É um autentico picadeiro
Nela se pavoneiam senhores
Barrigudos, com dinheiro.Cá ando às voltas com o que me toca .Agora ando pela praça e já tropecei em dois dotores que estavam fora da fila;era o dotore Teixeira e um estagiário. Ao todo eram sete , passeavam a compasso de ballet, rodavam os dois das pontas , acertando o passo ,e seguiam em fila de sete.
Sentei-me na cadeira pra dótores do Cagado das Moscas,
engraxei os sapatos como se fosse domingo ,comprei um décimo ao Rutch, fiz
sinal ao Migas que a próxima era com ele. O quiosque do tio Horácio estava
fechado, e ele barafustava com o Mário Mesquita :“ Querem carne pró canhão ?Pra
Africa?Nas nalgas…para França é que é!”O
Cabeças e o Zé Ruço riam…O dotore Amável
dizia pró dotore Leite :“ Temos que meter este gajo no chelindró!”O
Sempre-a-Andar olhou pra mim: “Não compras nada?”.Vendia de tudo :navalhas do
Palaçoulo ,anéis contra o bruxedo , camisas de vénus…”
Dando a volta e começando pelo tribunal. Subindo as quatro
escadas. À entrada, duas bolas de
granito, conhecidas pelo nome de tomates do padre Inácio que, julgo eu,
representam o labor e a coragem dos trabalhadores da Vilariça. Subindo as quatro escadas,entra-se
; à direita, o Registo Civil ;ao balcão
,o Edmundo Garibaldi(donde vem este nome? Refugiado da Itália dos tempos de
Verdi?), jogador de futebol e melhor caçador. Por trás, um gabinete vazio ,onde
o Dr. Horácio de Sousa se sentava,à vezes, e o António Batata que, sim ,senhor
doutor ,um reputxo e um tanque… a pensar na transformação da Praça Nova em
jardim.
Do lado esquerdo, a Conservatória do Registo Predial , com o
Adriano Sangra,que emigrou para as áfricas (outro jogador do Moncorvo e ,também,
melhor caçador). Atravessava o pátio para o Dr. Horácio ,nos dias em que
aparecia, assinar papéis, e dava dois dedos de conversa com o Edmundo :”De
Carviçais enviaram um recado para registar um filho, e que escolhesse um nome
baril, nada de João, António, Zé, Manel …. “.Saiu Hélio Egas Pina. Mais dois
degraus e era o Notário com o Tó Sangra na primeira linha e o Aleixo nos
treinos.O notário propriamente dito era um meia-leca que vivia na Pensão Pires.
Passeava-se fardado da Legião Portuguesa e ,por ironia, chamava-se Amável.
Fôlego, mais escadas e estamos no Tribunal propriamente
dito, com o Palhau (dotore ,formado pela universidade do Marmeleiro),casado com
a Mariazinha,cunhado da Carminho da CEE,ambas filhas da dona Carmen e do
Adriano Pires, da farmácia; com Joaquim Brito ,que bateu o recorde de
permanência ,entrou raparigo e saiu reformado, sem sair do mesmo sitio; e com o
António Caninha, irmão da Olímpia ,casada com o Sílvio do Celeiro que, por sua
vez, é pai do Sílvio (o treinador com
mais tempo de permanência num clube),o António
Caninha,repito, pai da Lucindinha Antunes, que apresentou o
último livro da Júlia Biló. Nos baixos do Tribunal havia a repartição de Pesos
e Medidas, com o Henrique Teixeira, filho do secretário da câmara e irmão do Zé
.Viviam ao fundo da rua da Misericórdia ,mas a Maria da M. sabe e conta. Quando
os amigos perguntavam ao Henrique o que fazia, ele ria-se e dizia :Ӄ para ver
se o litro no Carró ,Cadorna e companhia tem dez decilitros, e o metro do
Carlos Mateus e do Txico Leandro tem cem centímetros”.
