Chama-se Maria Júlia Martins mas a idade já não a tem bem
certa. Oitenta e oito, acha, pela comparação com a amiga Amélia. Sabe que têm
os mesmos anos. Nasceu em Freixo de Espada à Cinta ela e mais sete irmãos. As
agruras da vida fizeram com que Maria Júlia só conhecesse o trabalho. Assim
sabia que as dificuldades seriam menores. “Fome nunca passamos mas a minha vida
foi sempre a trabalhar, puseram-me logo de pequenina a guardar ovelhas e cabras
e a segar o pão, a cevada, andar na eira a varrer e com os burros a trilhar o
pão , foi a minha vida...”
Teve quatro filhos, uma delas nasceu por suas mãos. “Vieram-me
as dores de noite e tive aquela menina, até está casada na Espanha e lá a
compus e lá viveu, eu sozinha, mais ninguém. Trabalhei muito a criar aqueles
filhos e ia a coser para Poiares, depois o senhor Almirante fez-me um forro mas
ia a coser da quinta a Poiares a cavalo de um burrinho, para cima ia a cavalo,
para baixo vinha carregado e eu a pé, pelo cabeço. Pode crer naquilo que eu lhe
digo”.
É do tempo em que a água em Freixo era escassa e as mulheres
iam com os cântaros à fonte à espera do “fiozinho” para governar a casa. “As
mulheres até se batiam, porque queriam encher e a água era pouca percebe.
Punham à vez os cântaros mas depois os ricos eram muitos e também não havia
água, quem tinha mais água era o Senhor Doutor Francisco que a trazia de um prédio
dele para casa mas os outros batiam-se, pintavam a sarameca. A Guarda
Republicana lá ia muitas vezes a acomodar aquela gente. Íamos à fonte no
Carril, há lá uma fonte onde está uma ponte, não era laje essa era assim
lisinha e tinha uma pocinha e de manhã cedo alevantavamo-nos e íamos com o copo
e com o cântaro a apanhar aquela gotinha de água”.
“Agora a vida é outra”, diz, os tempos em que andava à chuva
a trabalhar e muitas vezes descalça já estão longe ainda que, a cada dizer, bem
presentes na memória.
Joana Vargas
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