No rosto, a permanência de um
sorriso que deixa transparecer sem querer. O olhar é pequeno, mas onde cabe
muito mais do que aquilo que quer contar. Desde que se lembra, foi sempre
guardador de gado, nunca foi à escola e nunca conheceu os lugares que ficam para lá de Ligares. “Com
5 anos comecei a guardar gado, andava com o meu pai e os meus irmãos e quando
tinha 7 anos já o
guardava sozinho”. Desse tempo lembra uma vida difícil, dura, onde muitos dos
trilhos da vida de pastor, foram feitos descalço. “Era uma vida ruim. Éramos 10
irmãos, sempre na miséria”. Dormiu muitas vezes no campo para não se descuidar
do gado, e a refeição era “o que calhava, pão ou migas”, mas haveria de ter
forças para conseguir ver os filhos criados.
Tem memória do primeiro automóvel que viu em Ligares mas os seus caminhos eram
durante muito tempo feitos a pé, a confiar no tempo. Andou de comboio quando
foi “ao número”, para a inspecção na tropa, em Lamego. “Foi a única vez”. A
dureza dos dias por vezes “fazia das suas” mas as visitas ao hospital era só
quando se podia. Tinha que se ir a Freixo e para lá ainda não havia
transportes. “Muitas vezes ficava-se em casa, doente”. Aguentar era na maioria
das vezes o remédio.
Agora, com 89 anos, João Garcia já
não atravessa o Douro nas barcas, como em tempos o fez. A força já não é a
mesma. Agora vai ficando por Ligares, diz que nunca lhe deu pra sair de lá.
Está viúvo há mais de dez anos. Já não tem a companhia de sempre, e por isso
houve uma parte da sua vida que deixou de ter um sentido lógico. Deixou o
trabalho, vendeu as cabras e as ovelhas quando a sua mulher faleceu. Agora é só
ele, na sua terra, a que nunca haveria de o ver partir.
Joana Vargas
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Freixo de Espada à Cinta - Memórias Orais - João Garcia from Leonel Brito on Vimeo.
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