“Há palavras que, quando as dizemos, nos deixam com pele de
galinha, mas apenas nós nos apercebemos; há sons que nos envolvem como uma onda
de calor, mas apenas nós sentimos o gelo que por vezes trazemos dentro de nós a
derreter; há trejeitos da língua dentro da boca, falando, que nos fazem cócegas
que mais ninguém sente; há ditos que não têm outra maneira de se dizer e
ninguém se apercebe quando não conseguimos traduzi-los; há coisas que, quando
usamos outra língua para as dizer, soam como estranhas e, no fim, ficamos com a
ideia de que não fomos capazes de as dizer. Há palavras, sons, ditos, coisas,
que dormiram durante tanto tempo connosco, que se tornaram cama para um lado e
quando não nos deitamos para esse lado é como dormir sobre uma pedra.”
Amadeu Ferreira, in Língua Mirandesa – Manifesto em Forma de
Hino
Acérrimo e dedicado impulsionador e divulgador da língua
mirandesa, foi através dele que esta ganhou a dignidade que lhe era devida. Sem
o seu empenho, a língua mirandesa seria mais um pilar da cultura portuguesa que
se perderia para sempre. Sobre ela, escreveu um Manifesto em Modo de Hino,
publicado pela Âncora Editora. Este Manifesto foi escrito em português pelo
Amadeu Ferreira, e em mirandês pelo Fracisco Niebro, um dos seus pseudónimos. O
mirandês está-lhe entranhado na alma. Define-o. Alimenta-o.
Começou a escrever aos 12 anos. Nessa altura, escreveu
poesia, num caderninho quadriculado, sobre o Pinóquio. Mas roubaram-lho. E ele
chorou a perda deste trabalho que seria o primeiro de muitos.
Muitos anos mais tarde, escreveu, num mês, o romance Tempo
de Fogo, cuja acção decorre no tempo da Inquisição e conta história de um frade
homossexual. (Âncora Editora, 2011).
Traduziu para o mirandês várias obras importantes, como os
Lusíadas, de Camões; a Mensagem, de Fernando Pessoa; os Quatro Evangelhos; e, a
pedido da editora ASA, dois livros: Astérix L Goulés e Astérix L Galaton (uma
edição rara com os desenhos originais de Albert Uderzo).
Mas se sobressai como tradutor e romancista, é como poeta
que se pode definir o Amadeu Ferreira. É a poesia que o solta, que o faz
“encontrar-se consigo mesmo”. “Leva-me para lá da vida”, diz.
Nesta vertente literária, escreveu sob vários pseudónimos.
Os mais conhecidos são Fracisco Niebro e Fonso Roixo. Do primeiro, deu-nos a
conhecer: Cebadeiros (2000) - com os poemas deste livro fez, juntamente com a
pintora Balbina Mendes, uma exposição composta por pinturas e poemas, aquando a
comemoração do Ano Europeu das Línguas Minoritárias, que percorreu o País -;
Las Cuntas de Tiu Jouquin (2001); Cula Torna Ampuosta Quienquiera Ara (2004);
Pul Alrobés de ls Calhos (2006); L Mais Alto Cantar de Salomon (2012). L
Ancanto de las Arribas de L Douro (2003) – uma edição feita com lindíssimas
aguarelas pintadas por Manuol Bandarra, seu irmão. Já sob a pena de Fonso
Roixo, mostrou-nos L Purmeiro Libro de Bersos (2009), a que se seguiu mais um.
A banda desenhada também não lhe passou ao lado. Escreveu
textos e histórias infantis: L filico, il Nobielho (2006), onde escreve que
“hai cousas que nun podemos ber culs uolhos, mas podemos coincer cun outros
sentidos”; L segredo de Peinha Campana (2008), conta-nos a história de Sabel, e
de um rapazinho que vive numa rocha do Planalto Mirandês, que vai minguando à
medida que a qualidade do ar se deteriora. Ambos com ilustrações de uma jovem,
Sara Cangueiro.
Mirandés – Stória dua Lhéngua i dun Pobo, é, como o próprio
nome indica, a história da língua mirandesa em banda desenhada. Com desenhos de
José Ruy, este livro viu a luz em 2009, ano em que se republicaria também em
banda desenhada, e em mirandês, o trabalho daquele autor de banda desenhada,
com tradução de Fracisco Niebro, Ls Lusíadas.
