quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Bragança: A arquitecta que gosta de casas velhas

Joana Gonçalves, nascida em Bragança, foi distinguida com o Prémio Ibérico de Investigação da Arquitectura Tradicional, que esta terça-feira lhe é entregue em Lisboa. Foi o reconhecimento para a sua investigação sobre as antigas quintas da região transmontana, que vê como modelo para uma arquitectura contemporânea mais sustentável.
   Um meticuloso trabalho de levantamento do anel de velhas quintas que circundam a cidade de Bragança, com casas multi-seculares maioritariamente construídas em xisto, um tipo de arquitectura muito dispersa pela região e até agora pouco estudada, valeu à arquitecta Joana Gonçalves, nascida nesta cidade há 24 anos, a 2ª edição do Prémio Ibérico de Investigação da Arquitectura Tradicional, no valor de três mil euros, que esta terça-feira lhe será entregue em cerimónia a realizar, às 18h, na sede da Ordem dos Arquitectos (AO), em Lisboa.
   “A consistência e excelência” do trabalho, intitulado Tradição em Continuidade: Levantamento das quintas da Terra Fria transmontana e contributos para a sustentabilidade, foram as razões invocadas para a decisão do júri do concurso que foi promovido pela OA em parceria com as fundações espanholas Convento da Orada, Antonio Font de Bedoya e Colegio Oficial de Arquitectos de Léon.
De um número inicial de 36 candidaturas, o júri apurou oito finalistas, e atribuiu ainda duas menções honrosas: a Cristiana de Macedo Lamas, pela tese Consolidação e reforço de estruturas de alvenaria e de madeira. Técnicas de intervenção integradas na reabilitação arquitectónica do edificado antigo português; e a Marta Colón Alonso, por Transformaciones históricas en el Convento de San Francisco de Betanzos.
“Ainda estou a tentar perceber por que é que me deram este prémio”, perguntava-se Joana Gonçalves quando, na semana passada, falou do seu trabalho ao PÚBLICO numa sala do atelier de engenharia no Porto onde actualmente faz o estágio de entrada na OA.
   “O que acho que será mais original, aqui, é a minha tentativa de fazer um estudo sociológico sobre como se morava ali, as tipologias das casas, a relação com o território, mas trazendo também para este trabalho a engenharia e fazendo parcerias com outras áreas de saber”, alinhava a autora em jeito de explicação, fazendo também notar que “há muitos trabalhos feitos na área da arquitectura tradicional, mas não neste sentido”. Recorda, a propósito, os levantamentos feitos, em meados do século passado, pelo geógrafo Orlando Ribeiro e pelas equipas do Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa, que visaram mais os povoamentos concentrados, mas que – nota – foram também “fontes fundamentais” para o seu estudo.


   O facto de ter nascido e vivido em Bragança facilitou a Joana Gonçalves – que se licenciou em Arquitectura na Universidade do Minho, em Guimarães – o conhecimento e o contacto com o objecto da sua dissertação final de mestrado.
   Esta tipologia construtiva – as quintas de que Joana Gonçalves fala incluem a casa propriamente dita, mas também o quintal em volta, aquilo a que chama “unidades produtivas de escala doméstica”, e que são diferentes, por exemplo, das quintas senhoriais do Douro, marcadas pela mono-cultura – esteve muito concentrada ao redor dos principais centros urbanos da região transmontana, como    Vinhais, Vimioso e Miranda do Douro. Mas Joana Gonçalves, até por razões de “pragmatismo”, focou a sua atenção em Bragança. Da centena de casas que sabe terem existido na região num raio de apenas cinco quilómetros, começou por fazer “um mapeamento de 60, com visitas e fotografias”, passou depois para um estudo mais aprofundado de 15, e realizou a monitorização – com sensores de temperatura e de humidade – de “nove casos de estudo” para perceber o comportamento dos edifícios; e realizou várias entrevistas.
   A primeira realidade que constatou – e que lamenta – é que muitas das casas “desapareceram por completo: são agora silvas e entulho, que voltaram à terra”, diz.
Mas as que ficaram, e são poucas as que continuam habitadas, resultaram de “um apuramento de séculos” – a arquitecta diz que as raízes de algumas delas remontam mesmo ao século XII, tendo a maioria sido fundadas a partir do século XV.
   São construções maioritariamente em xisto, mas que, mais importante do que o material de que são feitas, surpreendem pelas soluções construtivas. “Os habitantes usavam a pedra que tinham no local, o barro, e as telhas eram também feitas in-situ. Não havia tanta dependência do exterior, eles conseguiam fazer com o que tinham à mão”, nota a investigadora.

   Neste processo de construção e ampliação continuada através dos tempos, de acordo com as necessidades que iam surgindo, aquilo que Joana Gonçalves mais destaca é a capacidade que as pessoas tinham de encontrar as melhores soluções para responder às questões da temperatura e da humidade. “Quando temos paredes, seja em pedra, seja em xisto, na ordem dos 80 centímetros, há uma grande inércia, e a temperatura no exterior vai demorar a sentir-se no interior”. Uma realidade que a arquitecta confirmou com a monitorização da temperatura tanto no Verão como no Inverno, e que confirmou a reduzida variação térmica dentro das casas.

Fonte: http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-arquitecta-que-gosta-de-casas-velhas-1671941

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