"(...) Em Agosto de 1946, Vilar Chão, em Alfândega da Fé, passou a
ser frequentada por todos os que queriam ver Amelinha, uma rapariga de 22 anos
estigmatizada com uma cruz na testa e outra nas costas da mão esquerda, que
garantia ver e falar com Nossa Senhora. E que, segundo confirmavam o padre da
localidade, Humberto Flores, e o seu irmão, médico, tinha sido curada pela
Virgem de uma doença que lhe paralisavam a perna e o braço e que chegou a
impedi-la de comer devido a uma ferida na boca. Durante quatro anos, Amélia da
Natividade Rodrigues Fontes foi alvo de culto fervoroso. E em 11 de outubro de
1946, segundo os jornais da época, levou mais de quarenta mil pessoas a Vilar
Chão para verem o milagre do Sol, que lhe tinha sido anunciado por Nossa
Senhora. Ajoelhados, a cantar, a rezar e a gritar «milagre, milagre», os
crentes olharam para o céu, onde, descreveu o repórter do Comércio do Porto, se
via o Sol a «rodar e rodopiar» com «uma auréola avermelhada».
Mas, em 1951, Amélia foi internada nos Hospitais da
Universidade de Coimbra. Depois da observação clínica, a veracidade dos sinais
que tinha no corpo foi abalada e nunca mais regressou a casa. Ainda está viva,
tem 93 anos e vive em Bragança, numa casa de acolhimento, afastada. «Está
velhinha e já quase não fala», diz Ermelinda, 86 anos, uma das melhores amigas,
recusando-se a desvendar se Amélia lhe confessou a verdade sobre as aparições.
«Não posso contar nada. Prometi que não dizia. Mas ela não queria nada do que
aconteceu e não gostava de publicidade. E dizia muitas vezes que “com Deus não
se brinca”.» Recentemente, Amelinha recebeu a visita de Aida Borges, que nasceu
em Vilar Chão em 1975, cresceu a ouvir as histórias da «santa» da terra e
escreveu um livro inspirado nesta história, Corpo sem Chão, lançado em 2013.
«Confirmou toda a história, validou tudo», adianta Aida Borges.
Amélia contava, segundo os jornais da época, que quando
tinha 16 anos terá recebido uma «visita» da mãe de Jesus, que lhe disse que ia
ficar doente. Seis anos depois, por sugestão do padre, pediu a cura à Virgem, o
que se concretizou em julho de 1946. «O padre sugeriu que para confirmação das
suas afirmações pedisse a Nossa Senhora que lhe colocasse qualquer sinal
indicativo das suas aparições», lê-se da edição de 14 de dezembro de 1946 de O
Século Ilustrado. E a jovem apareceu então com uma cruz na testa.
«Soube‑se depois que era feita com tintura
de iodo», diz Alfredo Peixe, filho do fotógrafo oficial de Amelinha. Alfredo conviveu de perto com o
fenómeno, pois através dos irmãos Flores, o padre e o médico, o pai tinha
conseguido o exclusivo das fotografias da vidente. «Só ele tinha autorização
para fotografar a rapariga.» Para isso, passava horas em casa de Amelinha a
brincar com o filho do médico. «Um dia descobri debaixo da cama uma cesta cheia
de objetos de ouro, como cordéis, medalhas, crucifixos.» Eram doações dos fiéis
que visitavam o local. Alfredo Peixe, hoje com 79 anos, garante que a história
«foi inventada» para que Vilar Chão se tornasse a «nova Fátima». «Eles até
chegaram a falar na possibilidade de Amelinha morrer, mas tiveram medo. Foram
eles que planearam tudo. O milagre do Sol foi uma espécie de eclipse e todos os
supostos milagres eram encenados, como num dia em que caíram gotas de água do
céu no quarto da Amélia: na realidade, apagavam‑se as
luzes e ela com uma seringa fingia tudo.»
O pai, admite, sabia da farsa, mas o negócio falou mais
alto. «Ele vendeu milhares de estampas, as mais pequenas a cinco escudos e as
maiores a dez. Nesse tempo ganhou cinco mil contos de réis», diz Alfredo Peixe,
que se recorda de ir com o pai, no Opel Capitan, de Moncorvo para Vilar Chão
para entregar ao padre sacos cheios de fotografias. Hoje, os originais estão no
Núcleo Museológico da Fotografia do Douro Superior, onde está o espólio do
fotógrafo de Amelinha, Zeca Peixe. «São milhares de fotogramas desde 1884», diz
Arnaldo Duarte Silva, proprietário do museu.
«Até meados do século XX, os videntes eram essencialmente
crianças», diz o investigador Aurélio Lopes. «Depois começaram a ser mulheres,
de 20 ou 30 anos.» Foi o caso de Amelinha, de Alfândega da Fé. E também o de
Maria da Conceição Mendes Horta, que ficou conhecida como Santa da Ladeira.
Seguida por uma multidão que acreditava nas suas visões de Nossa Senhora e na
sua capacidade de curar pessoas, falar com entidades divinas e levitar, Maria
da Conceição morreu em 2003, com 72 anos. Para trás, deixava quatro décadas de
culto.(...)
Veja na totalidade a reportagem em:
http://www.noticiasmagazine.pt/2016/as-aparicoes-que-nao-ficaram-na-historia/#ixzz4AVEOzrQ6
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