“A
vida em Ligares era estar em casa à espera que minha mãe me trouxesse algum
bocadinho de pão que ela era crivalheira de um moleiro do povo, uma dava-lhe
uma coisa, outra dava-lhe a outra, quando ia pra casa, levava o regacinho cheio
pra nos encher a barriga”
O
peso da solidão faz com que raramente sorria. Os 83 anos começam a cansá-la,
assim como a conformidade de saber que voltar à sua casa para quando chegar “o
dia”, não é mais uma realidade. Emília Trigo vive no Lar de Freixo de Espada à
Cinta, é lá que a solidão parece mais pequena e por vezes até esquecida. A
infelicidade de um acidente levou-a para ali, para a dependência que nunca
quis. Num ano, viu-se a deixar a sua casa e o trabalho que ainda ia fazendo,
mas a maior mágoa é não estar perto dos seus. “Tenho dois filhos, um filho e
uma filha. O meu filho foi pra Lisboa, casou lá e lá ficou, desde que vim
prá’qui nunca mais o voltei a ver. E a minha filha casou ali na Barca e é com
quem me tenho encontrado”. Uma vez por mês filha e neta visitam Emília mas o
tempo é sempre pequeno.
Na
vida, foi pastora, com o marido, ofício que lhe permitiu fazer a casa que foi
sua durante mais de 40 anos. “Era uma vidinha de trabalho, porque chovesse, que
nevasse tínhamos que sair sempre; tínhamos que ir abrir a porta que o gadinho
não podia estar lá todo o dia (...)”. O rendimento procurava-o na venda do que
a terra e os animais davam, e sempre foi respeitada pela freguesia, “vendia
muito queijo na Barca porque nesse tempo havia comboio e vinha pessoal prá li
prá Barca e já sabiam a minha casa e levavam-me muito, cada vez que eles vinham
tinham sempre aquela remessa pra cada um, vendia muito pra levarem no comboio
pra baixo e prá Espanha, ia pra todos os lados”.
No
seu trabalho confessa que tinha dias de tudo, de boa vida e de trabalho mas o
dinheiro chegava pra tudo, para a “comidinha”, não para enriquecer, diz, e sem
precisar de ninguém. Não estudou, tinha
que ajudar a criar os “mais pequenos” em casa. Nos dias que agora passam a
ajuda sempre vem, mas não de quem ela espera. Ainda criou um sobrinho mas as
palavras que chegam dele também são poucas. “Apanham-se criados com a vida
governada e pobre de quem fica metida nos trabalhos, que passei tanto com ele,
cheguei a ir buscar o leite a uma quinta numa burrinha e levá-lo tapado com um
cobertor arrematado com uma corda, pra que não me caísse da burrinha a baixo”.
A
vida foi triste, admite, e a sua maior escuridão, a que “nunca lhe passa”, foi
ter-lhe levado um neto cedo demais. E é essa mágoa que nunca contém. E a de ter
deixado a casa. Sempre a sua casa. Ali é onde está o seu trabalho e o do
marido, que já partiu. “Era e é uma casa muito linda. Na parede da frente tem
um Santo António na parte de cima da porta, toda pintadinha a cor de rosa, era
linda mas os anos passam-se e não podemos esperar por mais nada, lá ficou prós
filhos”. Ali onde se ergueu grande parte da sua história, tem sempre vontade de
voltar. Na sua casa, apesar de só, é quando volta a ser quem sempre foi. É só
ali que a solidão parece sempre tornar-se mais pequena.
Gabinete de Comunicação da CM de Freixo de Espada à Cinta
Joana
Vargas
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