quarta-feira, 8 de julho de 2015

"Meninos da Roda” e seus descendentes

 A propósito de uma das “Efemérides” de ontem , Sábado, dia 18 de Junho, ( excelente trabalho de investigação do nosso Amigo António Júlio Andrade) , sobre “Crianças Expostas na RODA “, escrevi o seguinte comentário, e passo a citar :A minha avó materna foi uma das muitas crianças colocada na Roda dos Expostos.
O mais estranho é que, ainda depois de Abril de 1974, esse ferrete está claramente expresso na minha certidão de nascimento, pedida em Dezembro desse ano para poder inscrever-me como eleitora, uma vez que o meu nome não constava dos cadernos eleitorais antes de 25 de Abril de '74.
Lamento não saber postar, pois tenho aqui a digitalização da referida certidão de nascimento.
Júlia
18 de Junho de 2011 23:48

Agora que já sei que nos comentários não se colam imagens, aqui está a digitalização que referi no comentário.
Foi esta certidão passada em 18 de Dezº de 1974 e nela são ainda bem claros os sinais estigmatizantes para as crianças e, no meu caso, para além de:
a) neta materna de Maria Júlia Exposta:
b) o estado civil dos pais: . pai – casado ; . mãe - solteira;
c) A criança (eu) era filha ilegítima, apesar de já perfilhada pelo meu pai desde 1972, ano em que a lei da perfilhação foi alterada. Essa lei, extremamente rígida, estabelecida na “Concordata” entre Portugal e a Santa Sé, protegia ferozmente o matrimónio celebrado pela Igreja .
Essa protecção era tão eficaz que, antes de 1972 , as crianças na minha situação eram consideradas - escrito, preto no branco - “filhas de pai incógnito”.
Em 2006 precisei de nova certidão de nascimento. Ei-la aqui, também digitalizada. Finalmente, e para espanto meu, já não sou “filha ilegítima” e agora o estado civil de pai e mãe estão omitidos.
Só que já tenho quase 73 anos. E quando teria dado o braço direito para ser uma criança como as outras, fui , de acordo com os cânones da beatice e da hipocrisia da gente grada de Moncorvo , apenas “zorra”. Felizmente, as pessoas boas e honradas da Vila e da minha Corredoura sempre me acarinharam . Para elas a minha profunda amizade.
Abraços

Júlia

Nota do editor:click nas imagens(certidões) para aumentar.

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11 comentários:

  1. Este é o testemunho muito corajoso de alguém descendente de uma "menina da roda",de apelido Exposta;são palavras amargas mas lúcidas de quem soube derrubar preconceitos e perceber o que é realmente importante na vida.A Julinha sabe honrar a memória da Avó e da Mãe,que a amaram e educaram para ser aquilo que é: uma verdadeira Mulher.
    Um abraço comovido de

    Uma moncorvense

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  2. E pelo que leio da Júlia, foi muito amada e muito bem educada. Parabéns, PELA CORAGEM, PELA FRONTALIDADE! com muita admiração e amizade!
    um beijão!
    Tininha

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  3. Dra. Júlia:

    Fiquei tão comovida com o que nos contou. Mas olhe que ainda há quem tenha saudades desses tempos tão ingratos. Também reparei que a sua avózinha continua a ser chamada Exposta , mesmo em 2006. Não está certo.
    Eu admiro muito a Dra. como admirava o seu marido.

    Alex Cristina

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  4. Recordo:A Igreja não quereria “zorros” nos seminários. Os dotores passeavam na praça, iam à missa aos domingos e as protegidas viviam no Cabo ,Misericórdia, Corredoura…No velho Asylo padres e administradores mantinham o seu harém longe da vila. A Dona Carlota mandou construir um convento para freiras na sua quinta. Para ir para o céu. Não dava esmola às mulheres. Elas tinham uma carteira entre as pernas,dizia. O padre nas aulas de moral sentava as meninas ao colo.A Maria Violeira tirava os três aos meninos para serem homens. O Cágado das Moscas estava proibido de entrar na igreja :.era paneleiro, diziam. Algumas famílias do centro da vila eram descendentes de padres. As criadas eram para todo serviço. Era o anterior regime no seu esplendor.
    Os jornais dizem que se vendiam crianças (780)em Espanha desde Franco até 1989.
    Quando acabei de ler lembrei-me de Bertold Brecht.Obrigado ,minha senhora.Conheço-a melhor a si (que a não conheço pessoalmente)de que muitos dos meus amigos.
    A.G.P.

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  5. A Drª. Júlia será sempre lembrada e acarinhada pela sua coragem, pelas excelentes lições de ética, de moral , honestidade, que nos tem transmitido através dos seus livros e das muitas intervenções neste espaço, possam ser lições de vida para todos nós, que ainda estamos presentes, e, principalmente para os vindouros.
    AC

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  6. Grande mulher e grande querdoirense. Só era da bila por empréstimo.

    A gente da Querdoira manda um grande abraço

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  7. Quem assim fala, de certeza que tambem foi grande filha e neta.
    Dou toda a razão a A.G.P. Tambem não conheço pessoalmente esta senhora, mas admiro-lhe a coragem. É preciso ter muita força para nos dar esta lição de vida.