Trabalhou ainda com aquele mestre da banda desenhada
portuguesa em La Magie de las Letras, um livro sobre João de Deus e o seu
revolucionário método de ensino, traduzindo mais uma vez a obra para mirandês.
Depois, em 2014, juntou o seu nome ao de Luís Borges, um
fotógrafo das terras nortenhas. Este lia as paisagens com a sua máquina e
Amadeu Ferreira dava-lhe as palavras. Umas vezes em português, outras em
mirandês. Daqui resultou um trabalho lindíssimo, de uma grande sensibilidade e
com a incomparável qualidade da escrita de Amadeu Ferreira. O projecto nasceu
no Facebook, mas depressa passou para as páginas de um livro.
Colaborou ainda em A Terra de Duas Línguas - Antologia de
Autores Transmontanos, com Ernesto Rodrigues, e em Ditos Burriquitos, um livro
de adágios, rifãos, provérbios, historietas, etc., recolhidos por Paulo Gaspar
Ferreira, sendo que a principal colaboração não chegou a ser impressa em papel:
trata-se de um dicionário de mirandês organizado, em 2009, por Amadeu Ferreira
e José Pedro Cardona. Um símbolo e uma ferramenta muito útil para quem queira
aprender a língua mirandesa.
Desenvolveu ainda blogues em mirandês como o Ls Mielgos e o
Froles Mirandesas, bem como o ensino desta língua em horário pós-laboral.
Por outro lado, também tem apoiado a publicação de livros
mirandeses, como Dança da Bicha, um livro sobre uma dança associada ao sagrado,
bem como um Roteiro Solsticial do Planalto Mirandês, onde se divulgam as
tradições daquela região nos solstícios de Verão de Inverno.
Tierra Alantre, o último trabalho dos Ronda dos Quatro
Caminhos, é uma expressão mirandesa para "caminho em frente". Este
trabalho, conta com versos em mirandês da sua autoria. No dia 22 de maio de
2014, este grupo deu um concerto de lançamento do referido trabalho, no Teatro
Nacional de S. Carlos, em que homenageou o poeta mirandês. Foi um espectáculo
comovente.
Mas o Amadeu Ferreira não é só o poeta e escritor mirandês
que se atreveu a desafiar as probabilidades de sucesso na vida e sair de
Miranda do Douro, descendo até Lisboa para se tornar um jurista respeitado. É
muito mais do que isso. A sua dimensão enquanto ser humano está plasmada no
novo trabalho da autora Teresa Martins Marques, O Fio das Lembranças – Uma
Biografia de Amadeu Ferreira, dado à estampa novamente pela Âncora Editora.
A obra está dividida em duas partes. A primeira, é a
biografia de Amadeu Ferreira, escrita pela pena de Teresa Martins Marques. A
segunda, é constituída por testemunhos heterogéneos de pessoas tão diversas nas
suas vidas e ofícios que, de uma forma ou doutra, sentiram a passagem de Amadeu
Ferreira pelas suas vidas.
O lançamento está marcado para o próximo dia 5 de Março, na
Universidade Nova de Lisboa, em Campolide, pelas 18H00. A apresentação está a
cargo de Luís Vaz das Neves, Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
Simultaneamente, será lançado o novo livro de Amadeu
Ferreira, Velhice, que nos conta a história de um velho de 80 anos que vive nos
anos 50 do século XX e que escreve sobre o que vai vendo. Transpõe para o papel
as suas impressões sobre a sua aldeia, as pessoas e o que vai sentindo.
“E porque acredito que a rota escolhida pelo nosso Amigo
Amadeu Ferreira é a mais maravilhosa aventura que a Humanidade pode viver,
convido todos a entrar e a viajar neste sonho de Luz e de Paz!”
Luís Vaz das Neves, in O Fio das Lembranças – Uma Biografia
de Amadeu Ferreira
Estão todos convidados!
Até lá!
Buonas scubiertas!
FONTE: http://notassoltasecoisasdoces.blogs.sapo.pt/l-mirandes-72184
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