Quando alguém está ausente da terra onde nasceu, – e muito embora lá vá
com regularidade – há um som que o marca para toda a vida: o toque dos sinos.
São emocionantes aquelas badaladas, tenham elas o significado que tiverem. É
natural e humano que nos emocionem cada vez que as ouçamos, sejam elas tristes
ou de festa e alegria.
A data da invenção dos sinos é difícil de marcar,
dada a sua evolução através dos séculos. O sino é quase tão antigo quanto a civilização, aparecendo
referências na mais remota antiguidade na China e mosteiros budistas. Até no
Antigo Egipto estão referenciados locais onde existiam sinos. Segundo a Biblia, Deus ordenou a Moisés que a orla inferior do manto de
Aarão (primeiro Sumo Sacerdote) fosse guarnecida de campainhas de ouro
destinando-se elas a recordar aos filhos de Israel que a Lei lhes havia sido
dada ao som da trombeta. Na velha Roma,
uma espécie de sino, que não passava de uma simples matraca metálica, anunciava
a abertura das feiras e a hora da entrada para os banhos públicos. Nos tempos de Carlos Magno, que reinou de 768 a 814, os sinos eram já muito
conhecidos no mundo católico. Contudo,
afirma-se que o seu emprego na
Europa e nas torres das Igrejas foi obra de S. Paulino, bispo de Nola na
Campânia (Itália), no século V. Certamente derivam daí os nomes Nola, para o
sino grande, e campana – de onde deriva campanário (?) -, para o mais pequeno.
Desta forma, todos os estudos nos indicam também que os primeiros sinos eclesiásticos importantes e dos
quais nos aparecem notícias foram colocados nos mosteiros que se difundiram
pelo espaço europeu durante os séculos IV e V, ou seja na ante-véspera e início
da Idade Média, generalizando-se nas igrejas católicas já no século VII. Mas,
só a partir do auge da Idade Média, (século XIII) e com os grandes progressos
adquiridos na fundição dos
metais, permitiram aparecer os grandes sinos instalados nas catedrais e grandes igrejas.
Na Idade Média a
Igreja Católica modelou a sociedade, fez catedrais, universidades, hospitais,
castelos, mosteiros, arte, vitrais, invenções, e descobertas. Papas, bispos,
clero e santos pregaram Cruzadas, a harmonia das classes sociais, da razão e da
religião, da teologia e da ciência, da moral, da tecnologia e da economia.
Beleza, hierarquia e unção sobrenatural: a História da Idade Média é o
contrário da Idade das Trevas. Se o futuro vier a ser diferente, não terá algo
medieval?
As suas formas e pesos variaram
muito durante os séculos, mas são considerados instrumentos musicais aptos para
alertar e convidar os fiéis para as celebrações comunitárias ou para as orações
diárias. Eles são um sinal (daí a origem do nome em latim "signum") e feitos de bronze (uma
liga metálica composta de 4 partes de cobre e 1 de estanho), adicionando-se
também uma certa percentagem de ouro ou de prata para optimizar a sua
sonoridade segundo fórmulas secretas guardadas sob sete chaves e passadas de
geração a geração pelas famílias construtoras, em geral italianas, alemãs e
portuguesas.
O
mundo Cristão sempre respeitou e fez respeitar o sino, ao qual confere o poder e o dever de afastar de todos
os lugares, onde seu som repercutir, as potências inimigas do homem e de seus
bens: os demónios, o raio, o granizo, os animais maléficos, as tempestades e
todos os espíritos de destruição. Cada badalada faz retinir ao longe os
dois mistérios de morte e de vida - alpha e ómega - mistérios necessários para
orientar a vida do homem, consolar as suas esperanças. Não admira que o próprio
sino seja dedicado a um santo ou a uma santa e como deve ter um nome, é preciso
também que tenha um padrinho e uma madrinha. O seu nome passa a estar gravado
abaixo da cruz em relevo, que o marca com o selo do Cristianismo e o consagra
ao seu culto. Daí vem um facto pouco conhecido: segundo muitos estudos e
inquéritos levados a efeito pelo exército americano, uma das mais doces
alegrias que os povos europeus tiveram ao sair das duas grandes guerras que o
assolaram foi ouvir o repicar dos sinos, que haviam emudecido durante muitos
anos. Este incontestável poder do sino justifica a virtude que ele goza, de
dissipar os ventos e as nuvens, de afugentar diante de si o granizo e o raio,
de conjurar as tempestades e os elementos desencadeados. A corda que serve para
tocar o sino, essa corda que sobe e desce sem cessar, é também imagem da nossa
vida, é quase o elo de ligação entre a nossa alma e o grito amplificado de
todas as nossas alegrias e tristezas que nos são transmitidas através desse “ruído
sagrado” que é o toque do sino.