    Muito obrigado.
    José Araujo

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  8. Li, com algum atraso, o post da Júlia Ribeiro, dolorosamente documentado. Veio perturbar -- e não pouco-- o meu solitário farniente.
    Mas também compreendi que o sofrimento, sendo um dos caminhos mais difíceis, nos pode conduzir à tolerância.
    Noutra dimensão e noutras circunstâncias, também eu e outros, fomos objecto, que não vítimas ( devemos recusar o papel de vítimas) de uma sociedade visceralmente hipócrita, intensamente imoral,
    clandestinamente rancorosa, visivelmente medíocre. Não devemos ter ressentimento perante a safadeza.
    Recuso os almoços revivalistas, recuso-me a ter saudades do passado,apenas tenho saudade dos amigos que passaram mas que continuam a fazer
    parte do meu presente.
    Quem eram esses parasitas sociais que durante tanto tempo dominaram Moncorvo, face ao talento e generosidade da Júlia?
    Mas havia um poder latente, um poder que os julgados senhores ou desconheciam ou desprezavam. O poder da gente do povo, da que ficou e da que emigrou e pôs os seus filhos a estudar, o poder dos retornados,enfim, a democraticidde social com o regresso da Democracia.
    Nunca senti ressentimento, antes indignação. Prefiro a gente de hoje à gente de ontem. Estou apaziguado com o presente curado do passado (
    às vezes as cicatrizes incomodam). Obrigado, Júlia.
    Ai! que os demonios constroem muros na memória. Há que saltá-los para não morrermos em vão.
    Um abraço do Rogério.

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  9. Querida Júlia, daqui desta calma raiana lhe envio, comovida também, um abraço reconhecido e de admiração pela sua coragem e exemplo e pela generosidade desta partilha.
    A sua história de vida é digna de romance e não deixa ninguém indiferente, como se pode ver pelos tantos e bons comentários acima. Sem desprimor para ninguém, gostaria de deixar uma palavra de apreço a A.G.P., pelas verdades 'destapadas', que todos reconhecemos em histórias semelhantes por esse país fora, e ao Rogério (amigo dos meus amigos, que já 'conheço bem' de tanto ouvir falar bem, sem nunca o ter visto) pelo seu bonito texto, cuja última frase já retive e guardei.
    A mim, este relato toca-me também por motivos pessoais. A minha falecida Mãe era igualmente 'filha ilegítima', mas de 'pai natural' e de 'mãe incógnita' - coisa que sempre me fez uma grande confusão, por motivos óbvios... Sei que ela sofria imenso com esse estigma (tive pena de não ter sabido a tempo de lhe dizer que tinha essa característica em comum com o Eça de Queirós, de quem ela tanto gostava). Quando precisava de renovar o BI ou mostrá-lo em algum lugar era um tormento, que tentava disfarçar para os filhos, mas eu como mais velha percebia os cochichos com o meu Pai. Numa dessas ocasiões, fez com que ele conseguisse acrescentar no Registo Civil e BI mais um apelido dele, porque ela só tinha o do Pai e achava que, como senhora casada, devia ter dois apelidos de solteira e mais um de casada e assim tentaria iludir coscuvilheiros mal-intencionados... Penso que, por esta altura, já constava o nome dos dois progenitores no seu BI, mas mesmo assim, para ela, continuava a ser uma pessoa 'suspeita' de ser filha de pais não-casados, como tal ilegítima. E o meu Avô é que foi o verdadeiro Pai de todos os filhos da minha Avó (11 ao todo), que casou ainda não tinha dezassete anos com um senhor 'fino' da vila, que de tão desequilibrado apenas lhe deu duas filhas, algumas mordomias que o dinheiro paga e um monte de amarguras e sustos que a obrigaram a abandoná-lo com as crianças ainda pequenas. Depois, acabou por se 'amigar' (como dizem cá no Alentejo) com um homen bom e trabalhador, mas com quem nunca pôde casar. O marido do papel morreu louco e sem fortuna, já depois do meu Avô.
    Tanto sofrimento desnecessário! E a minha Mãe, sem ser pessoa de estudos (outro desgosto que carregava - como era mulher não foi estudar para a vila...), até era uma pessoa lúcida, prática, de horizontes largos, uma grande Mulher. Levou consigo este 'muro'; embora nós todos lho tivéssemos tentado derrubar, só conseguimos deitar abaixo alguns tijolos.
    Bem-haja, Julinha!
    São 'Contchi'

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  10. Oi, AVÓ !

    TU ÉS MUITO QUERIDA ! TU ÉS A MAIOR !!!

    Muitos bdeijinhos

    Caty, Inês, Simão e Joana

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  11. Amigos:
    As vossas palavras de afecto comoveram-me muito.
    Penso que o Rogério tem razão: os caminhos para a tolerância serão vários e variados, mas o do sofrimento deve ser o mais difícil. Principalmente quando são as crianças a sofrer. Queridíssimos Amigos, aqui vos deixo o meu obrigada, a minha amizade e um abraço imenso.

    Aos meus netos, muitos beijinhos de uma avó babada.

    Júlia

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