Sinopse
Os rituais da máscara são o fundamento e a linha
condutora deste conjunto de 13 contos.
São rituais litúrgicos da religiosidade do povo nordestino,
celebrados no tempo hiemal, o tempo das noites longas e frias, das bruxas e
diabos, dos caretos e máscaros, das fogueiras que quebram a noitidão e das
cinzas restantes do sacrifício sagrado que nem por isso
deixam de ser simbolicamente valiosas para a fertilidade da Natureza. No
decorrer da leitura, a tradição vigente e histórica afirma-se
por si mesma e distingue-se claramente da ficção.
Ambas convivem aqui em perfeita harmonia.
O autor estuda esta temática há três décadas, assistiu
à sua evolução – real e inevitável – e ficcionou histórias
verídicas, que ajudam o leitor a compreender o “como” e o “porquê” desta
evolução: a entrada das mulheres em rituais tradicionalmente masculinos, as
rebeldias permitidas, as subversões salutares, os repugnantes oportunismos, o
apelo da honra… Enfim, as vivências de um povo que, ciclicamente
e por um período de três ou quatro dias, entrega o governo da comunidade nas mãos
dos jovens: o rito iniciático imprescindível a um futuro sustentado em valores
perenes.
António Tiza é natural de Varge (Bragança).
Estudou Teologia em Bragança e Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo
concluído a licenciatura. Defendeu a tese de doutoramento em Ciências Sociais
na Faculdade de Educação da Universidade de Valladolid, em Espanha, com a
classificação de «Sobresaliente cum laude». Foi
professor do Ensino Básico, Secundário e Superior.
É autor das seguintes obras: Mascaradas e Pauliteiros – Etnografia e Educação; Inverno Mágico – Ritos e Mistérios Transmontanos; Espinhosela; Máscara Ibérica (com Hélder Ferreira); Estudo Antropológico das Mascaradas de Zamora, Bragança e Douro
(com JesúsNuñez); Portugal y España –
Vidas Paralelas(com Isidoro GonzálezGallego); Cancioneiro do Parque Natural do Alvão (com Francisco Prada).
Colaborou, com artigos sobre Etnografia e Educação, em revistas e jornais, de que se destacam: Brigantia (Bragança); Tellus(Vila Real); Jornal de Letras (Lisboa); StvdiaZamorensia
(Zamora), El Filandar/O Fiadeiro(Zamora),
Amigos de Bragança, Jentilbaratz – Cuadernos de Folklore
(San Sebastián).
Foi presidente da Região de Turismo do Nordeste
Transmontano (1998/2002). Actualmente desempenha as funções de presidente da
direcção da Academia Ibérica da Máscara e vice-presidente da Academia de Letras
de Trás-os-Montes. É membro da Associação Portuguesa de Escritores.
Prefácio
É esta a primeira incursão de António Tiza pela
ficção, brindando-nos com um conjunto de treze contos que abordam temas com que
o autor está familiarizado pelo estudo de toda uma vida. São temas que convidam
à ficção, pois lidam com o mistério, o sobrenatural, com histórias que se
perdem na noite dos tempos e estão no centro da vida das pessoas, mas até aqui
ninguém o havia feito de forma tão desenvolvida e sistemática. Deles emerge o
retrato de gentes e comunidades transmontanas, alicerçado num estudo muito
sério, feito de um conhecimento minucioso das pessoas e dos locais descritos.
Sente-se um respeito no tratamento dos temas que impressiona pela minúcia dos
nomes invocados, pelo rigor das descrições e da toponímia, pela humildade na
apresentação dos cenários onde decorre a acção.
A variedade no tratamento dos temas, que à primeira
vista poderiam parecer repetitivos e monótonos, é afinal a variedade da vida a
que os rituais descritos estão ligados, por eles passando amores e ódios,
invejas, angústias e desesperos, a vida e a morte, a ignorância e a maldade. É
rico o painel de tipos humanos aqui descritos, que vão muito além de cada uma
das aldeias para atravessarem fronteiras e se situarem no que há de mais
essencial em nós, o mistério da vida. E não são estes temas do passado, pois
nos contos perpassam de forma bem viva e crua os problemas de hoje nas aldeias
com a sua desertificação, o envelhecimento da população, o recuo do sagrado no
dia-a-dia por intervenção – ironia das coisas! – da Igreja, apesar de algumas
raras excepções, pois nunca é maniqueísta a postura do contista. Estes são
rituais de juventude, cheios de vida e de futuro, por onde perpassam todas as
actividades dos povos como o contrabando raiano, a construção das barragens, a
pastorícia e a amizade entre os povos raianos, rituais que a cada ano renovam a
confiança na continuidade da vida, bem simbolizada no fogo e outros deuses
sagrados.