Saindo ,era a praça
de carros de aluguer, o conhecida por
cortiço, pelas picadas que davam e a cera que faziam (Zé Ruço,Mário Mesquita,Txico Cabeças, Álvaro Bexigas ),não
ligando às escadinhas que davam prá canelha ,estava o Café Moreira com dois
cartazes :num, um preto e a palavra CAFÉ ,e no outro, uma chinesa e CHÁ. Nos
anos cinquenta o café Moreira estava na praça das regateiras.Com a campanha de
Humberto Delgado em 58, os dotores entraram num processo de amolecimento, e
podia-se ver o antigo legionário dr. Rodrigues a jogar às damas com o sapateiro
do Larinho. Perdia. A televisão só tinha um canal, era a preto e branco.
Apagavam-se as luzes, estava na hora do Bonanza. Seguia-se o soto do Carlos Mateus,(O soto mais elegante/É
o do Sr Mateus:/Ali se discute politica./Pouco vende valh’ó Deus/ com o filho
do Manuel do Roboredo ( que emigrou para Burkino Faso )ao balcão, e ele sentado
num banco/escano a conversar com o Aníbal Serra e o Machadinho ( o saudoso Pardal
sem Rabo): “O maluco do Camilo de Mendonça quer cá montar uma fábrica de
transformação de produtos agrícolas, um matadouro industrial ,virar a Vilariça do avesso, onde isto vai
parar…Engenheiros novinhos atrás das nossas filhas ,e os empregados atrás das
nossas criadas e amásias. Que não , que tenha juízo ,que vá para Mirandela, pró
Cachão”.E foi.
Por cima vivia o dr. Chico,que emigrou prós states.Entrada para a rua das Flores :encosto-me à parede para
passar um camião, não vá esborrachar-me ( todo o trânsito para e do Pocinho,
Mogadouro e Mirandela passava pela praça).
Nos dias de feira a tia Antónia Biló ,a Filomena Souteira e
a Xica do Porto tinham aí montadas as mesinhas do licor de canela , súplicas e
económicos .E que licor!
Na outra esquina era o soto das Zirras :lãs ,fios e botões,
com portas para a praça e rua das Flores.A Aurora Zirras, fechava o soto às
sete ,e ala pela rua das Amoreiras abaixo, a ouvir e contar estórias ao luar de
Agosto.O nosso Campos Monteiro, nos Versos fora de Moda, evoca o velho Zirras.
Duas peixarias com os caixotes de sardinha e chicharro
abertos às moscas e fregueses. Uma da Parrola ,e outra da Lídia ,mulher do Rui
,dono de um café(de 3ª classe,o do Basílio era de 2ª e o Moreira
de 1ª,eram as três classes da C.P.,ou a1ª,2ª plateia e balcão do cineteatro)
por baixo da pensão Torre. Fez dinheiro no minério. É do tempo do “presunto e
ovos, que o filão está a dar…” .
Subindo três degraus, como ainda hoje há do outro lado,
entra-se no soto do António Júlio Vilela( fazendas e miudezas, com sacos de feijão à porta). Duas
portas para a praça e outra para a rua do Cano. Seguindo, atravessa-se a
rua, estamos no soto do senhor
Vítor:ferragens, tintas e o exclusivo dos valores selados. Era um rodopio,
entrava o Senhor Afonso Hospitaleiro a pedir meia folha de papel selado (5
escudos), saía o Aleixo com selos para as escrituras, testamentos e
reconhecimento de assinaturas. A seguir, soto do Júlio Chapeleiro : chapéus ,
boinas e bonés. Os homens usavam chapéu, e as mulheres lenço à Iraque. Local de
tertúlia dos pequenos empresários(as cheias do Sabor , preço das courelas,as
caldeiradas na ribeira,os filhos por Coimbra,Porto e Lisboa, as pernas da
criada do dotore tal…as mamas …as mamas, da nova criada do…). Por cima, vivia o
senhor Manuel Tarasco , casado com uma das Mirandas da Corredoura;ao lado ,o
senhor Manuel relojoeiro, com ómegas, tissotes e fios de ouro ,com montra para
a praça e rua do café Basílio. Em frente, o soto da Beatriz do Soto ,(vendeu-o
ao Alvaro Careca e mudou-se prás quatro Esquinas) com um meio manequim na
montra(a Mimi) ,motivo de peregrinação das senhoras e meninas para ver o último
grito da moda, e os homens para verem trocar-lhe a roupa .Diziam que
ajudava,mas … (-isso é só meia.mulher/Não tem pernas,não tem cu/não tem o que a
gente quer/.)..Entendeu!. Por cima vivia a dona Judite Horta com as suas três
filhas ( Susana, Linita e Síria), dona da quinta da Ventosa( a imagem de Moncorvo vista deste miradouro
fixava-se na retina para sempre ) No tempo que a volta passava na bila, íamos
para lá, para ver o Alves Barbosa.O último ganhava um presunto.A meta era na
Praça nova diante da casa da Inquisição /Legião. Na casa de azulejos verdes
vivia a Adelaidinha Fernandes ,irmã do Adriano Fernandes campeão de
traquejo.Depois, uma oficina do José Mafaldo ,sapateiro ,e o estaminé do senhor Afonso Hospitaleiro.No
andar de cima vivia o guarda-livros do Veiga.
