... como a lenda da Cabeça Santa da capela da Nossa Senhora da Teixeira.Foto:Lb |
INTRODUÇÃO
I
Antes de
mais nada, desejo agradecer ao departamento de língua portuguesa, da nossa
escola, o convite que me dirigiu para participar neste 4º Encontro de
Professores de Português. É com todo o prazer que aqui estou convosco.
Escolhi
como tema da minha exposição Os Caminhos de Santiago no concelho de Torre de
Moncorvo. É um tema que me parece interessante. É um tema, que se procura
leve, mas que me parece interessante, que pode dar pistas para uma rota
turística e cultural do nosso concelho e que se enquadra perfeitamente no tema
deste Encontro, uma vez que é precisamente na Idade Média que estas rotas de
peregrinos atingiram o seu auge.
Ao
contrário do que se possa pensar, o Homem Medieval era um grande viajante.
Viajava por razões económicas, políticas e também religiosas. Havia 3 pontos
fundamentais para onde viajava por razões religiosas: Terra Santa; Roma (centro
da Cristandade) e SANTIAGO DE COMPOSTELA, onde, segundo a tradição se
encontravam os restos mortais do Apóstolo Tiago (Iago, Tiago, Jacobus,
Jacques).
Na
Europa, sobretudo na Inglaterra, França e Península Ibérica, viajava-se
sobretudo para Santiago, para onde apontava a Via Láctea, também chamada de
Estrada de Santiago.
Também
passavam, como veremos, por Moncorvo esses Caminhos.
É um
convite que lhes faço, para virem comigo, à descoberta desses caminhos
perdidos, por velhas estradas romanas, pelos caminhos medievais “Já não movidos
pelas indulgências papais mas por um estranho e persistente impulso de tentar
compreender como nesse enorme cadinho de povos e culturas em que se gerou,
afinal, a Europa Moderna”. É um caminho, por terras transmontanas, em busca de
sinais de outros tempos, de memórias do culto jacobita, de estradas e pontes
romanas e medievais, de ermidas românicas, do romanceiro popular, como a lenda
da Cabeça Santa da capela da Nossa Senhora da Teixeira.
Peço-lhes
que peguem no bordão de romeiro, calcem umas sandálias, ou modernamente uns
ténis, numa mochila e me acompanhem, por estes velhos caminhos poeirentos, mas
tão cheios de História. Vamos viajar pelo passado, descobrir velhas pedras,
cruzeiros ou igrejas alcandoradas no alto de montes.
Peguemos
na mochila e partamos.
HISTÓRIA
II
Antes de
partir, vejamos como é a História de Santiago de Compostela e como se formou o
seu mito.
“Um dia, talvez no ano 814, um
bispo e o seu rei desencadearam, ao anunciarem a «descoberta» dos restos
mortais do apóstolo Tiago Maior, no noroeste da Península Ibérica, um movimento
de homens e mulheres que cruzou montanhas, construiu pontes e catedrais e
acabou por moldar a Europa. Hoje, essa notícia teria levado segundos a chegar a
todo o mundo. Na época, demorou anos, a atravessar os Pirenéus. De modo que, só
em meados do século X o movimento tomou forma e se estruturou, começando então
a definir-se, pela mão dos Beneditinos de Cluny, as vias seguras do percurso.
1131 é o ano de um marco decisivo: o clérigo francês Aymeric Picaud entrega na
catedral compostelana uma cópia do Códice Calistino que contém o primeiro Guia
da peregrinação. Este guia, o Liber Sancti Jacobi é, de facto, o primeiro guia
turístico da história da humanidade. Depois, calcula-se que nos séculos XII,
XIII e XIV, meio milhão de pessoas cruzaram anualmente os caminhos da
Península, rumo a Compostela”.
De
quem está verdadeiramente enterrado em Compostela, muito se tem falado, e
continuará a falar, por certo. Sabe-se que SANTIAGO morreu na Palestina, sendo,
por tanto quase impossível ser o seu corpo o que se venera na Galiza. Diz a
lenda que o seu corpo foi metido numa barca sem remos e sem velas (lenda
tipicamente Celta) e veio para às costas da Galiza. Daí foi levado para o local
da actual catedral compostelana e (por causa das guerras) enterrado, ter-se-ia
perdido a sua memória. Só no ano de 814 (possivelmente) foi encontrado e deram
ao seu corpo sepultura condigna. Será lenda o facto de aquele corpo ser o de
Tiago Maior? Assim o acreditamos uma vez que aquele local é um local de culto
que já vem da Pré-História! De quem será então aquele corpo? Muito
possivelmente de Prisciliano, bispo galego que foi uma figura mítica e que
pregou uma dita “heresia”.
