sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"Poesia e Lavoura" - Texto de Raúl Rêgo


Poesia e Lavoura
  

O que terá levado Guerra Junqueiro a lançar-se em empresa de tamanho vulto como eram o desbravamento desses morros e a plantação de pés de vinha, ele que saíra de Freixo para Coimbra tamanino, que fora deputado e secretário-geral do Governo Civil, se gastara pelo Chiado e por Angra, mas que não fora ainda lavrador? O caso não está suficientemente esclarecido, como o não está a época exacta em que ele deu início à empresa.
D. Maria Isabel diz-nos que foi seu avô, lavrador de inteligência e visão grandes, quem levou seu pai a tornar-se agricultor nestes morros resguardados dos ventos e batidos do Sol. José António Junqueiro nascera em Ligares, tinha propriedades, na freguesia, embora para lá fora como empregado do que depois foi seu sogro. Conhecendo toda a região, não lhe escapariam as vantagens de uma situação destas para a cultura da vinha. Eram precisos capital e persistência, com uma capacidade de sacrifício enorme de que Junqueiro deu abundantes provas.
Fotografia de Emil Biel da Quinta da Batoca em Ligares no séc.XIX
Junqueiro tinha a sua legítima, pois que a mãe lhe morrera aos cinco anos. Lembram-se? <<A minha mãe faltou-me era eu pequenino,/mas da sua piedade o fulgor diamantino/ficou sempre abençoado a minha vida inteira,/ como junto de um leão um sorriso divino,/ como sobre um forca um ramo de oliveira!>> A legítima foi por ele enterrada aqui, na Batoca, segundo carta que Lopes de Oliveira cita na sua biografia do poeta: <<Desde então (1880) até hoje (incluindo a letra de 1.300$00) recebi de meu pai 4.000$00, dando-me por pago e satisfeito da minha legítima. Note que só lhe pedi tal dinheiro quando veio o desastre da Batoca. Antes disso em nada lhe falei nem tencionava falar-lhe.>>
Vista sobre a Quinta da Batoca, 2016

Antes da legítima aqui deve ter enterrado também os direitos de autor de A Morte de D. João, cujo sucesso foi grande, e de A Musa em Férias. Aquela fora publicada em 1874 e esta em 1879. É possível que já na altura o bric-à-brac lhe desse também uma ajuda, pois que em carta para Bernardo Pindela, com data de 1882, e que Lopes de Oliveira também transcreve, fala na venda, por 300 mil réis, de <<uma colcha admirável, obra admirável, obra-prima de desenho, colorido e execução>>. E depois: << Maravilhosa. É rica de mais para mim. Solta um grito escandolosíssimo de opulência no meio da minha colecção pacatinha e modesta. Resolvi vendê-la.>>

Na quinta empregou o que herdara da mãe, mas só depois do desastre da Batoca, como diz. Ora o desastre da filoxera, a que se refere, ocorreu em 1888. Nessa altura já a propriedade absorvera alguns contos de réis. Estava feita e a render. As suas relações com o pai formam sempre da máxima correcção. Natural é que é, tendo casado em 1880 e nessa altura também, deixando de ser secretário do Governo Civil de Viana do Castelo, por se terem levantado dúvidas sobre se poderia ocupar o cargo sendo deputado, procurasse exercer actividade noutro sector. Viria então o conselho paterno de adquirir estes cabeços abandonados? O certo é que em 1883, já com duas filhas nascidas, está ele aqui a resolver a terra e pedra e daqui dirige à esposa a carta que vem nas Poesias Dispersas: <<...Deixei-te há pouco mais de um mês, - mês secular / ...E nesses montes nus por onde eu tenho andado, /trágicos vagalhões de um mar petrificado, / sempre diante de mim, d’entre a aridez selvagem, / vi com um lírio branco erguer-se a tua imagem.>>

Os meus livros e outras crónicas, Raul Rêgo,p. 23, 24 e 25


Freixo de Espada à Cinta também irá homenagear o poeta Guerra Junqueiro nos dias 15,16 e 17 de setembro.

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