O Centro de Memória recebeu no dia 23 de Fevereiro a inauguração da exposição de pintura “Olhares” de Fernanda Ferreira.
A exposição constituída por cerca de 30 quadros estará patente no Centro de Memória de Torre de Moncorvo até dia 22 de Março de 2013.
De seguida no auditório da Biblioteca Municipal de Torre de Moncorvo, o Presidente da Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, Eng.º Aires Ferreira, deu continuidade à sessão referindo que este ano o Município decidiu iniciar o programa das Amendoeiras em Flor com atividades culturais. Rogério Rodrigues tomou a palavra para apresentar o livro “Histórias de Benlhevai” de José Maria Fernandes. O autor explicou que este livro surgiu porque tinha necessidade de deixar guardadas memórias escritas de algumas histórias que ele conhecia e outras que ouviu.
Hélder Rodrigues, autor de “Terra Parda: Contos” fez a apresentação do seu próprio livro referindo que se divide em 22 contos que contam a história da ruralidade transmontana e que contempla temáticas atuais da vida agreste do nordeste transmontano.
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Apresentação
do livro “Histórias de Benlhevai”,por Rogério Rodrigues
Benlhevai é o Reino
Maravilhoso de José Maria Fernandes. Pertencendo a um família numerosa e ele
com assento mais permanente nesta aldeia de Vila Flor, foi incumbido de ser o
cronista-mór do Reino.
E desempenhou bem as funções,
porque este livro é e será uma preciosidade para os estudiosos de antropologia,
etnografia, comportamentos sociais,linguística mesmo ou sobretudo nos regionalismos,
localismos ou corruptela das palavras, o que levou, compreensivelmente,o
autor a apendiçar um glossário à obra.
O que nos pode surpreender
neste livro é a coexistência do sagrado com o profano, o repositório de um
conhecimento empírico e ancestral na nomeação e catalogação das alfaias
agrícolas , das suas características e utilização.
É toda uma cultura popular,
mais assente na passagem de testemunho e memória de pai para filho, do que em
qualquer documento escrito.
Registe-se também, e não é
tão pouco, uma recolha da sabedoria popular, dos costumes, e dos ciclos da vida
do homem e da Natureza. E nunca, como aqui, o homem e a natureza andaram tão
ligados e foram tão dependentes um do outro.
O próprio trabalho agrícola, tão bem relatado pelo
autor, conduz-nos a um conhecimento de práticas seculares. Já o poeta grego
Hesíodo, na sua obra “Trabalhos e Dias”, escrita 500 anos anos antes de Cristo, nos relata o
quotidiano agrícola com características semelhantes ao nosso trabalho agrícola
até há bem pouco tempo. Já Hesíodo descreve com pormenor as distinções entre o arado simples e o arado articulado.
Chegado aqui, com o mundo
rural hoje tanto em mutação, apetece-me lembrar-vos uma história, verdadeira,
que aconteceu em Trás-os-Montes, após o 25 de Abril, quando nós, gente do
norte, passamos a ser vistos como gente ignara, que vivia noutro mundo, como se
o Reino Maravilhoso não passasse de um Jardim Zoológico, por profunda ignorância
urbana, ou tentativa envergonhada de alguns esconderem as suas origens,
renegarem as suas raízes, principalmente aqueles que se acomodaram às delícias
da cidade e amesendaram à falsa fartura do orçamento.
Aqui vai a história. Estava o
país em plena campanha para as primeiras eleições livres, após 48 anos de obscurantismo,
quando um jornalista da RTP rumou até ao
Norte. E porque uma velha de negro vestida é sempre uma imagem de que um modelo de citadino gosta, vai de entrevistá-la,
com o ar paternalista de quem tem o conhecimento do efémero e do que está na
moda,perguntando-lhe: “ Então velhinha sabe o que é uma Assembleia
Constituinte?”. A velha nem sequer olhou para ele e respondeu: “ E o senhor
sabe o que é um almude de azeite?”
Estamos perante dois mundos:
um que tem séculos de conhecimentos acumulados; outro, que não passa da espuma
dos dias.
Bem haja o autor deste livro
que consegue recuperar o que irremediavelmente estaria perdido, porque cada
velho que morre é um livro que
desaparece.