O seu
nome “Compostela” será composto por Campus Stelae, ou seja campo da estrela e
estaria ligado a cultos pré-históricos, que teriam prosseguido no paganismo e
depois foi “cristianizado”, como aconteceu a tantos outros locais de cultos
ancestrais.
Mas avancemos.
Também por aqui passavam, como iremos ver, esses caminhos
rumo a Compostela. Em Bragança, deve destacar-se a acção de apoio aos
peregrinos do Mosteiro de Castro de Avelãs. Torre de Moncorvo possuía vários
hospitais e estalagens de apoio aos peregrinos de Compostela. Vamos ver agora,
por onde passavam esses caminhos. Antes de entrarmos nos percursos devemos ter
a consciência que estes caminhos que por aqui passavam eram caminhos
secundários. O principal caminho português era junto ao litoral: vinha do sul,
pelas vias romanas, Porto, Ponte de Lima, Tui, Santiago. Em Trás-os-Montes,
eram caminhos secundários (têm também muita importância, mas eram secundários),
sendo Bragança, mas sobretudo Chaves o grande centro de afluência destes vários
caminhos.
Iremos ver que na nossa região
do Nordeste Transmontano passavam alguns caminhos importantes (embora, no âmbito
peninsular secundários) e havia uma rede “capilar” de inúmeros itinerários que
percorriam lugarejos, uma vez que as peregrinações se faziam a pé, os caminhos
eram encortados por desvios e atalhos), de todos falaremos. Estes caminhos de
Santiago, também passavam por Mogadouro, mas isso é assunto para outro texto.
Neste trabalho iremos falar,
como já disse, exclusivamente nos caminhos de Santiago que passavam pelo
concelho de Torre de Moncorvo.
Esses caminhos
eram os velhos caminhos romanos e medievais.
PERCURSOS
III
O
percurso mais importante (no âmbito deste nosso estudo) era o que saía de Castelo
Rodrigo.
CASTELO
RODRIGO – (Grande centro de confluência de várias vias) onde se venera (não é por acaso…)
Nossa Senhora de ROCAMADOR, existe uma pequena imagem de Santiago Mata-Mouros
(A cavalo) de madeira representando Santiago trajando à época do século XVIII.
No púlpito da igreja românica de Nossa Senhora de Rocamador está esculpido um
escudo e uma vieira, símbolo da peregrinação compostelana. Castelo Rodrigo era
um centro medieval importante de passagem de peregrinos, com velhos caminhos
medievais. Aqui é onde verdadeiramente termina a Beira-Alta e começa Trás-os-Montes.
Há uma explicação para que as gentes de Castelo Rodrigo sejam tão devotas de
Santiago.É que esta região foi repovoada (pelo rei leonês, na época da
reconquista) por gentes trazidas da Galiza. Como a testemunhar esta ascendência
galega, ainda existe um dialecto local, derivado do galego. Descendo de Castelo
Rodrigo, entramos em Figueira de Castelo Rodrigo ( atualmente sede do
concelho desde 1836), aqui o caminho bifurca-se, dando origem a dois
caminhos (um por Almendra, Castelo Melhor, em direcção a Vila Nova de Foz Côa;
um segundo, por Escalhão, Barca de Alva, em direcção a Freixo de Espada à
Cinta). Vamos pelo primeiro, que é o que nos interessa, para esta palestra.
Figueira de Castelo Rodrigo – Almendra- Castelo Melhor
– Vila Nova de Foz Côa No largo principal da vila (hoje cidade) existe um
pelourinho quinhentista em granito, de fuste quadrangular, sustentado por
quatro degraus e no qual se pode ver esculpida uma fiada de vieiras em relevo.
É uma das poucas referências aos caminhos de Santiago existentes na povoação, a
que D. Dinis outorgou foral em 1292. De Vila Nova de Foz Côa – Pocinho – passava-se
o Douro por uma barca e entrava-se em Trás-os-Montes, do Pocinho, Moncorvo.
