Pátria”, acabou por valer-lhe um processo judicial, que terminou inevitavelmente na sua condenação. Mesmo assim, a frontalidade levou-o a afirmar em pleno julgamento, “diante dos homens e de Deus” -, como referiu numa clara assumpção de que acreditava na existência de Deus - o seu “ódio” pelo rei D. Carlos.
    CONTINUA

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  2. CONTINUAÇÃO:
    Em 1911, um ano depois da proclamação da República, Guerra Junqueiro é nomeado Ministro Plenipotenciário de Portugal na Suiça, cargo que acaba por abandonar três anos depois. Nunca regressaria a cargo de igual relevância política.

    O Homem da terra e o Homem religioso
    Casado com Filomena Neves (1988) de quem teve duas filhas, Guerra Junqueiro terá sido, para além do poeta, um marido e um pai apaixonado.
    Não obstante a sua irreverência, Guerra Junqueiro é, também, considerado por muitos um homem profundamente religioso. Na obra que é tida como um “contrapanfleto” de todas as obras anteriores, “Os Simples” (1892), o poeta transmontano brinda os seus leitores com um lirismo que, embora sempre presente nos seus escritos, se torna agora mais evidente. Esta é uma obra que o faz regressar à terra da sua infância, comovido pela vida simples dos que aí labutam, e, segundo o seu biógrafo Lopes de Oliveira, uma obra inigualável, “pelo ingénuo bucolismo, pela profundidade da emoção, pela serenidade religiosa”. Atributos que se repetem em “Oração ao Pão” (1902) e “Oração à Luz” (1904).
    Ainda que inspirado por uma sensibilidade panteísta, o religiosismo impeliu Guerra Junqueiro para uma busca da compreensão metafísica da vida com o objectivo da construção de uma obra filosófica em prosa que pretendia intitular de “A Unidade do Ser”. Nunca chegaria a concluir esta obra, para a qual terá reunido cerca de cinco mil páginas de notas.
    O amor à terra onde nasceu, berço da sua infância, nunca foi questionado. Quando um dia lhe perguntaram onde desejaria ter nascido, não hesitou em responder: “no céu ou em Freixo de Espada à Cinta”.
    Embora não residisse na terra mãe, um dos espaços de inspiração que terá marcado a sua obra, para além da própria vila de Freixo, é a Quinta da Batoca, em Barca d’ Alva, propriedade agrícola do seu pai que à altura produzia aí (e não só) um bom e premiado vinho, marca vinícula que permanece hoje como referência da gastronomia da região.
    No início da década de 20 correm rumores sobre a sua alegada conversão ao catolicismo, enquanto se avança a ideia de organizar uma grande homenagem nacional ao que é já considerado um grande poeta do seu tempo.
    Referência do movimento da Renascença Portuguesa, prefaciado nas suas obras por nomes tão grandes como Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro conquistou, sem cedências, um reconhecimento que lhe valeu um funeral com honras de Estado no Panteão Nacional, quando, em 7 de Julho de 1923, o mundo perdeu a sua existência física. Não obstante as críticas de que foi alvo pela suas posturas reaccionárias, o seu génio vingou.
    A sua memória permanece difusamente distribuída pela Casa do Junqueiro Velho e pelo Passeio de Guerra Junqueiro, em Freixo, e, ainda, pela Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro, no Porto. Mas é talvez na sua obra que podemos, ainda hoje, beber dessa irreverente e tenaz postura de vida que o levou a produzir tamanha beleza em jeito de palavras.

    Virgínia do Carmo

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  3. Alves Fernando: Excelente

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  4. Depois de Trindade Coelho é a vez de Guerra Junqueiro.Rigor, enpenho e boa escrita.Aguardo novo texto de V.C.
    Tem livros publicados?
    Lag

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  5. Virginia Do Carmo: Um abraço Leonel :) Grata

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  6. Uma vez mais a sensibilidade e o rigor da Virgínia.Qual é o próximo?

    Uma moncorvense

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  7. Conta-se que, depois da publicação de "A Velhice do Padre Eterno",o papa excomungou o Poeta.Este,ao ter disso conhecimento,foi buscar a espingarda,dirigiu-se para uma das janelas da sua casa e disparou dois tiros para o ar.A população de Freixo,que o venerava,acorreu,em pânico,a inteirar-se do que tinha acontecido.O"senhor Poeta",como era carinhosamente tratado,esclareceu,impávido e sereno,os seus amigos : " O papa excomungou-me, de Roma.Eu,daqui, mato-o".

    Uma monvorvense

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  8. Parabéns, Virginia .
    E um abraço também.

    Júlia

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  9. Olá, Moncorvense:

    Ri com este episódio há muito completamente esquecido.
    E a nossa Amiga Moncorvense, devagarinho, suavemente, vai contando com imensa graça.
    Não nos quer dizer a "sua graça" ?

    Um abraço
    Júlia

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  10. A propósito de irreverência, temos que citar o grande Antero que disparou, apesar de, no últimos dias se confessar um crente, mas disse então do alto da sua juventude:"se Deus existe, que me fulmine, já, com um raio!"
    AH! GRANDE GERAÇÃO DE 70!
    tininha

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  11. este texto de uma Moncorvense, está de uma ironia...muito fina; e muito bem contado!
    Tininha

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