Benlhevai tem a sua história.
O primeiro registo que se conhece, e já com este nome, é de 1258, nas
ordenações de D. Afonso III, farto que
os senhores feudais lhe roubassem terras que, por direito real, lhe pertenciam.
Em 1950 a aldeia tinha 500
habitantes. Pelo censo de 2011, não passava de 200 habitantes. Durante 60 anos,
esta aldeia, como tantas outras, foi dilacerada pela emigração e pela guerra,
os cemitérios cresceram mais do que as creches e as escolas.
O autor denota uma grande
consciência social quando retrata, com minúcia, as condições de vida e os seus
agentes, com a aldeia hierarquizada entre ricos (digamos antes abastados),
pobres ( digamos antes muito pobres) e remediados( digamos antes, no limiar da
pobreza, mas com algum património).
O livro, sendo um testemunho
de solidariedade vicinal e de hospitalidade para o forasteiro, é sobretudo um
hino à mulher, como o elemento fundamental da comunidade.
E o autor vai enumerando pelo
nome, as mulheres como heroínas e os homens que fazem parte da sua memória e da
sua infância, com os nomes e mesmo as alcunhas.
O autor é rigoroso na
descrição das festividades, tanto pagãs como religiosas, desde a festa do
Divino Espírito Santo até à matança do porco em Dezembro.
E não deixa de lembrar que o início
do ano agrícola é uma espécie do início de vida. Tudo na aldeia se move por
ciclos, os homens e a natureza.
Hiatos há que vêm perturbar
esta rotina secular: os anos loucos do volfrâmio, em que as riquezas morriam
tão cedo como tão rápido tinham nascido.
Depois, com as minas em
ruínas e os mitos abandonados, tudo regressa à normalidade das trovoadas de Maio,
das pulhas e do Entrudo, da Quaresma,dos jogos do fito e do ferro, das segadas,
de Agosto quente e das festas do Cabeço.
E atento à minúcia, o autor
descreve, como se fosse o guia de um Museu do Mundo Rural, a malhadeira e o
carro de bois. A descrição deste, é exemplar, com utensílios aperfeiçoados ao
longo dos séculos, num conhecimento empírico que nos leva a admirar como aquela
simplicidade é tão complexa.
A linguagem tecnológica e
asséptica do software, hard ware, down load, etc. etc, se é simples para os seus utilizadores e hoje
tão vulgarizada, em relação às partículas ( passe a ironia) que compõem um
carro de bois, é pobre. Dificilmente um hacker compreenderia esta linguagem.
Vai longa já a conversa.
Muito haveria ainda de dizer, desde a generosa tentativa de uma juventude
carregada de ideais, com o 25 de Abril,
ressuscitar tradições e promover ciclos culturais, com a criação de
escolas e a visita semanal do médico.Mas os sonhos foram-se perdendo. Cada um partiu
para o seu lado, à procura de vida melhor, o deserto vai-se estendendo pelas
aldeias, o próprio país é um sítio cada vez menos frequentado.
Resta ao autor a ligação
profunda, de um intensidade quase possessiva, pela sua aldeia.
E não quero terminar sem
citar uma das passagens que mais me comoveu no livro. Em 1963, chegou
finalmente à aldeia a luz eléctrica E qual poeta Homero que, não vendo, via
mais do que os que viam, Alfredo, e passo a citar, “ que nunca verá luz
eléctrica chora abraçado a mim, no dia em que oficialmente chegou a luz a
Benlhevai”.
Rogério Rodrigues
Manuel Bento Fernandes escreveu:Parabéns aos autores. Sem "estes cronistas do reino", a cultura tradicional deixava de ser uma fonte de identidade das vivências, mesmo atuais. Como se diz, para muitos, "recordar outros tempos é viver"... ainda que sonhando na realização do presente.
ResponderEliminarVende-se na Poética ;) . Um abraço.
ResponderEliminarParabéns ao autor e muito êxito para as suas "Histórias de Benlhevai", que espero ler em breve.
ResponderEliminarParabéns ao Rogério pelo seu texto, que aguçou o desejo de ler a obra.
Abraços
Júlia Ribeiro.