sábado, 18 de outubro de 2014

BRAGANÇA - Uma rota de turismo cultural III


Uma ópera em Bragança para “os vis e povertis”
Diogo Mourato foi bispo de Miranda do Douro. Era natural do Algarve e entrou em Miranda em 21 de Outubro de 1742.
E logo foi anunciada para o Verão seguinte a sua visita pastoral à cidade de Bragança que, não sendo sede de bispado, ultrapassava todas as outras terras trasmontanas em população, capacidade económica e produção cultural.
Naturalmente que as forças vivas de Bragança tudo fizeram para que a visita do prelado resultasse em êxito. Claro que toda a nobreza da terra se mobilizou para o receber com a maior pompa e circunstância.
À frente, na organização da visita, estava o alcaide-mor do castelo, António Gomes da Mena, fidalgo cavaleiro e o seu cunhado Roque de Sousa Pimentel, abade de Vinhas e comissário regional da Inquisição – sem dúvida os dois homens mais poderosos da terra.
Não conhecemos o programa da visita mas certamente que predominaram celebrações religiosas na igreja de Santa Maria e visitas de cortesia e beija-mão ao prelado, nos conventos de S. Francisco, S. Bento e Santa Clara, bem como nas instalações do colégio dos jesuítas, da santa casa da Misericórdia, do hospital militar…


Também não faltariam lautos banquetes a retemperar as energias gastas em grandiosas procissões e no solene Te Deum. E haveria ofertas de prendas e recordações e muitos pedidos e empenhos para colocação de curas e sacristães nas igrejas e capelas do bispado.
E houve – imaginem! – um altíssimo acontecimento cultural – a representação de uma ópera!
Quem imaginaria que em Bragança, um pequeno povoado perdido atrás das montanhas se realizava um género de espectáculo que então era novidade na Europa, uma arte que então era eminentemente italiana, alimentada pelos Medici e que em Veneza vira abrir “o primeiro teatro público de ópera” apenas em 1637?!
Faltará saber até que ponto o facto se deve aos jesuítas, pois eles terão sido dos primeiros a compor uma ópera em Portugal, baseada na prisão do padre António Vieira pela Inquisição. Infelizmente não conhecemos o texto nem a música. Apenas que em cena aparecia o padre Vieira amarrado com cadeias de ferro e um anjo a inspirar-lhe as respostas que deveria dar aos inquisidores.
Muito menos conhecemos o texto, nem a música, nem o autor e nem sequer o teor da ópera representada em Bragança para D. Diogo Mourato.
Tratando-se então de um acontecimento novo e de tal eminência, importante era também escolher o local da sua apresentação. Os “palcos de teatro” usuais na cidade eram então os conventos das freiras de S. Bento e S. Clara, do que há bastante informação, tanto em cartas capitulares dos bispos de Miranda, como em processos da Inquisição.
Desta vez, porém, escolheu-se um palco de mais nobreza e dignidade: o salão de festas da casa de Bento José de Figueiredo Sarmento, cavaleiro fidalgo, administrador do morgadio dos Figueiredos.
E, tratando-se de convidar as pessoas para o espectáculo, os organizadores concluíram que o melhor seria fazer duas sessões. Na primeira, contar-se-ia com a presença de Sª Exª Reverendíssima e gente da nobreza da terra. Ao outro dia, fazia-se uma segunda representação da ópera em sessão destinada aos “vis e povertis” – expressão jocosa que revela em si mesma uma nítida influência italiana, mas que, no contexto da cidade de Bragança da época, significaria a burguesia cristã-nova, onde se destacavam médicos, advogados, escrivães, mercadores, rendeiros e fabricantes de seda. Era uma classe de grande poder económico e bastante ilustração, já que muita dessa gente, se não foi para a universidade, ao menos fez estudos preparatórios no colégio dos jesuítas.
Não sabemos como as coisas se passaram no primeiro dia, mas tudo terá corrido como planeado. Ao segundo dia, porém, à sessão destinada aos “vis e povertis”, nenhum dos cristãos-novos de Bragança compareceu. E essa foi a maior ofensa que podiam fazer ao alcaide-mor, ao comissário da Inquisição, ao dono da casa e à nobreza da terra. Que imagem da cidade levaria o bispo de Miranda?
No imediato nada de espacial aconteceu. Mas a vingança foi terrível. Nos anos que se seguiram, Bragança sofreu a decapitação da sua classe industrial e mercantil constituída essencialmente por gente da nação hebreia. Mais de uma centena de homens e mulheres foram presos e metidos nas masmorras da Inquisição. Outros muitos abandonaram a cidade, em fuga para o estrangeiro ou para o litoral e o sul do País. Foram muitas as casas que então se fecharam, quantidade de unidades industriais (de fabrico de seda, sobretudo) que se encerraram, montes de pelames e tinarias de panos que ficaram abandonadas. Foi a agonia do comércio e a fuga massiva de capitais para o estrangeiro. Foi a ruína completa da então progressiva e industriosa e culturalmente brilhante “capital” de Trás-os-Montes, em vésperas da revolução industrial que muitos foram ajudar a fazer em terras de Inglaterra e da América do Norte – então já transformadas em destino prioritário da emigração sefardita.
António Júlio Andrade

Maria Fernanda Guimarães

Nota do Editor:
Reedição dos posts públicados no blog :

http://marranosemtrasosmontes.blogspot.pt/




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