Inicio da rua dos Sapateiros .Do outro lado ,ainda na praça
,no prédio da esquina : o Sr. César de Sousa, o famoso alfaiate de Urros. Um
mestre. “Alfaiate de Urros” era uma marca de prestigio , era a nossa Benetton.
O Sr. Sousa era o pai do Álvaro, do Adelino, do João Luís e do Daniel, o nosso
médico, poeta e blogueiro .
Trabalhavam com ele o Óscar,que trocou os trapos por policia em Moçambique; o
Luís Passa-Rios; o César Espanhol (o melhor caçador de sempre nas fragas);e o
Fernando Gil,manquitó, (jogava bem às damas). Existiu ,nesse prédio uma taberna
da Cândida Bebe Água ,com barros do Felgar cá fora.Quando fechou ,transformaram
a porta em janela, e ainda hoje isso se nota nos arranjos do granito.
-- Moncorvo é a Praça onde todos os caminhos vão dar.
Um vosso criado,
HEj
Acabei!Bô beber um tintol ao Carró.
HEj
Acabei!Bô beber um tintol ao Carró.
Botei a preto o que gamei, se pintasse de azul ou amarelo
,diziam logo;- olha o troca-tintas!
Fotos: a 2ª e 3ª( N.M.F.D.S.) ,a 1ª,4ª e 5ª (A.F.M.) a última, P.S.J.
Nota do editor :texto recuperado de um comentário a um post.Publcado a 26/03/2012
Fotos: a 2ª e 3ª( N.M.F.D.S.) ,a 1ª,4ª e 5ª (A.F.M.) a última, P.S.J.
Nota do editor :texto recuperado de um comentário a um post.Publcado a 26/03/2012
António Gil viveu em Felgueiras e foi emigrante em França. Todas as manhãs ele se deslocava de comboio para o trabalho e na estação de Versailles diariamente ele via um cavalheiro a passear na estação, enquanto esparevam pelo comboio. Um dia ganhou coragem e dirigiu-se ao "passeador" perguntando-lhe:
ResponderEliminar- O senhor é Português, não é?
- Sim, respondeu o outro.
- E é de Moncorvo, não é?
- Pois ou. E como sabe?
- É que só em Moncorvo se passeia assim.
Esta história foi-me contada pelo próprio. J. Andrade
Em certa altura passei uma tarde na barragem de Castelo de Bode, passeando de barco com outros 40 alunos de um curso de formação de técnicos de turismo cultural ministrado pelo Centro Nacional de Cultura. Depois do almoço, no barco, o amigo Botelho, de Ribeira de Pena, disparou:
ResponderEliminar- Ó Moncorvo! Vais ter de nos ensinar a passear à moda de Moncorvo.
- Como assim? - perguntei.
- Sim, à maneira de Moncorvo. De noite ou de dia, verão ou inverno, nunca passo na tua terra que não andem ali uns amigos a passear.
...
Poderia contar mais umas quantas histórias semelhantes que, em tempos, me levaram a escrever que esta era verdadeiramente "A ARTE SE SER MONCVORVENSE".
Perguntem, por exemplo, ao amigo sr. Abílio Dengucho como lhe falaram da praça de Moncorvo e da "arte" de nela passear, em S. Tomé quando ali se deslocou em 1975, com o amigo gen. Tomé Pinto para negociar a independência "monetária" daquele país.
