“A sopa comíamos sempre, e um peixinho, não era daquele mais
caro claro. E a minha mãe quando tinha alguma reserva, já nos assava um
bocadinho de carne, pouca naquela altura mas estava habituada e trazia-nos
sempre bem. Eu andei descalço até aos oito anos. No lugar onde tenho as
propriedades, andei lá muita vez descalço”.
Para Jaime Guerra e mais seis irmãos a vida não correu como
sempre se espera, pelo melhor, e o trabalho para todos veio cedo. O seu pai
faleceu novo, e a família tinha que se sustentar. Depois de deixarem a aldeia
onde nasceram, em Mazouco, regressaram a Freixo e todos tiveram que ajudar a
mãe, que nunca lhes faltou com nada. “A vida era muito má mas felizmente a
minha mãe era muito boa, muito cuidadosa de nós e trazia-nos sempre limpos”.
Ainda descalço, aos 12 anos, começou a aprender a arte de
sapateiro que manteve durante mais de vinte anos. “Não tínhamos sapatos, e eu
ia ao sapateiro para que me desse umas pontinhas do cabo, aqueles restos que
ficam, e comecei a fazer alguma coisa e pedia ao sapateiro se me ensinava.
Naquela altura, era um acordo de dois anos, de graça, não recebíamos nada. A
partir de ano e meio, eu já tinha alguma habilidade e disse ao patrão, [você
não me paga, eu procuro outra pessoa]. Fui para outra pessoa e ganhava naquela
altura, cinco coroas que eram os dois e quinhentos, por dia, era pouco mas dava
jeito”. Aos 16 anos já fazia calçado completo e por esta altura os seus pés já
não deixavam as marcas no gelo dos invernos rigorosos.
A vida começou a ver dias melhores e Jaime decidiu emigrar
para França onde esteve 13 anos mas o amor aos filhos haveria de o fazer
regressar a Freixo de Espada à Cinta onde decide estabelecer-se com a sapataria
que dura até à chegada do mercado chinês.
De há 9 anos a esta aparte que se ocupa da agricultura.
Todos os dias vê a terra que tantas vezes percorreu descalço com os irmãos,
quando iam buscar lenha para se aquecerem, às vezes a 10km de distância. Hoje
quando pensa ainda se assusta , foi um passado alegre mas ao mesmo tempo
triste, diz. Já vai longe e agora, a mesma terra que um dia lhe deu
sacrifícios, trata-a ele, com a alegria possível.
Joana Vargas
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