Chove na aldeia. Os telhados das casas, agora mais solidários e tristes, parecem aproximar-se de nós e da terra, numa cumplicidade insondável!…
Abro as portas da minha varanda, à procura de ar fresco! recolho-me num cantinho, abrigada de algum fustigo. Sabe bem!... este cheiro,… esta luz!... estendo o braço, um arrepiozinho de vento, daquele lado, anuncia, mesmo, a mudança.
Ainda se sente o ar pesado, quase a desfazer-se da humidade densa e taciturna do início da manhã, para se abrir em torrentes de paz e de renovação. As folhas das árvores, moles de verdura e de transparência, movem-se, ligeiramente, ao toque deslizante da água, que escorrega em vagarosos pontinhos translúcidos, redondos e salivantes, fustigando algum passarito que, amedrontado, ali se abrigou, palpitante de leveza e de fragilidade, na insegurança de um ramo incerto e curto, na extensão da vida; a terra deitou alguns salpicos de poeira, aqui e ali; há um cheiro diferente no ar! Em tudo se adivinha a água. .
Aqui na minha rua, as pessoas, até agora sentadas a conversar, levantam-se, relutantes, e metem-se em casa, ou encostam-se à ombreira das portas; agora uma nuvem mais densa parece aproximar-se; o ar escureceu; e uma saraivada de água, acompanhada de vento agita as árvores e varre os telhados, lamuriando, em segredo, o curso das nossas vidas; o monte do Poio, ganha mais relevo, está mais presente, e engrandece-se de pesados e escuros castelos de nuvens; outrora, de fartos sóis de esperanças; e no terreiro vizinho, a água escorre pela calçada abaixo, levando com ela os sonhos dos meninos de antigamente, em simples barquitos de papel, ou de cortiça, frágeis, porém, carregados de vidas, enquanto a altura das casas se reflectia numa pocinha de água. Os ramos das árvores vergam-se ao peso da chuva; e as folhas, também elas choram, em catadupa, as saudades de tempos idos…
Chove na aldeia; os balcões das casas a transbordar de água, devolvem-nos imagens, cinzentas, brilhando, humildemente; fervilha a água nos caleiros; os homens, antes de ela apertar, desenhando-se em estreitas bátegas, ou apartando-se em grossos pingos, recolheram-se de baixo dos balcões, de chapéu levantado, na coroa da cabeça, mãos nos bolsos, a olhar o tempo e a cogitar sobre banalidades de conversas ocas, traços de união com os quais se identificam; porém, tão verdadeiras quão evidentes e naturais: a povoação, está a ficar sem gente…uma terra como esta! Aqui havia tudo, homem! sapateiros, alfaiates, latoeiros, fábricas, sim …num se fazia cá a telha? lá im baixo, no Prado, e outra fábrica ali nas Eiras e ali, o lagar do azeite, quantos cá havia…?; e a moagem, aqui, na Fonte Nova…; olha, antigamente, quando tchuvia, era tudo, aí, a prantar caldeiros, a aparar a auga! Ai agora! Agora já ninguém diz auga.
Antigamente, era um ror de gente!
Os cães, de olhos postos no chão, passam, vagarosamente no cimo da rua, e param a meio do caminho, de focinho levantado, silenciosos, de pêlo escorrido, como a sentir a mudança, que vai tomando conta das vida, em redor.
A. Andrés, Antigamente era um ror de gente!
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Misé Fernandes disse: Delícia de "retalhos" da nossa história, obrigada Tininha:)
ResponderEliminarEm tarde estival, soube-me bem este texto de chuva na aldeia de ruas e campos lavados !
ResponderEliminarObrigada , Tininha.
Agora vou estar ausente um mês.
Tudo de bom para os Amigos e Amigas.
Júlia
Amiga Júlia, ficamos à sua espera!
ResponderEliminarE volte bem cedinho!
é que a gente vai-se habituando a esta tertúlia de amigos, bem agradável.
um beijo,
Tininha