O enchido-rei
de Bragança é, na verdade, um prato que o povo criou para não
desperdiçar nada do abate do porco e da descasca do feijão. O concelho
tem feito um bom caminho na promoção deste património de sabor, levando
chefs conhecidos a reinventá-lo.
É
um petisco familiar aos transmontanos e um dos exemplos do
aproveitamento completo do porco, hábito de uma região de escassez e
isolamento. O butelo é um enchido de sobras do porco bísaro, depois de
feitos todos os outros enchidos.
Consiste
num embrulho de pele de bexiga ou bucho que leva ossos, espinhaço e das
costelinhas com alguma carne agarrada. A este enchido, a criação
culinária popular juntou as casulas, as cascas do feijão secas, e serve
ambos cozidos - o butelo a chegar às três horas de panela - com a batata
cozida, tubérculo que corresponde nos pratos para lá do Marão às armas
na bandeira nacional.
Por estes dias, o
butelo e as casulas andaram nas mãos de chefs de alta cozinha, que os
reinterpretaram com alguma memória - registe-se serem Rui Paula, Justa
Nobre e Eurico Castro todos nativos de Trás-os-Montes. Fizeram-no a
pretexto do Festival do Butelo e das Casulas de Bragança, que se realiza
entre 22 e 24 de janeiro, e em resposta a desafio da autarquia. Tem
sido esta a forma de a câmara promover o seu «enchido-rei», com êxito,
tendo a cada ano ampliado o dinamismo da produção e comércio, que
duplicou nos últimos quatro anos, tantos quantas as edições do festival,
de acordo com informações do município.
Este
ano, tal como em edições anteriores, a autarquia brigantina levou o
dueto da mesa dos pobres a vestir as roupas dos ricos - desta vez, nas
mesas do DOP, no Porto (Rui Paula); d"O Nobre, em Lisboa (Justa Nobre); e
ainda na Fundação Afonso Henriques, na cidade espanhola de Zamora
(convidando Eurico Castro), que fica mais perto de Bragança (120
quilómetros) do que Porto e Lisboa. Desse desafio surgiram novos pratos
com butelo e casulas, em total desconstrução da harmonia tradicional
(que consiste em tudo singelamente cozido e servido com batata e azeite
cru), mas em fusão com outros ingredientes, alguns marítimos, que
chegaram a surpreender os autores.
Rui
Paula, por exemplo, apresentou no Porto um caldo de casulas com caras
de bacalhau, no qual trabalhou meticulosamente os tempos de cozedura e
reunião de cada ingrediente, conseguindo no fim uma feijoada cremosa,
com aromas bravios de serra e um travo de mar. «Não vai ficar aqui na
carta do DOP, mas gostei muito do resultado e estou a pensar em levar
este prato para a [Casa de Chá da] Boa Nova» revelou o chef.
Já
Justa Nobre criou um caldinho de casulas com bagas de arroz, e Eurico
Castro reuniu o butelo com outro alimento de resistência transmontana de
herança muçulmana, os cuscos (cuscuz) - que se pode até encontrar num
dos 25 restaurantes brigantinos que, no âmbito do festival, vão servir
pratos e menus com butelo e casulas, com preços entre 12 e 25 euros.
Além
de comer o petisco nestas mesas, pode comprar-se butelo, casulas e
outros produtos locais na zona de exposição instalada na Praça Camões,
no centro de Bragança. Uma das novidades será o pastel paixão de
casulas, criado pela pastelaria Veneza.
Festival do Butelo e das Casulas de Bragança. Praça
Camões (exposição e venda) e restaurantes aderentes. De 22 a 24 de
janeiro, exposição das 10h00 às 20h00. (domingo até às 19h00)
Fonte: http://www.dn.pt/evasoes/restaurantes/interior/a-comida-dos-pobres-na-alta-cozinha-4980466.html
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