Martins Janeira em 1971,recebendo o Grande Cordão da Ordem do Sol Nascente |
Nascido em Felgueiras (Trás-os-Montes), em 1 de Setembro de
1914, Armando Martins fizera em Lisboa a licenciatura em Direito, tendo, uma
vez obtida esta, leccionado no "Colégio Campos Monteiro", de Torre de
Moncorvo. Em 1939, com 23 anos, entrara na carreira diplomática, o que lhe
permitiu percorrer um bom pedaço de mundo: Congo Belga, Austrália, Japão,
Itália, Inglaterra... O Japão, onde esteve, por duas vezes, de 1952 a 1955,
como primeiro secretário, e de 1964 a 1971, como embaixador, foi o seu grande "encontro"
e paixão, o foco mais intenso dos seus estudos.
Tornou-se um orientalista de
reputação internacional, tendo participado em congressos, nesta área, em
Quioto, Oxford, Paris, Milão, Florença, Nice. Fez conferências em universidades
de Oxford, Londres, Cambridge, Viena, Tóquio, Quioto, Pequim, Nova Díli,
Nanquim, Singapura, Vietnam, Catmandu, etc. Possuía uma candura de velho sage
intemporal, a um tempo distraído e muito atento. Marimbava-se, literalmente,
para as convenções e protocolos: o dragão do protocolo inglês passou, com ele,
as passas do Algarve... Disse-me, um dia, que sufocava com toda aquela
pageantry inglesa. Certa vez, durante uma recepção, na Embaixada, fomos dar com
ele — tendo abandonado afoitamente a sala onde estavam os convidados a trincar
o croquete da praxe — descontraidamente sentado num degrau da ela escadaria da
residência, com a nossa filha mais nova, então com 15 anos. Perante o nosso
espanto diante de tanta desenvoltura protocolar, confiou nos que ele e a
Manucha tinham muito em comum e que estava muito da conversa... E
interpelou-nos: "Por que é que não a trazem mais vezes para conversarmos?
Temos muito a aprender um com o outro… Às vezes, eu atingia o
desespero: levava-lhe, na manhã de sexta-feira, para seguirem nesse dia, por
mala diplomática as minhas Informações de Serviço, com os ofícios a
capearem-nas e a serem por ele assinados, além de um ou outro assunto a
discutir. Assinava os ofícios sem pestanejar, mas quanto ao resto, ficava
numa grande impaciência, levantava-se, pegava — me pelo braço e "Ó meu
amigo, deixemos isso para outra ocasião. Está um dia tão bonito! Olhe, vamos
sair, convido-o para almoçar... Vamos conversar!" Eu lá ia, com muito
prazer, mas, ao mesmo tempo, aflito, a ver quando o apanharia disposto a
falarmos do tal assunto. A consideração em que era tido no Japão, pude
verificá-la, num dia em que um ministro japonês (não posso garantir que não
tivesse sido o Primeiro Ministro...) veio de visita a um qualquer país da
Europa, com escala por Londres. Tinha tempo suficiente para sair do aeroporto e
vir à cidade. Pois fez questão de dirigir-se à Embaixada de Portugal e
cumprimentar o embaixador Armando Martins. Devo ainda ao embaixador Armando
Martins o privilégio de ter conhecido pessoalmente, na Embaixada japonesa, em
Londres, o grande escritor japonês Shusaku Endo (o Graham Greene do Japão, como
se lhe chamava...), sobre cujo romance, Silêncio, eu faria mais tarde uma
comunicação, num congresso realizado em Santa Barbara: um ensaio que me saiu
das entranhas feridas, pela sondagem ao reino do horror que naquela ficção se
faz. Armando Martins permaneceu no posto até Setembro, altura em que passou à
disponibilidade. Eu vê-lo-ia, depois, algumas vezes, no Estoril, almoçando com
ele, uma ou outra vez. Devo-lhe ter sido apresentado, pela primeira vez, a um
peixe que de todo desconhecia: o tamboril! A embaixatriz, Ingrid Bloser, era
uma senhora de origem alemã, bonita, magra, exímia especialista nos arranjos
forais japoneses – ikebana – sendo até das poucas pessoas ocidentais a quem foi
dada permissão de ensinar, no Japão, essa exigente arte floral linear e
harmoniosa. Falava um português cantante, bonito, com algum sotaque que lhe
acrescentava um sedutor condimento.
Fonte: Acta Est Fabula - Memórias -IV- Peregrinação:
Joanesburgo. Paris. Estocolmo. Londres (1976 - 1995) de Eugénio Lisboa . Opera
Omnia Editora
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