A emergência da intervenção das mulheres que têm
vindo a assumir novos papéis nas comunidades, encontrando pouco a pouco formas
de sacudir um jugo de séculos, é uma marca importantíssima destes contos, a
mostrar como para lá da máscara e das aparências a sociedade tem vindo a mudar,
mesmo nas comunidades que é suposto serem mais conservadoras. Ao intervir, as
mulheres modificam as próprias tradições, como acontece com as raparigas de
Salsas, verdadeiras Dalilas que “cortam o cabelo” onde residia a força de
Sansões, por vezes cobardes escondidos atrás de uma máscara. A intervenção das
mulheres tem além disso um sentido ético essencial, que está no âmago das
práticas ancestrais, que se autodestroem se essa ética não for respeitada e
constantemente reafirmada, negando a intervenção dos oportunistas que tudo
procuram subverter, como se verifica em Constantim, em Bruçó ou em Vila Boa.
Sem deixarem de ser uma excelente ficção, e talvez
por isso, estes contos aderem à vida de muitas comunidades, ensinando e
chamando a atenção para realidades muitas vezes pouco conhecidas. É o caso da
galhofa, uma luta ancestral antigamente praticada em todo o reino de Leão e que
já se quis transformar em disciplina olímpica, mas que tem vindo a morrer. Aqui
se descreve essa luta e se põe bem de manifesto o rigor das suas regras e o
verdadeiro código de honra que lhe está ligado. A importância histórica destas
lutas é tal que não temos dúvidas em afirmar que tiveram um papel essencial na
nossa humanização, substituindo as guerras e o sangue pela luta assente na
força e num rigoroso código de honra, que os chefes de aldeia e os anciãos
faziam respeitar. Afinal, nada de diferente daquilo que noutras comunidades
como as da Grécia antiga consagraram os jogos olímpicos e outros jogos. Talvez
lhes tenha faltado o seu Píndaro ou o seu Arquíloco e outros poetas que os
cantassem e lhe dessem força e eternidade, reforçando o carácter sagrado, pois
outro não é o carácter de tudo o que nos humaniza e nos leva além da guerra, do
sangue e da força bruta.
Nunca realçaremos suficientemente o papel que os
rituais que atravessam estes contos e outras práticas similares tiveram na
evolução das nossas sociedades e lhes transmitiram um carácter de sanidade
ética que consegue manter a dignidade no meio da maior pobreza e de
dificuldades sem fim. Gente condenada a lidar com a terra, as pedras e a fúria
dos elementos para deles e contra eles sacar o sustento necessário, nunca se
teria erguido na sua dignidade e criado uma ética que os fez sobreviver e
ultrapassar os instintos mais básicos da sobrevivência, afirmando-se ainda hoje
como um exemplo, não fossem estes e outros rituais similares que acabavam por
fixar outros objectivos, reconstruir outros mundos e dar espaço ao sonho e à fé
na capacidade e na possibilidade de mudança. António Tiza percebeu isso muito
bem e esse não é o mérito menor desta colectânea de contos.
A linguagem usada pelo autor é de uma grande
riqueza, trazendo-nos um português que em muitos aspectos se afasta da
liofilizada norma linguística, recorrendo à linguagem de um povo que enxertou o
seu português sobre a língua leonesa que a continua a preencher e a
diferenciar, ainda que muitos e os dicionários oficiais ignorem esse
vocabulário ou o rebaixem com o epíteto, que usam com um sentido de
menorização, de “provincianismo transmontano”. Está ainda por estudar esse
enorme contributo da língua leonesa, que hoje subsiste no mirandês, no
riodonorês e noutras línguas raianas da Lombada bragançana, mas também nesse
domínio estes contos são um importante contributo.
Embora seja esta a primeira incursão de António
Tiza pelos domínios da ficção, estou certo que abriu com esta obra uma porta de
onde continuarão a sair outras obras similares e de que bem faltados estamos.
Amadeu Ferreira
Reedição de posts desde o início do blogue
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Manuel Bento Fernandesescreveu: Parabéns ao António Tiza, pela sua extensa obra de reconstrução da memória transmontana, no âmbito da máscara. E estes rituais de publicação das memórias e investigação, têm, afinal, a mesma função mágica de nos transportar às origens do ser de uma realidade. E como o Amadeu Ferreira, soube enquadrar toda a sequência. Um abraço aos dois.
ResponderEliminarParabéns ao António Tiza.
ResponderEliminarOnde posso adquirir o livro?
Eu sou uma "maluquinha" por CONTOS E LENDAS. Desde pequenina.
Um abraço
Júlia Ribeiro
Bravo Antônio Tiza por nos brindar com mais uma obra prima! Tive a felicidade e a honra de conhecer o ilustre autor em junho do ano em curso, por ocasião do Encontro de Academias de Letras na bela Cidade de Bragança-PT, onde adquiri o Livro " O DIABO E AS CINZAS". Obrigada ao autor, por resgatar de forma tão especial a memória transmontana, em suas origens, proporcionando, ao mesmo tempo aos leitores, uma leitura mágica, de encanto, sedução, através das diversas funções que exercem as máscaras. Obrigada pelo seu carinho, e pelo seu apoio, meu querido. Adorei você meu amigo Tiza. Que Deus ilumine todos seus passos. Conte sempre comigo.
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