Foto: Joana Vargas |
Aos 28 anos é já gestor. Nasceu em berço de quem teve sempre olho
apurado para o negócio e não deixou fugir as oportunidades de uma terra que
acreditavam poder dar muitos frutos. Francisco é o mais novo da família Morais,
dos donos da Taberna do Carró para quem queira chegar lá mais depressa. O
negócio em pleno centro histórico da vila de Torre de Moncorvo é um chamariz a
quem queira apreciar a qualidade gastronómica da região. Os sentidos já estão
apurados mas foquemo-nos no Francisco até porque ainda não são horas de almoço.
A conversa é no seu mais recente negócio, a loja de pesca. Fica de esquina com
a loja de produtos regionais da mãe “Dina”, que vizinha com o restaurante Taberna do
Carró, a “menina dos olhos” do pai “Quim”. (Não fosse um negócio familiar e a disposição
arquitetónica era também como que uma árvore genealógica). Mas voltando ao
Francisco e ao que fez um jovem seguir voos mais altos ainda que dentro do próprio
ninho…
Porque é que opta por ficar a trabalhar na terra onde nasceu uma vez
que fez os seus estudos fora de Torre de Moncorvo?
É muito simples. Eu fiz um
estágio na SONAE, um estágio curricular, houve a possibilidade de ficar lá a
trabalhar mas muito sinceramente o ordenado que ia ganhar era, como se costuma
dizer, “chapa ganha, chapa gasta”. Como sou filho único decidi, e uma vez que
os meus pais já tinham a loja e o restaurante, vir para Moncorvo novamente.
A possibilidade de trabalho era em que zona do país?
No edifício da SONAE no Porto.
Começa por ajudar os seus pais ainda como estudante e agora gere o seu
próprio negócio.
Sim. Ajudava já os meus pais
todos os fins-de-semana. Estou cá efetivamente desde Junho de 2013. Começou por
abrir a loja da minha mãe de produtos regionais e garrafeira, há cerca de 15 anos,
há cerca de cinco abrimos o restaurante e a loja de pesca tem quase dois anos.
Termina a Faculdade e vem logo para Moncorvo?
Sim.
Apenas porque o ordenado da SONAE não era atrativo?
Também mas porque gosto disto e
sempre quis vir para Moncorvo. Claro que ser filho único e os meus pais já
terem negócios ajudou.
E qual foi a opinião dos seus pais em relação à tua escolha?
Completamente de acordo, à
vontade deles já tinha vindo há mais tempo.
Sempre viveu em Moncorvo?
Não, porque fiz o secundário
também fora, em Trancoso, o meu pai era lá professor e eu acabei por fazer um
curso profissional no secundário.
Os seus pais tinham outras profissões quando abriram os negócios?
Sim. O meu pai era professor,
está reformado há 4 anos, e a minha mãe antes de abrir a loja era funcionária
da EDP, a senhora do escritório ou como se costumava dizer em Moncorvo, “a
senhora a quem pagavam a luz”.
O que é que um jovem que trabalha aqui faz nos tempos livres?
É muito raro sair daqui, por
coincidência vou agora uma semana de férias, saio um dia ou outro, por causa da
pesca ou da caça, para concelhos vizinhos, para Freixo de Espada à Cinta por
exemplo, uma ou outra vez ao Porto mas nada de muito tempo.
A loja de pesca é você que gere sozinho. Porquê a escolha deste
desporto?
Sim, porque Moncorvo tem muita
oferta em termos de locais, rios e barragens. Depois não existia, a que havia
mais perto era Foz Côa, tínhamos aqui este espaço inutilizado que também era
nosso, o que é uma grande ajuda porque abrir uma loja destas e ainda pagar
renda já seria complicado, só aí poupa-se muito dinheiro e pronto é um gosto e
juntou-se o útil ao agradável.
Quanto tempo tem a loja?
Quase dois anos, foi a última a
abrir.
O restaurante Taberna do Carró tem imenso prestígio, é já uma
referência na gastronomia do Norte de Portugal, saiu inclusive no suplemento do
jornal Expresso “Boa cama, Boa mesa”. Qual é o segredo para se manter este
espaço?
Foto: LB |
É ser diferente. Não tem ementa,
tem um menu muito simples, à base de petiscos e termina com carne mirandesa. Depois
há quatro ou cinco pratos que com marcação nós também fazemos mas o normal é os
petiscos e a carne mirandesa. Abre só para jantares, ao sábado e domingo é que
também temos almoços. É um restaurante, médio-alto também secalhar por isso acaba
por se diferenciar dos outros, mas também o facto de não haver prato do dia nem
escolha “à carta”.
E como “dão a volta” aos mais esquisitos?
Nós não temos muito esse
problema. Por exemplo às vezes temos clientes vegetarianos, mas para nós não há
problema nenhum porque dos petiscos, quatro ou cinco são vegetarianos, os
pimentos, os cogumelos, o queijo ou a omelete. Ainda ontem tivemos uma senhora
inglesa que era vegetariana e adorou, comeu quase tudo, só não comeu os
enchidos e a carne.
