- (…) No dia 7 de Março corrente, uma mulher de Urros, por nome Teresa Gaia, que há muitos anos conserva e mantém relações amorosas com o administrador deste concelho, José Maria Pimenta, deu à luz uma criança do sexo masculino, que foi exposta à porta de João Marcelino Belchior, de Urros que veio no dia seguinte remetida para a Roda pelo respectivo regedor, sendo logo entregue à ama Ana Maria Ludovina, de Cabeça de Mouro. Eu logo que tive conhecimento deste facto, passados alguns dias, oficiei ao regedor de Urros para que intimasse a dita Teresa Gaia para ir à Cabeça de Mouro buscar a criança. Este funcionário entendeu que não só não devia cumprir com o que por mim lhe fora ordenado, dentro da esfera das minhas atribuições, mas que também me devia ensinar uma desconhecida jurisprudência que eu ignorava, dizendo-me que a referida Teresa Gaia não tinha sido intimada pela autoridade administrativa e por isso não era obrigada a criar a criança. Estranhei, não aprendi com a lição e calei-me, podendo e devendo até usar dos meios que as leis me facultam. No dia 8 do corrente mês fez-se o pagamento às amas dos expostos e eu fui avisado de que a Teresa Gaia viria nesse dia ver o filho que estava em poder de Ana Ludovina. Não faltei. Eu mesmo vi.
Quando chegou a ocasião de pagar àquela ama, eu disse-lhe que, a contar desse dia, não tinha mais vencimento e que fosse entregar a criança à mãe, Teresa Gaia. Um oficial de diligências da administração que estava presente saiu logo a avisar o administrador e este mandou imediatamente recolher numa casa a Gaia, de sorte que foram inúteis todos os esforços empregados para o filho lhe ser entregue nesta vila. Foi então que eu (…) mandei a ama a Urros entregar a criança à mãe. No dia seguinte, o regedor de Urros mandou a criança à Roda desta vila. Eu dei ordens para não ser recebida e oficiei novamente ao regedor para que a entregasse à mãe, Teresa Gaia, o que ele não fez, sendo logo pelo administrador mandada entregar por um oficial da administração, à antiga ama Ludovina, a quem eu também ordenei que conservasse em seu poder a criança para que a vida dela não perigasse, até que Vª Exª determinasse o que julgasse conveniente…
António Júlio Andrade
Fotografias: vista geral de Urros (1947) e casa da Roda.
Misé Fernandes :Fiquei com pena da criança. Meus amigos, leiam este texto, alguém me sabe identificar na foto de urros a casa da roda? Desconhecia que tivesse existido uma, geralmente existiam em localidades onde houvesse conventos e outras instituições de índole social...
ResponderEliminarCreio que a casa da roda referida pelo Pres. da Câmara de Moncorvo é, efectivamente, a Casa da Roda da Vila e não de Urros.
ResponderEliminarSe não vejamos: o Pres. da Câmara está a escrever de Moncorvo ao Gov. Civil de Bragança e utiliza o verbo "vir" , e cito : " ... uma criança que foi exposta à porta de João Marcelino Belchior, de Urros que veio no dia seguinte remetida para a Roda pelo respectivo Regedor... "
Portanto, esse tal Belchior , de Urros, quando viu o crianço colocado à sua porta, não quis meter-se na embrulhada e entregou logo o pimpolho ao respectivo Regedor, este também de Urros , que, por sua vez, sacudiu a água do capote e enviou o raparigo para a Roda de Moncorvo.
Coitadinho do menino! Acabado de nascer e imediatamente recusado por pai e mãe, por um vizinho, que se chamava Belchior mas nao era um dos Reis Magos, e pelo Regedor da aldeia. Ninguém o quis!
Isto merece uma daquelas histórias ...
Júlia
Antonio Joaquim Pisquem :mise. segundo sei a casa da roda é em moncorvo .
ResponderEliminarA fotografia é da antiga casa da roda de Moncorvo que está transformada em posto de turismo.
ResponderEliminarO bébé ainda foi até Cabeça de Mouro onde vivia a futura ama.Voltou a Moncorvo,passou novamente por Urros e regressou à vila.Ninguém foi para a cadeia e a criança foi utilizada nas lutas politicas da canalha do costume.Será que há descendentes?
Que bela estória para os nossos investigadores e cronistas.
Leitor
Clube De História Valpaços: Muito interessante o teor do documento e bem adequada e igualmente interessantes as fotos aduzidas.
ResponderEliminarMisé Fernandes: Era o que eu pensava... mas ali diz que na foto está a casa da roda, ou fui eu que li mal?
ResponderEliminarA história é triste,mas a maneira como a Julinha a reconta fez-me rir.E, como professora,dá uma ajudinha para se compreender o texto.
