“Comprávamos
meio quilo de sardinhas e depois assava duas sardinhas e minha mãe tinha de as
partir pelos filhos e pelos netos. Um queria a cabeça, outro queria o meio, ai
naquele tempo, meu Deus, era uma miséria mas tínhamos mais sabor”.
Celeste
Quinta tem 86 anos, é natural de Poiares mas vive no Lar em Freixo de Espada à
Cinta. As amarguras da vida não lhe tiraram o brilho que quase sempre traz no
olhar até mesmo quando se emociona.
Criou nove filhos mas só seis “vingaram”. A falta de cuidados médicos
muitas vezes não permitiam que os anjinhos, como Celeste lhes chama, vivessem. Os
outros seis estão bem, “graças a Deus, diz, a mãe é que foi parteira de quase
todos, apenas um nasceu já no hospital.
Das
dificuldades nem se quer lembrar mas com
as poucas palavras retrata um tempo que só queria que tivesse passado depressa.
“Só nos abonava o pãozinho, não tínhamos dinheiro para mais nada. O meu era
pastor e eu todas as noites dava a volta à vila a vender leite, em cima de uma
burrinha”. Umas vezes o dinheiro chegava para um pão, outras não era
suficiente.
Do
marido não traz as melhores recordações mas ainda assim esteve ao lado dele até
o fim da vida. Os dois começaram a vida numa casa pequena, térrea, sem água nem
luz. “Lá morávamos nuns palheiros, eu e o meu limpávamos aqueles buracos, bem
limpinhos para fazer os quartos para os filhos, outro para nós, com tábuas
velhas”. Depois do trabalho, no
tempo de verão, varria muitas vezes as
eiras para que no fim da apanha das sementes lhe dessem pão e azeitonas.
Os
filhos da “ti Celeste” como carinhosamente é conhecida, estão bem. Ainda que
criados a pulso. Já tem netos e bisnetos e talvez aqui tenha estado a sua maior
força para viver.
(abril de 2015)
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