sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Texto de apresentação ao livro que reúne os textos de António Monteiro Cardoso


Pediram-me que escrevesse em forma de homenagem, a apresentação de dois estudos feitos pelo Sr. Prof. Doutor António Monteiro Cardoso, intitulados:
- O ORATÓRIO DE S. FILIPE NÉRI EM TRÁS-OS-MONTES: A CONGREGAÇÃO DE NOSSA SENHORA DO VILAR DE FREIXO DE ESPADA-À-CINTA;
- OS GUERRAS DE FREIXO DE ESPADA À CINTA. AVENTURAS DE UMA FAMÍLIA NO TEMPO DAS LUTAS LIBERAIS.
A minha primeira reação foi de pânico. Não, não o faria. Em primeiro lugar porque me sentiria desconfortável a redigir uma introdução a um livro, cujo autor é um iminente investigador e como tal ultrapassa-me em sabedoria, sagacidade e conhecimento. Depois, porque da sua personalidade já muitos que com ele conviveram e privaram, o que não foi de forma alguma o meu caso, fizeram as devidas apreciações e homenagens. É notório que o Sr. Prof. Doutor António Manuel Monteiro Cardoso deixou à posteridade uma vasta obra de investigação social, histórica e cientifica que todos classificam de brilhante. De referir que a sua tese de Doutoramento em História Moderna e Contemporânea (ISCTE-IUL, 2005), aprovada por unanimidade com distinção e louvor, tem por titulo, precisamente “ A Revolução Liberal em Trás-os-Montes (1820 – 1834). O Povo e as Elites”.
Que poderia então eu fazer para através da apresentação destes estudos acima citados, pudesse prestar mais uma singela, respeitosa e profunda reverência a um dos ilustres filhos de Freixo de Espada à Cinta?
Bem, depois de umas noites em conflito com as ideias, decidi que poderia deixar também o meu contributo, não falando do homem e investigador, porque o seu currículo pessoal e profissional falam por si, mas expondo algumas opiniões pessoais e tentando interpretar da melhor forma o contexto histórico dos referidos estudos.
Quero deixar bem claro que nada disto é fácil para mim. Acreditem! Não é nada fácil para mim apresentar uma obra literária, por qualquer que ela seja, e esta, juntando na mesma personagem um ilustre conterrâneo e um eminente historiador. E que poderei eu afirmar de um Homem que conheci mas com o qual nunca privei? A diferença de idades era alguma, e por isso nunca pude frequentar o seu núcleo de amizades locais, facto que me levou a não poder beber da sua sabedoria, a nunca trocar ideias ou a envolver-me nas salutares discussões de História das Ideias Politicas. Infelizmente nunca debatemos Althuser, Nietzche ou Marx, nem as teorias sobre controlo dos aparelhos ideológicos do estado, nem Foucault ou George Orwell, nem sobre as tecnologias que podem levar ao poder totalitário. Nem tão pouco Umberto Eco e o Nome da Rosa, ou sobre Francisco, Helena, a personagem do inquisidor e o Convento de S. Filipe Nery de Freixo de Espada á Cinta. Muito menos sobre a importância da Ordem do Oratório neste torrão transmontano. Por isso sinto-me lisonjeado ao me fazerem este convite, mas ao mesmo tempo perdido no momento em que tento coordenar ideias e escrever sobre todos estes pressupostos.

Começo por clarificar que sobre a Ordem do Oratório, toda a informação imediata e disponível é retirada das duas principais fontes de conhecimento sobre o assunto, ou seja como Monteiro Cardoso afirma na primeira página e nota 1 de rodapé: “baseamo-nos principalmente na obra de Eugénio dos Santos «O Oratório no Norte de Portugal. Contribuição para o estudo da história religiosa e social» Porto, 1982 e no livro de Jean Girodon «Lettres du Père Bartolomeu do Quental à la Congrégation de l'Oratoire de Braga (29.IX.1685-22.XI.1698)» Paris, 1973.” Daí podermos sempre aferir que o Dr. Monteiro Cardoso bebeu o conhecimento que nos transmite nas duas únicas fontes credíveis de investigação. Contudo não posso deixar de referir que também li as referidas obras e tive a felicidade de ter o Professor Doutor Eugénio dos Santos como meu mestre na universidade. Escusado será dizer que as nossas conversas e debates eram sempre sobre os mesmos temas: A Ordem do Oratório e o Convento de Freixo. O passado, o presente e os possíveis futuros. De todos eles me excluo de dar opinião pública, mas ainda é minha convicção de que a Ordem do Oratório veio fundar um convento a Freixo de Espada à Cinta por um daqueles felizes acasos que acontecem a pessoas ou lugares, uma vez por século. Se não vejamos. Um dos irmãos, de nome Manoel de Santa Maria, tinha cumprido o serviço militar no castelo de Freixo por altura da guerra da Restauração, e por isso conhecendo muito bem a região, as qualidades dos seus habitantes e as suas necessidades espirituais de evangelização, lembrou-se que em Freixo havia uma pequena igreja, quase arruinada, que pertencia à câmara e convenceu todo o grupo de irmãos a solicitar-lhe que os deixassem aí instalar. Como a resposta a este pedido foi afirmativa, os oratorianos chegaram a Freixo para se instalarem na igreja de Nossa Senhora do Vilar, no dia 10 de Setembro de 1673 começando assim uma longa e profícua colaboração entre este Concelho e a Ordem do Oratório. Viveram em comunhão de princípios e beneficiando-se sempre mutuamente, assim que crescia um, crescia o outro. Ou seja, à medida que os frades do Oratório iam transformando uma pequena igreja e casa de romeiros num convento de boa construção e possuidor de imensos bens materiais, a população de Freixo beneficiava das aulas de Latim, retórica e matemática. De referir que apesar de ainda não ter sido feito nenhum estudo sério, à época relatam-se bastantes matrículas de estudantes naturais de Freixo de Espada à Cinta na Universidade de Salamanca. Para reforço e em complemento da ideia acima exposta, afirme-se que no decorrer de mais de 150 anos foi este Convento uma pedra basilar na proteção, expansão, regeneração e consolidação da religiosidade na região duriense, uma vez que a condição constante das gentes rústicas era à época claramente falho em assuntos de instrução e rotinas religiosas.  
Claro que esta simbiose não durou muito tempo mais, uma vez que a Ordem fundou outras casas em locais mais populosos, centrais e importantes, caso de Viseu, Porto e Braga que por uma razão ou outra ganharam imensa importância económica, politica e religiosa, tanto que aos poucos a Casa de Freixo foi sendo superada, mas mantendo-se com altos e baixos até à extinção das ordens religiosas, decretada em 1834 e, a avaliar pelo número e qualidade das propriedades inventariadas no momento da supressão, pode-se admitir que a vida económica desta irmandade era de algum conforto material. 

