sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

A PERDIZ ELÉTRICA, por José Mário Leite

Fotogradia de Leonel Brito, no Solar Bragançano
Queixava-se, recentemente, o responsável de um prestigiado restaurante alfacinha que não conseguia comprar em Lisboa determinado peixe a um preço inferior ao que o mesmo é servido, já confecionado no Algarve. E igualmente reconhecia que o preço a que lhe é oferecida a caça é substancialmente mais elevado que o que os seus colegas nordestinos obtêm para as mesmas peças.
Reconhecia contudo que o peixe do mar e o marisco fresco chega a Trás-os-Montes a preços consideravelmente superiores aos que lhes são facilmente proporcionados na capital.
Esta declaração era feita, não para protestar pelo capricho do mercado, mas sim para justificar o preço final dos pratos que serve, quando a ementa se aventura para repastos tradicionais de outras regiões, diferentes da região saloia. E, em si, não traz novidade nem gera espanto. É assim porque é natural que assim seja. Se o custo de um produto ou serviço é superior em determinada zona, é natural e expetável que o preço final reflita essa realidade. E assim deveria ser. Porque é essa a norma do mercado.
Barragem do Baixo Sabor - Fotografia de Carlos Ricardo
Assim sendo, se isto é verdade para tantas utilidades, numas em benefício da gente do interior, noutras em prejuízo, porque é que, no caso da eletricidade, não se aplica o mesmo princípio? Porque a energia consumida em Moncorvo (e nos concelhos vizinhos) tem um custo muito inferior ao que a que chega ao Porto e a Lisboa. Em primeiro lugar porque é de origem hídrica que tem um custo unitário inferior (é essa a razão pela qual é esta energia que sustenta a produção básica no período de vazio sendo reservada para a hora de ponta, mais cara, a produzida nas centrais térmicas) e em segundo porque estando o consumo perto do local de produção, não se observam os grandes custos de transporte, sejam fixos, nas subestações de transformação sejam variáveis devidos às perdas na linha.
Sendo mais barata para a empresa distribuidora contém, para os utentes desta zona, um custo adicional, que aproveita à EDP e restantes consumidores. É o custo do prejuízo causado aos cidadãos pelo sequestro de todos os recursos (hídricos, ambientais, patrimoniais e outros ) de que a produtora elétrica se apropriou, para instalar as barragens que explora.
Cilhades - Fotografia de José Rodrigues
Uma empresa que faz refletir nos utentes todos os custos adicionais que tem (é bom não esquecer as várias  taxas, entre elas a célebre taxa corretiva do “déficit” tarifário) deveria, para ser coerente, beneficiar aqueles com os quais tem custos inferiores recebendo ainda, destes, benefícios e contributos para a produção.
O que diríamos nós se, após nos deliciarmos com a famosa perdiz ali servida, o Solar Bragançano nos apresentassem uma fatura com o preço igual ao que o Tivoli cobra,  nestes dias, por igual iguaria e ainda nos obrigasse a contribuir para a alimentação da mesma, bem como com uma taxa para o chumbo e para a amortização da arma caçadeira?
Felizmente o Solar não pertence à EDP, nem a perdiz é elétrica. Não é a perdiz, nem a lebre nem o naco da vitela mirandesa!

 José Mário Leite

Nota:  as fotografias são da responsabilidade do editor

1 comentário:

  1. Texto lúcido e corajoso.Noutros tempos o poder em Torre de Moncorvo era barragista.A barragem salvava a pátria e a terra.Os estaleiros não foram para a zona industrial,ficaram na Póvoa com os seus 16 habitantes reformados.Sete anos de vacas gordas nas tascas,bares e quartos de aluguer e foi um pau.
    E agora?
    Resta-nos o prazer destas leituras.
    Alexandre Gomes

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