É comum ouvir-se que há livros que mudaram o mundo. Haverá. Sinto-me incompetente para validar tal afirmação. Mas há, disso tenho a certeza absoluta, livros que mudaram a forma como vemos o mundo. O Messias do beirão Carlos Carvalheira em boa hora editado na Lema d’Origem pela sapiente mão do António Sá Gué é, seguramente, um livro que nos abre as portas a uma nova visão sobre o Nordeste, em geral e do Vale da Vilariça, em particular. Uma visão entre o belo e o terrível, entre o perfeito e o medonho. Nunca mais verei a minha terra da mesma forma como antes a via. Suponho que o mesmo acontecerá com todos os que leiam e se sintam tocados por esta excelente obra baseada em aturado e competente estudo sobre a chegada da comunidade judaica vinda de Espanha e da perseguição que lhe moveu o Santo Ofício numa prosa elegante, sentida e muito poética.
A casa dos meus pais, na Junqueira, tem uma varanda virada a
Sul. É o melhor lugar para descansos estivais olhando o resto do Vale e
contemplando toda a encosta da serra da
Lousa. De há muito que me habituei a partilhar os entardeceres com as casinhas
brancas da Horta, no sopé, a seguir com o olhar a velha carreira vermelha com
listas amarelas da Empresa Alfandeguense a levantar poeira na estrada de terra
batida, em direção à Vide e a acompanhar, com o olhar dolente, alguma
esporádica viatura que se atrevia a descer, em sentido contrário, desde o
Castedo. Um dia depois do outro, um ano a seguir ao anterior. Vi chegar a
energia elétrica, primeiro à Horta e depois estendendo-se à anexa e à freguesia
vizinha, enquanto a mancha iluminada ia alastrando querendo rivalizar com a via
láctea e a estrada perdeu em poeira o que ganhou em movimento. Tudo isso é já
passado, tudo isso perdeu significado depois da leitura, este ano da obra do
beirão de Trancoso.
Estive, recentemente, de novo na Vilariça. Vinha de
Carviçais e do PAN. A velha cadeira da minha varanda lá estava, insistente,
convidando-me a sentar, a descansar, a disfrutar a beleza eterna do meu Vale
materno. Em frente, com sempre, a Horta,
a Vide e, sobretudo, o Castedo. Mas nada era como dantes. Na encosta
acinzentada, que importava agora o casario, as manchas de oliveiras e,
principalmente, amendoeiras e as várias viaturas a circundar as formas do
relevo? O que me chamava a atenção eram as formas diáfanas, mas vivas e
presentes de Eleazar, imponente e fogoso a desviar-se para Vila Flor, enquanto
o cavalo de Vasco Pires rumava vigorosamente em direção à Lousa para
rapidamente alcançar as arribas durienses, enquanto a comitiva soturna e
ameaçadora de Francisco Gil subia agressivamente, das Cabanas para a Cabeça
Boa, por entre os milenares megalitos de pedra.
Fechei os olhos por uns momentos recordando a breve
apresentação que o autor fizera na velha escola primária carviçaense. Ao
abri-los notei que havia uma luminosidade superior. As nuvens negras, tal como
em tantas outras tempestades passadas e dali também observadas, fenderam-se
entre as cumeadas do Vilarinho e da Cardanha despejando um raio bíblico sobre o
horizonte. No cume, sobre o Castedo (seria o monte Nebo?) um ancião, em tudo
semelhante a Moisés, sobre o Vale de Jericó (outro nome para Vilariça,
seguramente) olhando Moncorvo à direita e contemplando o Jordão a seus pés.
Seguia-o um grupo imenso de refugiados, vindos da vizinha Espanha, que se
acomodou na aldeia e lentamente desceu a cultivar o milenar aluvião, a
nordestina terra de leite e mel.
Fonte: http://www.mdb.pt/opiniao/o-messias
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