Os 3 sinos da “Torre do Galo” são de
tamanho, datas e fundições diferenciadas. Claro que existe uma explicação
lógica e simples para estes factos: a Paróquia de Freixo não é de forma alguma
abastada e por isso a liga metálica dos sinos deveria ser bastante pobre, o que
aliada à própria erosão do material e intempéries faz com que a sua
deterioração seja muito rápida. Contudo um dos sinos já tem a provecta idade de
108 anos sendo o único que ostenta o nome, data, fabricante (Fábrica de Sinos
ROCHA & C.ª – PORTO) e com uma decoração muito curiosa visto que do lado
nascente tem uma cruz assente em 3 socalcos e do lado poente tem a figura de S.
Miguel Arcanjo e segundo o cerimonial litúrgico foi baptizado com o seguinte
nome:
“IHS – MARIA – JOSE” = JESUS – MARIA - JOSÉ
Quanto aos outros dois, o mais
antigo tem a data de 1934 e ostenta o nº 411 na orla superior, enquanto na
inferior mostra a identificação do fabricante (Fundição de Sinos NOVA
LUSITÂNIA-H.S. Jerónimo – Ermesinde). Tem como decoração do lado nascente uma
cruz assente num socalco e do lado poente a sagrada custódia. O mais recente
acompanha só a sua data de fabrico na orla inferior – ANO DE 1997 – e um pouco
mais abaixo o nome do fabricante (Fundição de Sinos de Braga – Serafim da Silva
Jerónimo – Rua do Corvo 72/78 – BRAGA) e como decoração do lado nascente uma
cruz em socalco.
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Ainda não há muito tempo, os sinos
gozavam de grande prestígio, eram queridos do povo e exerciam até mesmo funções
sociais importantíssimas para as suas comunidades. De acordo com o seu toque,
conhecido de antemão pelo povo, os sinos alertavam para os incêndios, a
proximidade dos vendavais, ou então a morte e o sepultamento de pessoa da
comunidade, (comum toque lento e espaçoso), ou mesmo, o nascimento de uma
criança, diferenciando até o dobre se essa fosse do sexo masculino ou feminino.
Os sinos eram portanto uma forma perfeita de comunicação, em tempos passados, e
o relógio comunitário. Durante o dia, às 6
h, ao meio dia e às 18 h, recordavam ao povo a hora da oração do "angelus", ou das ave-marias.
Ecoando pelos vales, pelas planícies e colinas traziam sempre mensagem de fé e
de serenidade. Durante o tempo do advento e particularmente na quaresma os
sinos emudeciam, e o povo sentia a sua falta. No Natal, à Missa da meia-noite e
na solene Vigília da Páscoa, libertavam-se do longo silêncio penitencial,
atingiam o máximo de esplendor e de brilho com o bimbalhar festivo que inundava
de alegria os corações de todos. A maioria das pessoas não consegue identificar
uma igreja sem a torre e sua presença ilustrativa é constante nos cartões de
Páscoa e Natal. Os psicólogos infantis afirmam que as crianças costumam
identificar os sinos com a própria igreja. Acrescentemos ainda que qualquer
torre, mas esta em especial, tem um simbolismo muito dinâmico, ou seja, é ascensional significando juntamente
com o seu topo piramidal que a qualquer momento se pode lançar à conquista do
Céu. Podemos incluir variadas formas de manifestações
culturais não apenas de cunho material mas também imaterial se acreditarmos que
o verdadeiro património de um povo não está materializado naquelas coisas que
podem receber as eternas placas patrimoniais de cobre, mas nestas menos nobres que
se esvaem como a voz: coisas perecíveis, relacionais, efémeras e, por isso
mesmo, vivas.
Expandindo-se o emprego dos sinos e sendo eles
configurados como signo da Cristandade, serão incorporados aos ritos cristãos e
como reconhecimento desta incorporação na liturgia instituiu-se no século VIII
a bênção dos sinos, oficializando-se desta forma a sua função no culto.
Mas o uso dos sinos não se associa exclusivamente à
Igreja. É sabido que nos Municípios com o intuito de impedir infracções, que
por norma ocorriam à noite, era usual colocarem-se sinos na Casa da Câmara os
quais deveriam tocar das oito para as nove horas da noite, para depois de
tocado saírem rondas pelas ruas em vigília e prendendo todas as pessoas que
cometessem insultos, delitos, ou que perturbassem a paz e sossegos públicos.
