Era ali a minha casa, em frente à do meu tio, um homem alto e magro, que dançava muito bem, como um bailarino, diziam, que tinha passado a sua juventude no Porto, e que guardava muitos livros de Camilo e de Eça, dentro de uma arca, como se estivessem à espera que algo de novo acontecesse; era muito metido em si, gostava de ler e de comentar as notícias, provenientes do jornal, ou da rádio, com o meu pai e com outras pessoas, que o escutavam, sempre muito atentamente. Habitualmente, visitava, aos domingos, a casa do irmão, o meu avô, e com quem, muitas vezes, se punha a confidenciar, coisas que não eram para a minha idade, dizia a minha avó, porque eram coisas da vida; falavam como se estivessem a olhar para tempos muito distantes; e eu achava, sempre, ao vê-los fixar assim pontos vagos, indefinidos, que estariam a recordar o tempo de meninice; a casa tinha um curral, que ia até à rua do saco; algumas paredes davam a impressão de não estarem acabadas; não era uma casa de que eu gostasse muito, sombria, sempre, mesmo em dias de sol a jorrar pelas janelas; estava à espera de uma mudança, que , me parece, essa, nunca aconteceu.
Ao lado, vivia a minha tia, também irmã do meu avô, que andava, o dia todo, sem sair de casa, de um lado para o outro, frenética na obsessão de limpar, escrupulosamente, o que, inevitavelmente, estava sempre religiosamente limpo; nas tábuas do sobrado, anh, podia-se lá comer, diziam as demais pessoas; uma mulher magra e miudinha, com uns olhos muito perspicazes, destes que tudo vêem e adivinham, com uma varandinha em ferro, um pouco mais acima que o meu balcão; ainda não passou o carteiro?, perguntava-me, debruçando-se, ampliando assim a vista sobre a rua; estava sempre à espera de notícias do filho e das netas, de quem ela bebia as palavras, simples, normais e de acordo com a idade, mas que, para ela eram sempre, muito especiais.
Era ali a minha casa |
Depois, lá passava o carteiro, metido numa farda, bonita, com botões prateados, a brilhar, na tarde, calma e suave, dos dias da aldeia; com um grande cinto apertado, e um chapéu enterrado na cabeça, trazia, dependurada da mão, uma enorme mala de couro, carregada de cartas, da América, do Brasil, de Lisboa, e de outros lados; algumas pessoas levavam as cartas ao meu avô ou ao meu pai, para que lhas lessem e que lhas escrevessem; começavam quase todas da mesma maneira, e toda a gente achava que assim é que devia ser, quando as coisas estavam bem.
Eu achava que nunca iria escrever assim as minhas cartas.
A. Andrés
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"Eu achava que nunca iria escrever assim as minhas cartas".Porquê, Tininha?Porque já adivinhava que "as coisas" da vida não iriam estar sempre bem?Ou porque já adivinhava em si o jeito para a boa escrita?
ResponderEliminarA sua memória da infância deu origem a mais um belo texto.Parabéns!
Uma moncorvense
Olá, Tininha:
ResponderEliminarDevido a prolongada ausência, escapou-me este seu texto. Bonito texto!
Abração
Júlia