“Fui com sete anos apanhar batatas, com doze anos a ripar
azeitona numa cesta, não eram toldes, e foi aí que comecei a trabalhar”
Não aprendeu a ler porque não a
deixaram. Foi adulta muito cedo pois a prioridade à época era cuidar das suas
irmãs pequenas, uma vez que a mãe estava no campo a trabalhar. “Que pena que eu
tenho, mas não pude ir”. Do tempo que andou na escola ficou-lhe a capacidade de
memorizar versos e cantigas que trauteia no desenrolar da história da sua vida,
“vou contar uma da escola: sem que afinal precisasse de ter uma grande canseira
/Passei da segunda classe estando agora na terceira/Esta classe é verdade/Tem
muito bem que fazer/Pois não me falta a vontade /Em estudar e saber /Para isso
diz meu pai/Que é preciso trabalhar/Mas quem mal guiado vai /É quem gosta de
mandriar /Pois hei-de estudar e está dito/Hei-de estudar a valer /Neste livro
tão bonito/Que até dá gosto aprender”.
Fátima Cordeiro aos 77 anos já
aprendeu muito e nos seus “contares” está sempre a homenagem à sua terra: “Lagoaça
é um jardim/Toda a gente diz que sim/Oh que linda a nossa terra/Por esses
mundos além /Toda a gente lhe quer bem/Desde o vale até à serra/Viva
Lagoaça/Terra portuguesa/Aldeia pequenina/Cercadinha de riqueza/Viva Lagoaça
/Que não tem rival/Dentro do concelho/Não existe outra igual”. A alegria que
transmite nas cantigas e versos que conta, parece esconder as tristezas de
outros tempos. Desses, Fátima conta muitas necessidades e muito trabalho,
“comíamos qualquer coisa, o que havia, às vezes um bocadinho de bacalhau,
cheguei a ir a cavar com uma sacha, batatas, pra um senhor e levar pão e cebola
pra merenda”. No final a jeira de 7 escudos. Foi conseguindo viver e criar 6
filhos, “muito bem e muito lindos”, diz. Chegou a levá-los para o trabalho e eles
iam ajudando. Diz que todos ficaram a saber ripar azeitona, “antigamente os
filhos obedeciam aos pais, hoje já não é assim”, refere Fátima.
“Agora tudo parou”, diz, agora em
tom diferente, e sem ser em verso. Com ar grave explica o abandono das aldeias
e o “voo” da gente nova. “Agora já não se fazem as danças de antigamente, nem
as cantigas”, diz, enquanto recorda o cortejo da inauguração do hospital de
Freixo, no qual participou. Nesse dia e em verso, cantaram as “urgências” da
terra, na tentativa de lhe trazer a vida de que necessitava, “está Lagoaça
abandonada/bem merece ser olhada/com carinho e atenção/pois nela tudo produz/só
nos falta ter a luz/que é a nossa inspiração”.
Por estes dias ainda vive em
Lagoaça, na sua terra. Já não joga ao batoque ou às mecas, mas de vez em
quando, diz, ainda canta uma ou outra cantiguinha, na esperança de não fazer
esquecer as tradições. As histórias da sua vida também nunca há-de esquecer. Se
a memória não lhe faltar, a sua história e a sua terra hão-de sempre ser
contadas. Em verso contará da infância que, apesar das dificuldades, lhe
permitia ser livre, como nas vezes que saltava descalça na palha e nos caminhos
de terra ao som do toque do pandeiro.
Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta
Joana Vargas
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