No dia 9 de Junho, inserido nas
comemorações do Dia de Portugal, o actor do "Teatro Nacional", Carlos
Cabral, deu, na residência da Embaixada, um recital de poesia portuguesa, que
incluía, entre outros poetas, Jorge de Sena e Camões (Sena aprovaria, com
algumas reservas, esta "aproximação" ...) Nesta mesma sessão comemorativa,
o embaixador Armando Martins proferiu uma palestra dedicada ao Bardo, a que deu
o título de "O Meu Camões". Esta palestra, ou antes, a sua
preparação, teve o seu lado cómico. Duas semanas antes, o embaixador entregou
um suculento manuscrito, para ser dactilografado, à sua secretária, Helena
Arouca. Quando esta acabou o trabalho e lhe entregou o dactilografado, Armando
Martins leu-o minuciosamente e fez-lhe tão profundas alterações, que obrigaram
a secretária a dactilografá-lo de novo. Isto repetiu-se várias vezes, até ao
dia 9.
Nesse dia, após o recital de Carlos Cabral, que não foi muito extenso,
Armando Martins veio ao "proscénio" e dispôs-se a ler a sua tão
trabalhada glosa sobre Camões. Arvorou triunfalmente o dáctilo-escrito — qual
Camões salvando Os Lusíadas, na foz do Mekong — aproximou-o lentamente dos
olhos e viu-se-lhe, de repente, no rosto, sinais inconfundíveis de repulsa...
Meteu, decididamente, o manuscrito no bolso e declarou-nos que lhe não apetecia
ler aquela prosa mexida, remexida e multiplamente refundida. Iria falar de
improviso, consoante oque lhe ditasse o coração. E assim fez, ficando nós sem
saber quem era afinal o Camões do embaixador! ("O meu Camões" ) Era
assim Armando Martins: espontâneo, errático, informal, odiando protocolos, no
país em que o protocolo é rei e o chefe do dito manda pôr em sentido o próprio
monarca... Jean Cocteau, que era francês e não inglês, dizia que o tacto é a
arte de saber até onde se pode ir longe demais. No inflexível protocolo inglês,
nunca se permite ir longe demais. A não ser quando se é membro da família real
e, então, a coisa dá mesmo para o torto, in a big way...
Fonte: Acta Est Fabula - Memórias -IV- Peregrinação: Joanesburgo. Paris. Estocolmo. Londres (1976 - 1995) de Eugénio Lisboa . Opera Omnia Editora
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