E porquê Taberna do Carró?
Porque antigamente a taberna mais
conhecida em Moncorvo era a Taberna do Carró e o filho do antigo dono é muito nosso amigo e
foi uma homenagem.
Já tiveram no restaurante algum feedback
menos positivo?
Há sempre uma ou outra situação.
Uma vez um senhor trazia uma criança de dois anos e nós não tínhamos nenhuma
mesa e ele disse que nós não tínhamos facilitado, situações em que nos dizem
que é sempre preciso reservar. Nós aqui não temos a preocupação de horas, as pessoas
reservam, podem vir às sete e meia, às oito e meia ou às nove, ou seja não
reservamos para as sete e meia e depois voltamos a encher essa mesa às nove,
não há essa preocupação. Acontece às vezes as pessoas chegarem às oito e meia,
nós dizermos que está cheio e lá dentro estarem duas mesas ocupadas, mas as
outras estão mesmos todas reservadas, e às vezes noto que as pessoas ficam um
bocado desconfiadas e a pensar que não as queremos servir, mas não é nada
disso, principalmente ao fim de semana é raro quem venha antes das oito e meia,
nove horas.
Em Moncorvo tal como em muitas terras do interior de Trás-os-Montes há
cada vez menos jovens. Desde 1960 até 2011, altura em se realizaram os últimos
censos Moncorvo perdeu cerca de 10 mil habitantes, e jovens entre os 15 e os 24
anos, cerca de 2300. Quais é que acha que são os fatores que mais contribuíram
para este abandono?
Eu já apanhei a geração
descendente nesses números. Lembro-me de 4 ou 5 pessoas mais velhas que eu
dizerem que na secundária chegaram a estudar, para aí há 20 anos atrás, mil e
tal alunos, e eu quando andei aqui no décimo antes de ir para Trancoso,
lembro-me que tinha 500, 600 alunos, o que para mim na altura era muito. Agora
se tiver 300 é muito… Eu acho que tem muito a ver com o facto de há dez ou
quinze anos as pessoas que agora são da minha idade, que foram estudar para
fora, até agora que eu me lembre aquelas que regressaram à terra para
trabalhar, chega uma mão para as contar. O que acontece é que ou casam e têm
filhos, no Porto, em Lisboa ou em Coimbra e já não regressam mais a Moncorvo.
Existem em Moncorvo muitos casos de jovens que regressaram à terra e se
estabeleceram a trabalhar?
Conheço algumas pessoas sim.
E estão a trabalhar em que áreas?
Principalmente na área de
enfermagem, foram tirar o curso e regressaram, é onde há mais gente. Tive um
amigo que também tirou gestão, teve um bar mas entretanto já o passou, mas
ainda o teve bastantes anos. Da minha idade, do ano civil de 88, estou eu e uma
colega ali na Câmara e poucos mais.
Que incentivos acha que poderiam os executivos adotar para contrariar
esses números?
Concordo com uma medida que a
Câmara de Moncorvo faz que são os estágios profissionais através do Centro de
Emprego, acho que é uma ajuda, e tentar abrir cada vez mais esses estágios
poderia ser bom. Muita gente critica porque não percebe, porque se uma pessoa
não tivesse possibilidade de ter negócios em Moncorvo, da minha idade, que
tenha acabado o curso, se a Câmara ou outra instituição pública lhe oferecer um
estágio ele quase de certeza que vai voltar, agora se não oferecer ele não
volta. Estou 100% de acordo com a Câmara de Moncorvo com esta medida, sei que
está muita gente, dizemos 6 ou 7 pessoas, mas acho bem, quantos mais voltarem
para a terra melhor.
Quais são as alturas em que se juntam mais jovens em Moncorvo?
Tirando o Verão, é no Natal e na
Páscoa, secalhar na Páscoa existe tanta ou mais gente que no Natal.
Um jovem da sua idade que tenha nascido também em Moncorvo e que se
queira lançar num negócio aqui que possibilidades terá?
Abrir um negócio não é fácil, é
preciso capital, sítio, e não é tão fácil como uma entidade pública ou uma
empresa privada oferecer uma oportunidade dessas. Abrir um negócio custa muito
dinheiro e é um risco sempre e há pessoas que têm uma margem de erro maior do
que outras. É complicado.
O que é que poderia abrir aqui de novo?
Moncorvo tem falta de quartos,
para um fim-de-semana por exemplo, mas quanto custa abrir uma coisa dessas? Nem
toda a gente tem esse dinheiro.
De turismo rural existem poucos espaços?
Em Moncorvo e à volta até existem
alguns, mas o problema de Moncorvo é que ou é muito barato ou muito caro. Tem
um, que tem dez ou doze quartos que é a Casada Dona Maria Luísa, é muito bom e
um preço que considero justo mas depois o resto, claro que tem condições
fantásticas mas é muito caro, e depois há residenciais que são boas mas não são
essas que vão cativar o turismo.
Vê que o seu futuro passe por aqui ou um dia pensa sair da sua terra?
