quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Memórias Orais de Freixo de Espada à Cinta - Belarmino Quintas



“Quando regressei de Moçambique comecei tudo de novo. Trouxe 300 contos pra cá embrulhados com um bocado de lã, pra ninguém desconfiar que vinha dinheiro mas não o trocaram”.
Passou a maior parte da sua vida em Fornos, onde trabalhou como serralheiro, mas a maior aventura do seu trajeto talvez tenha sido no tempo em que esteve em África. Com 27 anos, Belarmino Quintas foi para Moçambique e levou a mulher e um filho. Os tempos por lá eram duros e o pensamento preferia ter apagado muita coisa. O trabalho que foi tendo ajudava a esquecer, ou a não lembrar tantas vezes. “Primeiro estive na barragem da Chicamba de chofer agarrado a um camião; depois fui pra Vila Pery pra uma pensão a olhar pela cozinha e pelo bar; depois arranjei um camião a fazer transportes. Fiz logo duas casas com ele, transportar areia e cimento e fazia o que aparecia. Depois comprei outro e depois outro, pus três camiões. Carregava um vagão de madeira por dia pra Lourenço Marques, aí é que me deu dinheiro pra fazer mais uma casa e trazer a mobília toda que trouxe , um Land Rover e a família”.
Regressou pelo 25 de Abril e para trás deixou quase tudo. Trouxe o mais importante, a família, e recomeçou a sua vida na aldeia, de onde partiu novo e com a 4ª classe. O que ganhou em Moçambique não serviu em Portugal, e a sua vida haveria de recomeçar com 30 contos no bolso. “O banco deu-me 10 contos, 2 contos por cada um, éramos cinco, Depois fui à IARN. Na IARN nunca vi uma coisa assim, comecei no 3º andar com a mesma cantiga até ao fundo pra me darem 30 contos, um cheque de 5 contos, um cheque de  3, outro de 2...”.  
Conseguiu montar a sua oficina onde foi passando a maior parte do tempo. Agora trabalha só pra ele, diz. “Arranjo a vinha, podei-a, atei-a, lavrei-a, agora estava-lhe a dar enxofre mas com o vento assim não se pode. Colho o vinho e vendo logo as uvas, vêm logo a vindimar que é pra não me chatear, vendo as uvas a um rapaz que mas vem buscar quase há 20 anos”.
“Agora estou sossegado”, refere Belarmino, mas sem a companhia de uma vida. A vivacidade que incute nas suas histórias só quebra quando fala da mulher por saber que as forças já não permitiam que só ele a ajudasse. Deixaram de ser só eles os dois. Agora a companhia são os filhos e netos, para que os dias não lhe pareçam tão longos.

Texto Joana Vargas
 
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