Até ao século XIX, Moncorvo teve como orago Santiago. Em
Moncorvo existia uma Igreja dedicada a Santiago (hoje desaparecida,
encontrava-se no local onde se situa o atual cemitério) e ainda hoje tem a Fonte
de Santiago (onde os peregrinos bebiam) e uma rua de Santiago, por
onde vinham os peregrinos. Por onde seguiam os peregrinos, a partir de
Moncorvo? Não foi ainda feito um estudo profundo que nos tenha definido
esse percurso com precisão, contudo sabe-se, que havia um caminho medieval, que
vinha do Pocinho (passagem na barca do Pocinho), Moncorvo, e ia por Carviçais,
Mós (concelho medieval), por Mogadouro, Duas Igrejas e Miranda. “O Pocinho, como
dizia o rei D. Fernando era «o melhor porto e mais chão e seguro que há, desde
a nossa cidade do Porto à de Miranda». No seu estudo sobre as vias portuguesas
de peregrinação a Santiago de Compostela, publicado em 1986, Baquero Moreno,
refere a existência de diversas estalagens medievais em Torre de Moncorvo e
Freixo de Espada à Cinta. E mais adiante afirma: «Vai ser precisamente nas
áreas regionais de Lamego e Riba Côa, onde se observa a maior concentração de
estalagens de todo o país»
Mas, prossigamos
o nosso caminho. Moncorvo – Vale da Vilariça (Vila velha de Santa Cruz da
Vilariça «a derruída» posta a descoberto pelo Projeto Arqueológico Para a
Região de Moncorvo PARM. Depois- ADEGANHA (Igreja românica do século
XII-XIII) cujo orago é Santiago Maior. Daí seguia-se ou por Alfândega, ou por
Mogadouro (Santo Antão da Barca), já fora do nosso concelho, alvo desta
palestro.
As barcas
eram extremamente importantes para estes caminhos medievais. Só para terem uma
ideia, na nossa zona havia as seguintes barcas: Barca D’Alva; Barca do Saltinho
(para Freixo de Espada à Cinta); Barca de Almendra; Barca do Côa (Junto a Foz
do Côa); Barca do Pocinho; Barca Velha (Rego da Barca); Barca de Saião (que dá
para a Lousa), Barca de Cilhades (de e para Adeganha) e ainda Santo Antão da
Barca (Parada, Alfândega da Fé), para além de inúmeras outras barcas de menor
importância.
Falamos
deste percurso mais importante. Depois há outros de menor importância, no
concelho de Moncorvo, as tais redes capilares, que apenas vou inumerar, para
não me tornar muito longo.
Barca de
Alva, Ligares, Maçores, Açoreira (capela de N.S. da Teixeira, lenda da cabeça
Santa) e Moncorvo. Depois, Vale da Vilariça, Adeganha....
PARA CARVIÇAIS – Quinta
de Santiago – Mós (concelho medieval) -
Santo Antão da Barca – Parada – Vilar Seco – Castro Vicente – Lagoa –
Morais – Gralhós – Izeda – Braragança ....
DE
CARVIÇAIS PARA ALFÂNDEGA – Carviçais – Quita dos Barrais – Quinta de São
Gonçalo – Cerejais – Alfândega...ou por Carviçais – quinta de S. Gonçalo –
Quinta Branca – Picões – Ferradosa – Sendim da Serra – S. Bernardino e Alfândega...
A PARTIR DA FOZ DO SABOR. Na foz do Sabor, havia uma barca
de passagem. Depois seguia-se por CABANAS DE BAIXO, Cabanas de Cima – Eiras da
Horta – Quinta do Ataíde – Junqueira (antiga freguesia com Santiago por orago)
– Senhora da Rosa e Lodões (freguesia de Santiago) a partir daqui por, Santa
Comba da Vilariça – Burga – Bornes...
DO POCINHO – Quinta do campo- Rego da Barca (Passava-se
depois a ribeira da Vilariça em barca) – Quinta do Carvalhal – Carrascal –
(passando de novo a ribeira da Vilariça mas agora em poldra RUMO À QUINTA DE
ZIMBRO – Junqueiro – Lodões – Vale Frechoso – Vale da Sancha –S. Salvador –
Mirandela...
Finalmente,
Atravessando o Douro junto da Foz do rio Sabor, onde existia uma barca de
passagem, subia-se depois por Cabanas de Baixo e de Cima, Horta da Vilariça –
Pala do Conde – Capela de S.ta Cruz – Arieiro – Nabo (S. Gonçalo, orago) – Daí
a Vila Flor...
Resta
acrescentar que o Culto a S. Gonçalo (construtor de pontes e calçadas) e também
o de S. Cristóvão (protector dos viajantes) andam associados ao de Santiago.
Esperemos
que tenha despertado o vosso interesse pelos caminhos de Santiago e que tenha
contribuído para que de futuro a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, (e
outras do Nordeste Transmontano) constituam rotas culturais de Santiago, com os
percursos devidamente assinalados e mapas/guias para atrairem mais turistas à
nossa terra.
Ana Diogo
ResponderEliminarQuem dera ter 'pernas' para fazer estes percursos! Excelente relato e história!
José Pacheco:
ResponderEliminarObrigado prof.
Moncorvo tal com Santiago: especial.
ResponderEliminarQualquer peregrino/visitante o percebe.
Rui Cambóias