A sombra das casas, imponentes na sua solidão, humildes no desprezo de tanto abandono, despe-se de roupagens sólidas de outros tempos e entrega-se ao desamparo a que a ilusão da miragem as votou; sem nada que fazer, as suas memórias, perdem-se nos acontecimentos do passado e esboçam sombras dos tempos que antigamente foram, «Ali era a casa do juiz; era um juiz de 1ª vara, ainda me lembro muito bem dele, andava vestido como uma pessoa qualquer e sabia das dificuldades de toda a gente, um dia, ainda me estou a lembrar», e os olhos do homem, de boina espanhola caída sobre a testa, ao gosto do dedo indicador ou para dissimular contratempos sem tempo de resolução, evadem-se no infinito, à procura de gratas recordações, outros hábitos de outras vidas, que a lembrança sempre retém: «Quando um homem dava a palavra, não era preciso mais nada. Valia mais do que todos os papéis: O Dr. juiz era assim uma figura magrinha, não era um homem alto e tinha assim um bigodinho pequenino… estava muitas vezes aí encostado à soleira da porta; uns olhos vivos a dizerem mesmo aquilo que realmente era, uma pessoa séria, amigo de quem precisava!»; a generosidade do juiz Dr. António Marcelino Durão, dotado de uma bondade divina, ficou na memória de todos, grandes e pequenos. Era um coração cheio de puros desvelos, aliados a uma bondade a exultar de justiça e de verdade, e sabia que a atitude mais premente era dar condições a quem as precisava, «Para se ser livre, se eu lhe der só o dinheiro de que precisa, então o desgraçado vai continuar a pedir, e será sempre um desgraçado; não! tem que se lhe dar condições para ele ser uma pessoa livre, depois vemos o que o juízo lhe traz e o que dele vai fazer; assim o homem nunca mais levanta a cabeça, coitado! A necessidade mais premente do ser humano é ter casa e comida, para depois arranjar, com as suas mãos, o resto; ele ainda não tem nada, nada há-de continuar a ter». Estas frases, sabe-as toda a gente, dizia assim o Dr. Juiz! E esta sensibilidade infantil, de um juiz, tão rica em significado, tinha algo de tão desarmante, de tão simples e natural, que deixava boquiaberto quem o escutava e assim, a casa do juiz, pelo seu espírito de solidariedade, era o lugar para todos os flagelos ficarem dizimados, e a semente da generosidade, foco gerador de boas práticas, ia ganhando novo ímpeto; e do matagal de ervas daninhas, brotavam, dia após dia, boas colheitas de trigo, de valores morais e sociais, tal como no pequeno quintalzinho, contíguo ao curral , nas traseiras da casa, em que uma fileira de pedras de xisto perfilava, erigindo-se na beleza da justiça, apoiadas ao bordão da tolerância, e ao lado, a ombrear com a verdade e a beleza das coisas simples e perfeitas, duas a três janelas, austeras, reflectem o vigor de uma parreira a emoldurar uma varandinha virada para o conforto simples e imediato de um poço, adornado pelo circulo perfeito de uma sobreposição de pedras, qual ilustração de construção de vida simples e bem sustentada, voltada, naturalmente, para a solidariedade de quem precisa. Era uma sensibilidade já muito desusada, que, mesmo naquele tempo, era vista por um prisma de raridade e de bondade extrema. E como exemplo e orgulho, é frequentemente citado, «Aqui era a casa do Sr. Dr. juiz, António Marcelino Durão, amigo dos pobres e desgraçados, da justiça e da verdade!».
Arinda Andrés.
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Na sua escrita saborosa,a Tininha (Arinda) apresenta-nos os ilustres da sua aldeia:primeiro,o competente professor e homem de letras Josino Amado;agora, o sensível e generoso juiz dr.António Marcelino Durão.Quem se segue?
ResponderEliminarUma moncorvense
Eu não conheço a Arinda, ou Tininha, mas gosto muito do que ela vem escrevendo. Acerca do Juíz Marcelino Durão... devo dizer que é uma das figuras de Torre de Moncorvo que mais me fascina (sobretudo como professor e político) e sobre ele tenho investigado e escrito bastante... Aliás, será das poucas pessoas de Moncorvo da sua época que mereceu uma poesia de Campos Monteiro! E muito desgostoso fiquei de não conseguir uma foto dele para publicar no meu livro sobre a Vida Política de Moncorvo... J. Andrade
ResponderEliminarOlá, Arinda:
ResponderEliminarBelo texto, excelente memória.
Muitas vezes é tudo o que resta : a lembrança desta ou daquela ou daqueloutra pessoa que, por determinado traço, por certa atitude, por sua postura na vida, enfim... por várias e variadas razões, marcaram a nossa meninice. Ficaram gravadas as suas palavras, os seus gestos, os seus actos.
Penso que é muito importante que essas memórias se não percam.
Um grande abraço
Júlia
Para quem não conheceu o Exmo Juíz, apenas as casas sombrias nos são familiares... As casas, e as pessoas de boinas espanholas, sinceras, humildes e com o brilhozinho nos olhos!
ResponderEliminarParabés à minha mãe :) :) que como sempre, nos consegue tranportar através da leitura para 1 universo tão integro e acolhedor,que dá vontade de não sair de lá!
:) 1 beijinho enorme