quinta-feira, 10 de novembro de 2016

CRÓNICAS DE MOGADOURO. Por: António Pimenta de Castro

                                                               CHEGOU O OUTONO  

                                Chegou o Outono...caíram já as primeiras bátegas de água...”Os Deuses” não se esqueceram dos homens e enviaram a chuva que vai fecundar a Terra-Mãe. A Natureza, depois da canícula tórrida do Verão, está desesperadamente amarela...ávida de chuva, com a “pele” gretada. Aqui e além vêem-se manchas negras de incêndios...a terra suplica por água que, como qualquer peregrino após longa caminhada, está cheio de sede...Cai a primeira chuvada...a água escorre pela face da terra, como lágrimas de gratidão em face humana...É este o milagre da vida!...
            Para trás ficou mais um Verão, lembranças de um tempo alegre em que descontraidamente se passaram férias junto ao mar...tempo de passeios com a família, de refeições ao ar livre, debaixo de sombras, à frescura de um rio...tempo em que recebemos amigos e visitamos terras lindas...
            Chegou o Outono...é tempo de regressar a casa...Agora ao vermos cair a chuva por detrás de uma vidraça, invade-nos uma estranha tristeza...como se a vida perdesse sedução, como se de repente se esfumasse a magia...ecoam ainda em nós as alegres canções ouvidas nas noites quentes de Verão, mas a “música” da chuva chama-nos à realidade, é tempo de voltar ao aconchego do lar, ao dia a dia, enfim, à vida...Mas estamos tristes...nem o perfume que exala da terra quente após uma chuvada, nos contenta...e no entanto, a vida chama-nos, o ciclo da vida continua, é o eterno retorno...
            Como por milagre, as ruas da vila enchem-se de estudantes, quais andorinhas que regressam todos os Outonos contagiando tudo e todos com a sua alegria...no campo, ouvem-se “roncos” de tractores, ao longe, nos montados, recolhendo lenha para a longa invernia que se aproxima. Nas vinhas ainda se ouvem vozes alegres, são as derradeiras vindimas...
            É sempre com uma certa nostalgia que encaro a vinda do Outono, não sei explicar bem porquê, no entanto, é uma das épocas do ano que mais gosto, talvez por ter nascido em Outubro...não sei, o que sei é que adoro sentir o perfume da terra após uma chuvada, de pasmar perante a imensidade das cores das folhas das árvores e das vinhas, com as suas mil tonalidades, antes de caírem (aqui a Natureza usa todas as cores da sua paleta), de ver os primeiros fumos das chaminés a subirem ao céu, como em súplicas ao Criador, enfim, de estremecer aos primeiros frios...
            Como dou graças ao Criador por viver aqui, em Trás-os-Montes, no meio desta Natureza linda, a quem o Santo de Assis chamou nossa irmã...Como tenho pena daqueles que vivem na cidade, rodeados de betão e que apenas sabem que é Natal porque na televisão aparecem os anúncios da sociedade de consumo, anunciando que é tempo de fazer compras, ou pelo homem vestido de vermelho, de longas barbas brancas, que saiu de um anúncio da Coca-Cola...Aqui na Província, com as raízes bem fundas, os olhos espraiando-se pelo horizonte, metemos a mão na terra, agarramo-la e sentimos o seu cheiro.
            Não, os “da cidade” não vão aos bosques colher cogumelos, não sentem o cheiro a mosto e a vinho novo nas adegas, não provam a aguardente quente a sair dos alambiques. Não, não ouvem a bucólica “música” do chocalhar dos rebanhos, nem estremecem na cama ao “cantar das almas”. Nem se apercebem da despedida das andorinhas, nem sentem, com vossa licença, o “reco” a medrar na loja, com a farta vianda, aguardando o ritual da matança.
            Como é verdade a vida aqui! Aqui ainda se olha o céu a pedir chuva, ainda se cospe nos calos das mãos para as esfregar uma na outra, antes pegar no cabo de um “sacho”. Ainda se passa pela horta para se levar para a ceia umas couves. Aqui, ainda se apanha azeitona à mão, como quem desfia um rosário...
            Não, quem nunca soube ouvir a “música” da lenha a arder numa lareira, nem apreciou o “bailado” do fogo em volta dos “rachos”, numa noite fria, nem a sinfonia modorrenta dos testos de uma panela a saltitar em cima de um pote ao lume, não pode saber o verdadeiro sabor da terra.
            Queremos convidar o amigo leitor a visitar Trás-os-Montes neste Outono. Convidamo-lo a vir connosco, aproveitando uma réstia de sol, ver os tons vermelhos, esverdeados e amarelos das folhas das vinhas, dos carvalhos e dos castanheiros. A vir comer uma boa posta, um arroz de lebre ou uma deliciosa perdiz, acompanhados por um bom vinho tinto. Convidamo-lo a vir connosco ao monte colher cogumelos, a beber um pouco de aguardente ou provar o vinho novo, esse “néctar dos Deuses”. Vir comer castanhas assadas, passear por montes e vales, em que a mãe Natureza, no seu “instinto” de eterna renovação, todos os anos cumpre o ritual, sempre novo, da metamorfose das cores e dos sabores. A vir saborear o sabor da terra, transformada em caça, castanha, pão, vinho...Enfim a vir provar a vida...


                                                               Mogadouro, princípios de Outono de 2013.  
                                                                 António Pimenta de Castro                    

11 comentários:

  1. Abilio Da Ressurreicão Aires :Bela descrição do que somos, do que que se faz e do que são as nossas terras! Parabéns!

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  2. Manuel Bento Fernandes :Que maravilha de texto sobre a identidade do estar em Trás-os-montes. Merece ser divulgado e partilhado.

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  3. Maria Da Conceição Crisóstomo: Que texto perfeito!

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  4. Antonio Abrunhosa :isso é verdade uns vivem por cá são obrigados ,por causa dos filhos outros esposas trabalham ,mas como é bom viver por esses lados

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  5. Anto Affonso-Art Poesis :Belo texto de A Pimenta de Castro...

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  6. Palavras sàbias..e simples..que fazem bem...!! gostei..

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  7. O outono é lindo.. Este texto é mais uma ilustração desta bela estação.. Parabéns a quem com palavras o sabe pintar..

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  8. Lindo texto que retrata tão bem a nossa querida região.Parabéns!
    Irene

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  9. E com um Outono destes, quem teria medo do inverno?!

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