Este era o “sino de correr”,
empregado pelo poder civil para indicar à população que a partir de seu toque
todos se deveriam recolher e que estando o trânsito pelas ruas proibido, estas
deveriam estar desertas.
Os sinos que sinalizam os momentos festivos noticiam
igualmente momentos lúgubres, participando à comunidade o passamento de um
concidadão e por isso vão sendo constantemente tocados, seja por um motivo ou
por outro, tinham a sua linguagem conhecida pela população local que
descodificavam a mensagem transmitida pelas suas vozes ditosas e falas
ligeiras. A repicar freneticamente comunicando a missa dominical ou a festa da
irmandade, ou então com suas pancadas roucas, intervaladas e graves pontuadas
por badaladas agudas anunciando um passamento, os sinos compõem o cenário,
inserindo-o temporal e espacialmente no seu meio e lembrando a todo instante a
relação com o divino e a transitoriedade da vida terrena.
Toques passados e toques presentes
Na actualidade, os campanários apresentam-se como
lugares privilegiados onde os diversos toques dos sinos atestam uma longa
história de tradições religiosas e artesanais por um lado, e por outro a
reminiscência de uma “linguagem”, de um sentir particular
produtor de interpretações religiosas e populares. Os toques sineiros são a
memória de um tempo em que eram os arautos das localidades, os mensageiros
sonoros que participavam acontecimentos sociais a toda gente que sabia
compreendê-los e davam voz à vigente religiosidade, afeita desde as suas
origens a festas e actos aparatosos.
Alguns toques – como aquele que se dava às
sextas-feiras em memória da morte de Cristo, o Angelus, o das Almas, o
sino de correr, o de mulheres em dificuldade de parto e a chamada para
catecismo, deixaram de se ouvir e perderam-se na memória dos tempos.
Guardaram-se os toques fúnebres, os que prenunciam missa, os festivos, os
processionais, aqueles dados durante celebrações solenes da Igreja – algumas
delas já banidas do cerimonial católico ou raramente realizadas, porém
preservadas no nosso Concelho.
Esses toques variam de lugar para lugar: embora
noticiem o mesmo evento, a forma como os toques são melodicamente compostos
varia de uma localidade para outra, ou seja, embora denotem o mesmo
acontecimento, os toques não guardam a mesma melodia ou a mesma notação musical
nas diversas localidades. Assim podemos afirmar que nos momentos em que os
sinos são tocados (o que como vimos era outrora estabelecido pelas
regulamentações Eclesiásticas) e tanto a melodia como a música ou as notas e
cadências dos toques, foram com o passar dos séculos definidas localmente e
passadas de geração a geração. A transferência e posse desse saber fazer insere
o sineiro como um dos elementos-chave do ambiente social e religioso imprimindo
quiçá no toque uma marca pessoal.
Conclusão
A manutenção da linguagem sineira compõe o cenário
freixenista que entre outros factores tem também uma fortíssima ligação com a
história de ocupação do espaço social por meio da agregação dos indivíduos em
irmandades religiosas leigas, mais conhecidas por Capelas. Tamanha influência
tiveram e ainda têm essas irmandades na formação desta sociedade que ainda na
actualidade, se calhar sem o saberem, guardam tradições que não são muito
comuns no mundo católico. A manutenção e execução dos toques de sinos e a
manutenção e realização de cerimónias religiosas que perderam força e até mesmo
deixaram de se realizar após o Concílio Vaticano II. É o mundo laico, que desde
a formação da nacionalidade já atravessava o religioso, verificando-se o facto
com a preservação do entoar solene do hino Te Deum laudamus no final de grandes solenidades da
Igreja e festas dos oragos das irmandades, aliadas às suas numerosas
procissões. A vigência e força de algumas dessas organizações leigas são, sem
dúvida, um dos factores que mantêm vivas essas tradições, assim como a cifrada
linguagem sineira do local que anunciam ou marcam compassadamente esses
rituais, de modo a ser possível acompanhar de casa o andamento de certas
celebrações litúrgicas. No entanto estas linguagens têm uma certa
peculiaridade, elas só se mantêm se continuarem a fazer sentido para os que se
comunicam com e através delas, enquanto os seus “falantes” as considerarem como significativas.
O poeta António Correia de Oliveira,
no seu "Auto do Fim do Dia",
escrevia:
Sino, Coração da Aldeia
Coração, sino da Gente:
Um a sentir quando bate
Outro a bater quando sente
Diretor do Museu da Seda e do Território, Jorge Duarte
Fonte: https://www.facebook.com/museudasedaedoterritorio/photos/a.924500324314644.1073741828.924431997654810/948449195253090/?type=3&theater
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