ResponderEliminarUma moncorvense
Não leu nada mal, caríssima Mizé Fernandes. A Casa da Roda (em amarelo e azul - agora posto de turismo) que está na foto inferior, foi ou terá sido a Casa da Roda em Moncorvo . No concelho era a única.
ResponderEliminarAliás, vê-se perfeitamente a Igreja da Misericórdia por trás e a casa, ao lado esquerdo da Misericórdia, foi, em tempos, a cadeia das mulheres.
Penso que está tudo claro.
Abraços
Júlia
Segundo a legenda," vista geral de Urros e da casa da roda" somos levados a crer que em Urros existia uma "casa da roda". Todavia, e porque antigamente não se falava destas coisas," a céu aberto", eu nunca ouvi dizer que em Urros houvesse uma casa da roda. Infeliz da criança, vítima de tão ignóbil destino!
ResponderEliminarFoi em Camilo que eu me deparei com estes vis e condenáveis acontecimentos, que, pensamos serem de tempos remotos, inenarráveis e eles aí estão escamoteados sob as mais vergonhosas, hediondas e repugnantes facetas! É que antigamente, se calhar como agora, sabe-se lá o que se virá a saber daqui a algum tempo, o pó escondia-se debaixo do tapete...O que hoje é impossivel, amanhã é talvez´; a seguir é provável e quando nos confrontamos com a desgraça, já estamos como que calcinados pelo escândalo e nem temos tempo de reagir. Bom era que esses monstros nem andassem assim por aí... vou-me refugiando no cómodo, é bom nem pensar.
Tininha, de Urros
Eu fiquei deveras tocada com esta história...! nem li os esclarecedores comentários de quem de direito.Apenas dei eco à voz do coração!
ResponderEliminarMas isto merece uma história, claro! quem me conta um conto, assim com semelhante enredo. Eu, só gosto de histórias com finais felizes. Fico à espera que alguém ma conte...
Tininha, de Urros
Quantas marcas de rejeiçao não carregaria esta criança!e depois, que lhe terá acontecido? que tempos cruéis!Ainda estou petrificada...
ResponderEliminarTininha
"administrador deste concelho, José Maria Pimenta," .Os Pimenta eram os donos de Maçores e de metade de Urros.
ResponderEliminarMuita explicação será devida. Em primeiro lugar, esta criança terá tido muita sorte pois todos os olhos estavam em cima dela. Textos há de crianças abandonadas no caminho que ligava Urros a Mós pelas Centeeiras, ou no caminho de Cabeça Mouro para Moncorvo e que eram "tiradas" dos dentes dos cães por algum pastor que de longe assistia ou pelo empregado do tranporte do correio da Lousa que muitas crianças apanhava no caminho para a Roda de Moncorvo...Em segundo lugar, não deve anatemizar-se o admnistrador Pimenta de Sousa que, possivelmente, foi um dos mais sérios e honestos que na época passaram por Moncorvo. E este terá sido campeão da perenidade. O caso apenas ganha notoriedade no blog - coisa que na altura não aconteceu nem tinha razões para acontecer, se estudarmos os costumes da época -e apenas passou à história por causa da renhida luta política ente o jovem progressista Galas (porventura bem mais desregrado em matéria de costumes) e o velho lider regenerador Pimenta. Muito mais haveria que dizer e sobre o assunto tinha eu aqui há anos um livro meio alinhavado mas que não saiu porque entretanto foi apresentado um trabalho pelo dr. Carlos Abreu no Congresso Histórico dos 500 anos da Fundação da Diocese de Miranda e publicado pela Câmara Municipal de Moncorvo um livro do dr. Virgílio Tavares e da drª Lúcia Pedro sobre o assunto. J. Andrade
ResponderEliminarMisé Fernandes: Desculpem o lapso, a foto ao lado é que é da casa da roda ( olvidei-me do "e". :)
ResponderEliminarTítulo: Os Meninos da Roda em Torre de Moncorvo
ResponderEliminarAutores: Virgílio Tavares e Lúcia Pedro
Ilustrações: Rosa Silva
Data: Fevereiro de 2007
Meu Deus, que arrepiante informação a de A. J.Andrade! a gente sabe que essas coisas aconteciam, infelizmente... mas com esse tratamento..." tiradas da boca dos cães!..."
ResponderEliminarSomos todos tão felizes, fechados no nosso canto, simples e pequenino. Tivemos Pais que nos amaram e nunca nos deparámos com estes crimes, ao longo das nossas vidas!
Lá dizia Rousseau, o homem nasce puro, a sociedade é que o corrompe! rezemos por sociedades mais justas e mais estruturalmente bem organizadas, onde todos sejamos igualmente merecedores de podermos ser livres e bons!
Tininha, de Urros
Numa luta de galos um chamavasse Galas.Jogava em casa
ResponderEliminarMas quem perdeu foi o menino!
ResponderEliminarVisitante
E eu pensava que os outros é que comiam criancinhas ao pequeno-almoço.
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