Infelizmente hoje serei um dos raros "velhos do Restelo" a lamentar que a praça de Moncorvo tenha deixado de ser o centro cívico da vila e nela não passeiem doutores nem grandes proprietários, nem o juiz, nem o presidente da câmara, nem o director da Finanças, nem da Escola, nem... nem... Era bem melhor exercer o poder da ditadura à luz do dia, na praça, do que em outros sítios. E era também o melhor sítio para o António Putacá pedir uma esmolinha e um pobre doente de uma qualquer aldeia encontrar apoios para ser tratado num hospital de Coimbra ou do Porto. E ainda nos anos de 1980 era na praça que muitos trabalhadores esperavam que viessem camionistas (de Mogadouro, inclusivamente) para contratar os seus serviços. Infelizmente hoje na praça de Moncorvo não há vida e até é preciso deitar herbicida para impedir que as ervas cresçam! J. Andrade
Mas gostei muito de ler o texto do Horádio Espalha Junior. Mostr auma cruel realidade de outros tempos. Gostaria era ter capacidade e ganhar imaginação para escrever um texto ao contrário falando dos alunos do Colégio Campos Monteiro que, à tarde e à noite vinham para a praça passear comigo e aproveitavam para tirar dúvidas que lhe ficavam das aulas. Especialmente recordo aquela turma do 4º ano de 1969/70. Até as meninas iam aprender a passear na praça! J. Andrade
ResponderEliminarLi este excelente texto e gostei!Já agora pergunto:
ResponderEliminarE a menina Nazaré que tinha uma lojinha simpática na rua das Flores?
E o "soto" da D.Cota Areosa?E vou agora dirigir uma palavra de apreço ao meu Professor de História o homem que tem sempre resposta para qualquer pergunta:
Então o SR. Prof.que escrevia para o Mensageiro de Bragança(e muito bem)vem agora dizer que não tem imaginação para escrever um texto a falar dos seus queridos alunos da década de 69/70...?Não acredito!E diz o Sr.Prof.que as meninas iam aprender a passear na Praça?Verdade?Fico à espera e estou plenamente convicto que vai ser um texto exemplar.É um desafio de um aluno dessa época.Com elevada admiração pelo seu excelente trabalho.
PS Já agora diga-me:quem era esse dr Amável?!
Daqui envio um grande, mas mesmo muito grande, abraço de amizade ao HEj em meu nome e dos meus irmãos, um infelizmente já falecido.E de agradecimento pelas vivas memórias que me despertam as suas palavras de grande vivacidade e que me deixam cheio de orgulho pelo apreço que demonstra pelo meu Pai. Hoje também , como cirurgião do IPO, faço cortes no "pano" e os suturo com o mesmo esmero e disso tenho o maior orgulho!Fico-lhe eternamente grato pela evocação. Pelo sentimento. Pela ternura da evocação. Por tudo. Um dia vou dedicar-lhe um poema. Cá do fundo.
ResponderEliminarDaniel de Sousa
E o poema que irá dedicar ao nosso famoso HEJ não vai ser inferior ao esmero que põe na sua profissão.Tem provas disso no blogue a que,infelizmente,pôs termo.
ResponderEliminarUma moncorvense
Roubando a frase ao Rogério, sinto-me "comovido a Nordeste".Urros,terra de tecedeiras,seu Pai, alfaiate e o Daniel sempre com uma agulha estre os dedos.Saíu daqui raparigo mas levou as fragas no sangue.Obrigou-me a escrever fora do meu espaço.Bem-haja.
ResponderEliminarHEj
Gente boa, gente linda,.. De moncorvo e seus arredores tudo que floresce e vive é sabedoria, nobreza e dedicação. É muito bom saber que em todos os cantos do mundo e do nosso Portugal há moncorvenses nobres e sábios. Muito obrigada Moncorvo .
ResponderEliminarObrigada por me relembrar a minha infancia esta era a praca que eu conheci. Todos os nomes citados me sao familiares .obrigada por mos relembrarem.
EliminarAfinal quem é este Horácio Espada Júnior?É um pseudónio de certeza.Bem humorado e conhecedor de uma realidade vivida.Como era Moncorvo naquele tempo,tenho pena não viver no tempo dos nossos pais.Pobretes mas alegretes.
ResponderEliminarArlindo da Vide