Pelo falecimento, marcante para mim, do meu amigo de décadas, Afonso Praça, transmontano dividido entre o Felgar, Moncorvo, Bragança, Lisboa e Igrejinha (Alentejo), coube-me a oferta de alguns documentos que o Afonso guardava. E foi assim que recebi uma parte substancial da colecção do semanário regionalista “Notícias de Trás-os-Montes” de que Afonso Praça era, a par de Vítor Direito (natural de Carção), director adjunto. Jornais a que perdi o rasto, nos múltiplos papéis que acumulo, mas se um dia destes os encontrar, entregá-los-ei à Biblioteca de Moncorvo. De qualquer modo, como é meu hábito, fiz uma resenha da reportagem do Afonso, no essencial.
Aqui publicou Raul Rego (natural de Morais), em cinco números, o “Itinerário de Guerra Junqueiro”; aqui, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros, o açoreano Jaime Gama, casado com uma transmontana, então jornalista do República, publicou uma reportagem sobre Boticas. Afonso Praça escreveu uma reportagem (nº 20, 9 de Setembro de 1972) sobre Moncorvo. É sintomático o antetítulo: “Moncorvo: a vila que parou”. E, como ante-título, aponta: “A falta de terrenos para construir agrava o problema habitacional”.
Escreve logo na abertura: “Moncorvo dá hoje a sensação de ter parado, como se a vila fosse rodeada de muros altos a impedir o seu crescimento”.
Então o problema número um de Moncorvo era a falta de habitação. Segundo informações da Câmara, o grande problema residia na falta de terrenos e na recusa de cedência por parte dos seus proprietários.
Escreve Afonso Praça: “A vila é uma espécie de ilha, rodeada de terrenos particulares por todos os lados: a nascente, do prof. dr. Santos Júnior; a sul, dos srs. dr. César Ribeiro, António Eugénio de Carvalho e Castro e D. Maria de Lurdes Martins Roque dos Santos; a norte, do prof. dr. Santos Júnior; a poente, dos srs. Gualdino Augusto Carqueja, Sousa Leite, Alberto Santos, D. Ester Teixeira, dr. Henrique Seixas e Emílio Andrês, presidente da Câmara.”
Em 1972 apontava-se como prioridade a construção de um novo Palácio da Justiça na estrada que vai para Mogadouro, o que nunca veio a acontecer.
Afonso Praça dá-nos a conhecer também que o plano de urbanização de Moncorvo começou a ser feito em 1945 pelo arquitecto Alfredo Ângelo de Magalhães “e só foi aprovado 20 anos depois, em 1965. De tudo o que estava projectado apenas foi construído o Jardim 28 de Maio (nota: actualmente chamado Jardim Dr. Horácio de Sousa), junto do cinema.”
Já em 1965 foi elaborado um novo ante-plano de urbanização, aprovado em 31 de Maio de 1966. Tratava-se de um plano parcial que só abrangia a parte poente da vila, onde a Câmara conseguiu adquirir oito mil metros quadrados de terreno.
Na reportagem faz-se referência ao incremento do ensino oficial, o que levou ao encerramento de um dos ex-libris de Moncorvo e—porque não?—do distrito: o Colégio Campos Monteiro. Escreve Afonso Praça: “O Colégio Campos Monteiro, o primeiro do distrito, encerrou este ano as suas portas, ante a “ofensiva” lançada nos últimos tempos pelo ensino oficial. Único estabelecimento do ensino secundário durante longos anos em Moncorvo, tem atrás de si uma história cheia de prestígio da qual escreveu o último capítulo no momento em que a vila alinha resolutamente na democratização do ensino”.
Diga-se a título de curiosidade que na altura, a crer num funcionário camarário, Moncorvo tinha a água mais barata do país: 1$50 por metro quadrado, o que levava a vila a começar a ter problemas de abastecimento, pois os níveis de consumo eram muito elevados. À época, além de Moncorvo só tinham água ao domicílio as freguesias de Felgar, Carviçais e Mós. A electrificação das freguesias era total e apenas Açoreira, das 17 freguesias existentes, não tinha ainda estrada. Vale a pena comparar com os dias de hoje e reflectir nas “novas prioridades” do concelho.
R.R.
In TORRE DE MONCORVO Março de 1974 a 2009
De Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério Rodrigues
Edição da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo
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Naturalmente que me associo a esta maneira de recordar o amigo Afonso Praça, através de seus textos sobre Moncorvo e Trás-os-Montes. Mas dizer que "a electrificação das freguesias era total" em 1972!... Recordo-me de, na qualidade de vereador responsável pelo pelouro da electricidade entre 1977 e 1979, ter ajudado à electrificação de umas 15 localidades, nomeadamente o Carvalhal, a Foz do Sabor, a Macieirinha... J. Andrade
ResponderEliminarEra um tempo, que até o presidente da câmara dizia que Moncorvo estava parado no seu desenvolvimento, nos últimos 50 anos.Era a primavera marcelista a apontar o dedo ao salazarismo.O ´presidente Andrés foi muito respeitado e é recordado com saudade.
ResponderEliminarFoi ele, que a baixo preço, disponibilizou os terrenos do Santo Crito para as primeiras construções pós 25 de abril.No tempo do salazarismo puro e duro não havia lotes para construir.Moncorvo ,como muito bem diz Afonso Praça;“Moncorvo: a vila que parou"
Um leitor
Onde se encontra o livro?Sou moncorvense,vivo em Lisboa e estou interessado em ter esse livro.Digam como o posso obter.
ResponderEliminarA biblioteca municipal de Torre de Moncorvo tem exemplares para leitura.
ResponderEliminarAfonso Praça , um grande transmontano, um excelente jornalista.
ResponderEliminarVou tentar encontrar uma nota breve que, no dia da sua morte, escrevi no "Terra Quente".
Júlia