quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Jardim I, por Pedro Castelhano

É noite. Nem o vento respira
neste jardim abandonado.Poucas
são as vozes que vão preparando
a morte.Só uma criança perturba
a grama com folhas dispersas de
árvores que nem os pássaros acolhem.


É noite. O relevo das montanhas
com luzes ao alto não sossega a alma.
Como direi aos vindouros que aqui
houve sonhos, sexo sonhado, ternuras
mal encaminhadas? Nem o vento
respira. Que sussurro alonga esta
noite? Que culpas há de envelhecer
com estas cadeiras tão cheias de vazio?


A sombra das árvores reflecte-se no chão
como caminho que não se deve percorrer
nem perguntar aos deuses que passos
inventaram para sair do jardim feito
labirinto. São disformes as sombras.


Inclina-se a noite para um maior
silêncio. Pessoas passam dissolvidas
no tempo, restos de mim de outrora.
Não sei dizer não à melancolia.
Esta noite amaldiçoarei os deuses
que o meu destino é chegar ao fim
sem nada que mereça. AH! O jardim.

Pedro Castelhano

Reedição de posts desde o início do blogue

  

5 comentários:

  1. Este texto,que aqui deixo, não foi escrito como resposta a nada, faz parte de um texto maior a que quero chamar "Ensaio de Mim", mas parece-me que aqui podem fazer algum sentido...
    As palavras do Pedro Castelhano tocaram-me... Também eu sonhei sonhos nos espaço que ele aqui descreve e quando assim é as palavras ficam ainda mais afiadas.

    “E porque não transformar tudo isto numa outra coisa”, pensava. Não sabia o que era essa coisa, mas parecia-lhe ser possível, parecia-lhe que o libertaria, parecia-lhe que sairia daquela cela incoerente, talvez a dor inorgânica se materializasse, talvez adquirisse, por exemplo, feições de casa airosa, feições de paisagens sonhadas ou, até, em montes de arrependimento. Mas, fosse o que fosse, que lhe permitisse deixar de monitorizar o tempo e as memórias frustradas, talvez permitisse olhar para fora e não para dentro. Sim, deixar de olhar o tempo dele e dos outros, olhar apenas para a frente sem nunca olhar para o lado, e muito menos para trás. A cura da insanidade sã parecia ser essa! Não eram as palavras que ninguém lerá, ou se as lerem não as entenderão. Elas não o curavam. Bem pelo contrário adensavam ainda mais a suas certezas em dúvidas, condensavam as dúvidas em certezas. As palavras são demasiado quadradas para descrever esta torrente informe de emoções, demasiado claras para compreender os escuros túneis escavados ao longo de décadas, demasiado moles para derrubar os muros erguidos ou, até, demasiado frágeis para definir as trincheiras defendidas por exércitos de conceitos incoerentes.

    ResponderEliminar
  2. A título de prescrutador do outro ou de alguém que são muitos..

    Na ausência presente do dia , feito noite, o autor Castelhano ausculta silenciosas pedras que, furiosas,lhe segreda e o convida a indagar se ainda haverá amores depois da morte.
    O silêncios questionadores não se compaginam com Castela, de quem ventos irmãos ainda não temem e a " guerra ainda não soa".

    O casamento do desamor, despejado e em plástico feito, transformou almas pujantes em ninhos vazios de dádiva e de desconforto. O silêncio do granito caloroso e forte espevita a ânsia de alma desassossegada do autor . Este, no seu Jardim , farto de ninguém e calcorreado por multidões, reconduz-nos também aos labirintos da nostalgia eivada de passados disformes e de sensações decompostas pelos jogos de sombra das realidades irreais. Suas! dos seus e agora de quem?

    O autor confronta-se, quer - nos parecer, de forma alucinante ,com o desamparo dos Deuses.. Consequência do seu agnosticismo ou de forte e enraizado humanismo que o autor pretende almejar nos sussurros das suas entranhas...? E para o vergastar ainda mais sua alma irrequieta nem sequer as luzes altaneiras lhe alumiam seus passos parados no andar perdido do labirinto da sua e nossas vidas. E o desassossego ( irascível ? ) entrecortado por lembranças atenuantes parece voar para vozes distantes de vindouros presentes que, no seu íntimo, pensa que lhe afaguem a escrita condoída e extensão simbólica de emoções presentes em litigantes sonhos e recordações passadas.
    E , depois de reconfortada a alma na esperança de Jardim - hoje florido de nada- viçoso da frescura dos rebentos da alegria dos seus vindouros presentes em chilreio de garotada desafiante de que fará dançar cadeiras pejadas de solfejo e de bicadas em vagas de lódão , transformadoras em manjares de passarada de ninhos de amor feitos. E se as cadeiras vazias, quais esfínges de Tebas e recondutoras da morte, levassem um valente sopetão com trovoadas de Maio que até o Minotauro encontraria carrancas de ternura nas paredes da Igreja Martiz.. O vizinho Jardim saciaria, talvez, o enigma da vida com figos de granito e mel transformado em crença pétrea suportada e das pedras do Reboredo, a espicaçar o Pedro castelhano, se faria o milagre da vida e do trabalho de sonhos de hematite anseados..

    ResponderEliminar
  3. Merda,sou lúcido,dizia o Pessoa!Não basta,o vazio cheio de angustia e raiva adormece na bacia da vilariça. Entre o céu e a terra fica a Lousa,despovoada,ruínas e maisons desabitadas.O céu está lá em baixo ,no douro que os galegos domaram à picareta.E eu?olho-me no espelho e vejo as cadeiras/fantasmas.As televisões mostram um inferno de chamas ,devastação e morte no reino maravilhoso do Torga.O céu acaricia a lousa e o inferno da nossa infância chega a Carviçais. Hoje à pesca no bico da ribeira,baile na Cardanha,passeios no museu do Côa e uma caixa de manguitos na sacristia da Léguinha com a sua nave dos crentes caída.Ficou o altar e uns frescos a recordar os tempos dos crentes.Fechou antes da troyca. Volto Já: o meu epitáfio ,roubado ,como tudo,a uma loja dum shopping.
    M.C.

    ResponderEliminar
  4. Era neste jardim( que ainda vi construir), que nos fins de semana, passeavam as familias de Moncorvo, pelos finais dos anos 60 e pelos 70 adianta. A rapaziada largava os pais e toca a jogar ao está quieto e a saltar para a pedra do lago entre outras diversões. Pelos meados de 80 e principio de 90, era o loto do G.D. de Moncorvo que reinava e originava enchentes, quando os prémios chegavam 100 contos. Bonito poema.

    ResponderEliminar
  5. Leio o poema. Releio-o. O meu ouvido escuta-o, assim como escuta o sussurro das folhas e os silêncios. A minha alma acolhe-a , assim como acolhe os sonhos e a melancolia.
    E os deuses do poeta e dos homens riem na noite que se adensa.

    Obrigada, Rogério. Para quando outro livro de poesia?
    Júlia

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.