Não tenho dúvidas que passa por
aqui, porque na minha área ou abres um negócio e corre-te bem ou és um expert e sais da faculdade e vais para
uma grande empresa ter um grande emprego e aí tens um ordenado superior a um de
um médico, agora desses secalhar em mil vão dois. A minha profissão é um caso
de 8 e 80. Há muitos casos de alunos intermédios ou que até nem tenham tido
grande média mas que tiveram visão e abriram um negócio e que neste momento
estão muito bem. Agora ires trabalhar para terceiros, tens que
ser dos melhores, e aí sim tens um ordenado superior por exemplo ao de um
médico ou de um engenheiro.
Disse há pouco que sai pouco de Moncorvo, isso quer dizer que tem muito
trabalho…
Muito mesmo, e ainda não passei
para um passo que eu quero seguir aqui nesta loja, que é conseguir as licenças
para vender artigos de caça, e depois criar uma loja online. Eu ontem li por exemplo que nós gastamos 4 mil milhões de
euros por ano em compras online fora
de Portugal porque não há lojas, isto claro que é incomparável mas uma pessoa
que compra na Zara não está a comprar em Portugal, está a comprar a Espanha. No
meu ramo há pouca oferta em termos de lojas online
portuguesas mas se voltarmos a Espanha há imensas, nesta área da pesca eu
conheço pelo menos cinco muito grandes, uma ou duas gigantescas em França, que
enviam para Portugal sem qualquer problema e então o meu próximo passo para
além de ter a caça é apostar numa loja
online.
E portanto pouco tempo livre…
Sim saio da loja de pesca às seis
e meia, vou para o restaurante, depois abro a loja outra vez às nove, ainda
ajudo na loja da minha mãe mas aí é onde eu estou menos.
Para se manterem três negócios em família a funcionar bem é preciso que
para além de uma boa gestão se consiga cativar todos os dias o cliente. De que
forma é que fazem essa fidelização para ganharem não só um maior número de
clientes mas sobretudo o respeito dos mesmos?
Falando primeiro no restaurante,
é muito fácil: fazê-los sentirem-se completamente em casa. Ter um restaurante
que não seja, desculpe o termo, um “comedouro”; não ter horas, ou seja, não ter
a preocupação de encher uma mesa às sete e meia e depois voltar a marcar essa
mesa para as nove, isso não existe na nossa casa. A pessoa pode chegar às sete
e meia e sair à meia-noite, como pode chegar às sete e meia e sair às nove. Se
vier alguém, e que nós tenhamos mesa, claro que podem sentar-se. Depois é pôr
as pessoas completamente à vontade, as pessoas andam, veem, podem ir à cozinha
sem problema nenhum, podem ir para ao pé do grelhador ver grelhar a carne ou os
enchidos, podem inclusive tirar as fotografias que quiser. Em relação à loja da
pesca é mais complicado mas tem tudo a ver com uma coisa, ser flexível nos preços.
A loja que temos mais próxima é em Foz Côa, o senhor infelizmente faleceu há
dois anos e aquilo está para fechar. Mas voltamos à questão da internet: acima
de 50 ou 60 euros qualquer loja espanhola lhe poe aqui os produtos sem portes
de envio, e lá está tem que competir nos preços. É um negócio que, se me
perguntasse se tivesse só isto se dava para viver neste momento, secalhar muito
apertado, mas dava. Quando tiver a caça não, aí estamos a falar num volume de
vendas completamente diferente. Claro que se tem amigos ou pessoas que andem na
pesca consigo, se aqui numa série de material gastam 40 euros e na loja ao lado
for 41 ou 42 claro que não vão lá, as pessoas também pensam que irem daqui a
qualquer lado comprar também gastam gasóleo mas não é tão fácil fidelizar um
cliente como no restaurante.
E na loja de produtos regionais?
É a qualidade dos produtos
basicamente, na loja sinceramente o preço é o que menos importa. Dou-lhe um
exemplo, os chamados “monos” dos vinhos que temos na loja, são os vinhos
baratos, os vinhos caros nunca estão ali muito tempo, agora os vinhos de 4, 5
euros qualquer supermercado tem.
E quais são os produtos que na loja estão disponíveis?
Temos a amêndoa coberta de
Moncorvo, somos a única casa licenciada e registada para fazer o produto; temos
as compotas que também são produção e os licores; depois temos os vinhos todos
da região do Douro Superior, alguns apenas do Douro, azeites, temos uma
parceria com a empresa TOMELO, dos sabonetes de leite de burra e enchidos. É
tudo à base de produtos regionais, temos muitas parcerias em exclusividade com
algumas quintas da zona, Vale Meão, Couquinho, e com o Valado, neste momento.
E em termos de crescimento que registo é que um jovem que vem da área
da Gestão identifica?
Na loja temos tido um crescimento
acentuado e regulado, na Taberna cada ano que passa, sinceramente cresce mais,
não podemos ser hipócritas e dizer que não. Cada dia temos mais e mais gente.
Texto: Joana Vargas
Texto: Joana Vargas
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