quinta-feira, 9 de junho de 2016

Memórias Orais - Texto Celeste Quinta


“Comprávamos meio quilo de sardinhas e depois assava duas sardinhas e minha mãe tinha de as partir pelos filhos e pelos netos. Um queria a cabeça, outro queria o meio, ai naquele tempo, meu Deus, era uma miséria mas tínhamos mais sabor”.

Celeste Quinta tem 86 anos, é natural de Poiares mas vive no Lar em Freixo de Espada à Cinta. As amarguras da vida não lhe tiraram o brilho que quase sempre traz no olhar até mesmo quando se emociona.  Criou nove filhos mas só seis “vingaram”. A falta de cuidados médicos muitas vezes não permitiam que os anjinhos, como Celeste lhes chama, vivessem. Os outros seis estão bem, “graças a Deus, diz, a mãe é que foi parteira de quase todos, apenas um nasceu já no hospital.

Das dificuldades nem se quer lembrar  mas com as poucas palavras retrata um tempo que só queria que tivesse passado depressa. “Só nos abonava o pãozinho, não tínhamos dinheiro para mais nada. O meu era pastor e eu todas as noites dava a volta à vila a vender leite, em cima de uma burrinha”. Umas vezes o dinheiro chegava para um pão, outras não era suficiente.

Do marido não traz as melhores recordações mas ainda assim esteve ao lado dele até o fim da vida. Os dois começaram a vida numa casa pequena, térrea, sem água nem luz. “Lá morávamos nuns palheiros, eu e o meu limpávamos aqueles buracos, bem limpinhos para fazer os quartos para os filhos, outro para nós, com tábuas velhas”.  Depois do trabalho, no tempo  de verão, varria muitas vezes as eiras para que no fim da apanha das sementes lhe dessem pão e azeitonas.


Os filhos da “ti Celeste” como carinhosamente é conhecida, estão bem. Ainda que criados a pulso. Já tem netos e bisnetos e talvez aqui tenha estado a sua maior força para viver.

(abril de 2015)

 Joana Vargas



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