O segundo estudo leva-nos a uma das famílias, os Guerras, que ainda hoje tem vasta descendência na vila de Freixo de Espada à Cinta. Por umas ou outras razões vieram parar a este doce torrão transmontano e aqui exerceram vários cargos ao longo de séculos. Foram agricultores, comerciantes, políticos, militares, missionários, professores ou notáveis funcionários públicos… Todos acompanharam a história pátria e as convulsões próprias deste país. Apesar do autor se debruçar sobre um dos notáveis representantes desta família durante as lutas liberais, a personagem de José António da Guerra, a pergunta que todos gostamos de fazer à Genealogia e à qual ainda não conseguimos responder é, de onde veio esta família?
O sobrenome Guerra está actualmente espalhado por toda a Peninsula Ibérica e América Latina, não estando de forma alguma  clarificado se todos os usuários deste sobrenome descendem ou não de uma mesma raíz genealógica. Contudo, comungo da opinião de  José Pedro Machado que no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, tem uma opinião contrária aquela que defende ter o apelido/sobrenome Guerra origem no substantivo comum guerra, propondo que  o nome tenha origem basca e relacionado com linhagens nobiliárquicas. Vejamos então o que afirma este genealogista sobre o assunto «Os troncos [...] [com que se relaciona Guerra] irradiaram das regiões bascas do país vizinho, sendo a mais conhecida (ou, se preferir, a mais ilustre) ligada ao infante D. João, filho do nosso rei D. Pedro I e de D. Inês de Castro. É que esta, segunda [sic] parece, descendia daquele Énhego Ezguerra ou Esquerra, Enheguez guerra do 4.º Livro de Linhagens, p. 259). Lembro este passo de F[ernão] L[opes], P. [= Crónica de D. Pedro] relativo a Castros: "... Dona Johana de Castro, filha de D. Pedro de Castro, que chamarom da Guerra» [...]. Esquerra [...] é voc[ábulo] basco que significa em cast[elhano] el zurdo (= prt. "o canhoto"; cf. esquerdo, também de origem euscara). Esguerra, por Esquerra, ou Guerra, por estar ligado ao Canhoto, isto é, ao Diabo, porque sua mãe, a célebre Dona (a que Herculano chamou Dama) Pé-de-Cabra impusera a D. Diego Lopes a ausência do sinal da Cruz para consentir no "casamento" de ambos ("um casamento da mão esquerda"). "E alguuns ha em Bizcaya que disserom e dizem oje em dia que esta sa madre de Enhego ezguerra que este he o coouro (= cobra = Diabo) de Bizcaya" [...]. E a este tronco ficaram ligadas várias famílias, entre as quais a dos Filipes, monarcas de Castela [...]. Por influência homofónica e pela distinção social que julgava obter com o uso de tal voc[ábulo] como apel[tivo], Guerra acabou por substituir Ezquerra, Esguerra [...]. Por vezes aparece precedido pela contracção da: D. Luís da Guerra e D. Fernando da Guerra (séc. XV), filhos bastardos de D. João, filho de D. Pedro I e de D. Inês de Castro [...]; o uso continuou: no século XVI, D. Francisca da Guerra em G[il] V[icente] [...]».
Confirmando esta tese temos que para Juan Francisco de Hita, (célebre genealogista espanhol) os Guerra podem descender do rei Don Sancho VI “El Bravo”, de Castela, cuja filha Violante Sánchez foi avó de Pedro Fernández de Castro, soldado valoroso, pelo que foi chamado “Pedro de la Guerra”, originando-se assim a família deste sobrenome do qual descende a linhagem de sobrenome Guerra, originando-se uma larga lista de cavaleiros, alguns dos quais passaram para as Canárias e América do Sul. Outros ramos da família asturiana dos Guerra estabeleceram-se em Leão, Castela, Aragão, Galiza e em Portugal. Segundo alguns autores, a família Guerra de Portugal descende de Don Pedro I (1320-1367), rei de Portugal e de D. Inez de Castro, e tomou por sobrenome a alcunha do pai da mesma senhora, D.Pedro Fernández de Castro, o da “Guerra”. 
Não obstante esta tese, existe também a hipótese do apelido/sobrenome Guerra derivar do germânico werra (discórdia, peleja) e o sobrenome é uma clara referência à guerra, com variadas motivações, como de recordar um guerreiro medieval por ser bravo, intrépido, destemido nas batalhas. Também como bons vaticínios e exortação, atribuído ao filho com os votos de que vença a guerra, “a batalha da vida”.

Jorge Duarte




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