domingo, 5 de maio de 2013

Dia da Mãe, por Júlia Ribeiro


A minha mãe gostava muito de cinema e quando vinha no verão matar saudades da filha e dos netos, eu procurava proporcionar-lhe umas idas ao cinema. De preferência quando corria algum filme português ou brasileiro, pois a minha mãe não sabia ler. (É a minha maior vergonha, mas isso seria outra história).
Um dia vi que estava no cine-teatro o filme “Dona Flor e seus dois maridos”, baseado no romance de Jorge Amado. Eu havia lido praticamente toda a obra do autor, mas escapara-me a  Dona Flor e os seus dois maridos.
Os miúdos ficaram com o pai e a minha mãe e eu fomos ao cinema. Claro que eu não sabia que o filme continha aquelas cenas eróticas. (Quem o viu, sabe do que estou a falar).
A certa altura, no meio de uma cena de sexo quase explícito, esquecendo que havia pessoas à nossa volta,  a minha mãe  pergunta em voz alta:  “Aquilo é uma mulher de verdade?”   
Eu fiz: “Shiu, mãe, as pessoas querem ver o filme”.
Respondeu, talvez um nadinha mais baixo: “Eu só perguntei se aquilo é uma mulher a sério”.
“É uma actriz, que está a representar. É tudo a fingir.”.
“Ah, bem me queria parecer que uma mulher a sério não se ia pôr “incoiratcha”, naqueles preparos, à frente desta gente toda” .
As gargalhadas estalavam à nossa volta. Eu só pensava: ”Como é que vai ser quando as luzes acenderem?”  Quando as luzes acenderam, eu fiquei muito quieta, de cabeça baixa, mas a minha mãe olhou de frente para toda a assistência.
Então, atrás de nós, ouviu-se uma voz masculina: “Realmente, uma mulher a sério não  se  ia pôr naqueles preparos à frente de tanta gente ”.
A minha mãe tocou-me no cotovelo e, muito assertiva, exclamou: “Tás a ver? Eu tinha razão”.
No Dia da Mãe dou sempre comigo a pensar que a minha própria inocência terminou no dia em que a minha mãe morreu.

Leiria. 4 de Maio de 2013


Júlia Ribeiro

10 comentários:

  1. Das outra mães ninguém fala,as que queimam,afogam,despejam nos contentores,abandonam nos carros etc.
    Ler o correio da manhã é um bom exercício para entender as relações mãe e filhos.O pai é igual com a agravante de ás vezes ser pedófilo.
    A família é uma invenção da igreja para nos controlar.O sangue não existe,só na cabidela tem algum valor.
    Eu provavelmente sou filho de um preservativo roto.
    Exposto

    ResponderEliminar
  2. Grande mal lhe causou a família para vomitar tanta raiva !!!

    ResponderEliminar
  3. Meu pai foi a Angola,anos 80, tratar de uns negócios,passaram-se 3 meses,quando regressou soube que a nossa mãe era amante do seu melhor amigo.Divórcio,partilhas e ela que foi toda a vida dona de casa,tratava de nós,eu e mais dois irmãos,levou metade do trabalho de uma vida inteira.Dizem que mãe há só uma.Se é verdade por que me calhou a mim e aos meus irmãos?
    Não aprendemos nunca,acabo de me divorciar.Mútuo acordo,as gémeas ficaram com ela,ganha bem e neste caso quem meteu a pata na poça fui eu.
    Foi um desabafo.O texto tem muita qualidade ,humor e amor.Parabéns.
    Anónimo

    ResponderEliminar
  4. Já que non foi felix em piqueno , dezejo-lhe muntas felcidades.
    Tamem gostei do escrito da senhora julia.
    De Lille mando um abraco para todos e para os Farapos.
    Albertina Silva

    ResponderEliminar
  5. Uma sena do camargo . Vá contando , ca gente tem de se ir rindo .

    ResponderEliminar

  6. Linda história para lembrar o dia da Mãe...Eu adorei,
    Os meus parabéns, e um obrigado, também sou Mãe...!
    Achei muita graça á palavra que aplica quando se está nua,
    eu já conhecia, a família de meu marido é transmontana...
    Saudações, e um bem haja! Célia Sousa.


    ResponderEliminar
  7. Olá, Blogueiros:

    Obrigada a todos os comentadores: aos felizes e aos nem tanto. Em tudo há excepções.É assim a vida.
    Mas eu tive uma mãe extraordinária! Até parece que foi escolhida por mim.
    Isto é, se me tivesse sido dada a possibilidade de escolher, eu só teria escolhido a minha mãe.
    Fui muito afortunada.

    Abraços para todos e façam lá o favor de serem felizes.

    Júlia Ribeiro

    ResponderEliminar
  8. Gostei muito da historia, mas a imagem dos passarinhos e uma ternura ! Que coisa tao linda !
    Entro as vezes aqui porque tenho muitas saudades do meu Tras-os-Montes.

    Elisa Maria

    ResponderEliminar
  9. Parabéns à autora,a nossa querida julinha,que com este texto simpático
    homenageou a sua querida Mãe.
    Estou a ver a filha enternecida e provávelmente envergonhada ao lado da Mãe ao assistir àquelas cenas algo atrevidas,senão muito...A Mãe numa linguagem simpes e típicamente Transmontana,a comentar todo aquele"refustedo"e a imaginar que tudo aquilo era ,de facto,real.
    Parabéns minha querida Senhora pela sua nobreza de alma!
    Continue a cultivar esse dom,que o Mundo precisa e agradece.
    Com um beijo enorme de estima e admiração
    Irene

    Nota:a foto é uma ternura e simboliza bem o carinho e amor Maternal.

    ResponderEliminar
  10. Obrigada Elisa, obrigada Ireninha:
    Para ambas dois abraços grandes.

    Júlia

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.