O que terá levado Guerra Junqueiro a lançar-se em empresa
de tamanho vulto como eram o desbravamento desses morros e a plantação de pés
de vinha, ele que saíra de Freixo para Coimbra tamanino, que fora deputado e
secretário-geral do Governo Civil, se gastara pelo Chiado e por Angra, mas que
não fora ainda lavrador? O caso não está suficientemente esclarecido, como o
não está a época exacta em que ele deu início à empresa.
D. Maria Isabel diz-nos que foi seu avô, lavrador de
inteligência e visão grandes, quem levou seu pai a tornar-se agricultor nestes
morros resguardados dos ventos e batidos do Sol. José António Junqueiro nascera
em Ligares, tinha propriedades, na freguesia, embora para lá fora como
empregado do que depois foi seu sogro. Conhecendo toda a região, não lhe
escapariam as vantagens de uma situação destas para a cultura da vinha. Eram
precisos capital e persistência, com uma capacidade de sacrifício enorme de que
Junqueiro deu abundantes provas.
Fotografia de Emil Biel da Quinta da Batoca em Ligares no séc.XIX |
Junqueiro tinha a sua legítima, pois que a mãe lhe morrera
aos cinco anos. Lembram-se? <<A minha mãe faltou-me era eu pequenino,/mas
da sua piedade o fulgor diamantino/ficou sempre abençoado a minha vida
inteira,/ como junto de um leão um sorriso divino,/ como sobre um forca um ramo
de oliveira!>> A legítima foi por ele enterrada aqui, na Batoca, segundo
carta que Lopes de Oliveira cita na sua biografia do poeta: <<Desde então
(1880) até hoje (incluindo a letra de 1.300$00) recebi de meu pai 4.000$00,
dando-me por pago e satisfeito da minha legítima. Note que só lhe pedi tal
dinheiro quando veio o desastre da Batoca. Antes disso em nada lhe falei nem
tencionava falar-lhe.>>
Vista sobre a Quinta da Batoca, 2016 |
Antes da legítima aqui deve ter enterrado também os
direitos de autor de A Morte de D. João,
cujo sucesso foi grande, e de A Musa em
Férias. Aquela fora publicada em 1874 e esta em 1879. É possível que já na
altura o bric-à-brac lhe desse também
uma ajuda, pois que em carta para Bernardo Pindela, com data de 1882, e que
Lopes de Oliveira também transcreve, fala na venda, por 300 mil réis, de
<<uma colcha admirável, obra admirável, obra-prima de desenho, colorido e
execução>>. E depois: << Maravilhosa. É rica de mais para mim.
Solta um grito escandolosíssimo de opulência no meio da minha colecção
pacatinha e modesta. Resolvi vendê-la.>>
Na quinta empregou o que herdara da mãe, mas só depois do
desastre da Batoca, como diz. Ora o desastre da filoxera, a que se refere,
ocorreu em 1888. Nessa altura já a propriedade absorvera alguns contos de réis.
Estava feita e a render. As suas relações com o pai formam sempre da máxima
correcção. Natural é que é, tendo casado em 1880 e nessa altura também,
deixando de ser secretário do Governo Civil de Viana do Castelo, por se terem
levantado dúvidas sobre se poderia ocupar o cargo sendo deputado, procurasse
exercer actividade noutro sector. Viria então o conselho paterno de adquirir
estes cabeços abandonados? O certo é que em 1883, já com duas filhas nascidas,
está ele aqui a resolver a terra e pedra e daqui dirige à esposa a carta que
vem nas Poesias Dispersas: <<...Deixei-te há pouco mais de um mês, - mês
secular / ...E nesses montes nus por onde eu tenho andado, /trágicos vagalhões
de um mar petrificado, / sempre diante de mim, d’entre a aridez selvagem, / vi
com um lírio branco erguer-se a tua imagem.>>
Os meus
livros e outras crónicas, Raul Rêgo,p.
23, 24 e 25
Freixo de Espada à Cinta também irá homenagear o poeta Guerra Junqueiro nos dias 15,16 e 17 de setembro.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.