“Nunca
fui à escola portanto não sei. E alguma coisa que sei foi com a minha pouca
inteligência, porque um homem que não sabe ler nunca pode ser tão inteligente
nem saber histórias. E por mim próprio comecei a saber as letras todas só que
me custava muito era a juntá-las. Hoje já leio um bocadinho”.
Emídio
Marelo tem 81 anos. Nunca aprendeu a ler, pelo menos na escola, pois o seu
padrasto nunca o deixou ir. Diz que “já se sabe”, um enteado não era bem um
filho. “Andavam a calcetar o caminho que ia para o rio que agora é estrada. lá
para baixo onde é a piscina. Começavam cedo, e fazia-me lá estar até às doze do
dia, para vir à vila a buscar o almoço, e depois fazia-me lá estar até às três
da tarde, que era para que nunca fosse à escola”. Por sua conta foi aprendendo,
a passo, as letras, e hoje já vai lendo qualquer coisa.
A
vida não se lhe adivinhava fácil. Aos 9 anos “ripou” a primeira azeitona para
ajudar uma senhora que não conseguiu chegar aos ramos mais ariscos. Ele,
franzino, conseguiu a proeza e nesse dia ganhou a sua primeira jeira, 9
escudos. Dali em diante trabalhou sempre. Mas o dinheiro nunca sobrava e em 61
foi para França de “assalto”. “Calhou muito mal ir naquela época porque começou
a chover, nevoeiro, já sabe, sem merenda nem nada, vimos uma casita ao longe,
dormimos lá, molhadinhos pingando. A roupa enxugou no corpo e então de manhã ao
nascer do sol estava a gente maçada já de tanto tempo andarmos, batem-nos à
porta da corte: eram dois carabineiros”. O dinheiro era pouco para a maioria e
por 500 escudos havia sempre quem denunciasse. Emídio esteve preso em Espanha
quase dois meses e a espera por melhores dias não havia meio de acabar.
Mais
tarde tentou ir novamente para França e por lá governou a vida durante 30 anos
com a família. “Foi graças à França que
tenho a casa que tenho hoje e os meus filhos estão bem”. Há 20 anos que está em
Freixo, onde regressava sempre que podia.
Agora
quem regressa são os quatro filhos, quando a vida permite, e trazem-lhe os
netos e bisnetos e Emídio vai vendo como a vida mudou. “Agora as crianças são
diferentes, quantas vezes já disse à minha mulher que hoje as crianças nascem
com um computador na cabeça”. No seu tempo, entretinham-se as crianças que
choravam com rebuçados feitos de açúcar e água em farrapos de pano branco. O
tempo em que se ia preso por pedir ao patrão mais 10 tostões ou em que um
agricultor ganhava 12 tostões e um pão custava 9, já o vê longe. Talvez nem o queira lembrar...
(abril
de 2015)
Joana Vargas
Link da entrevista na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?
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