Fotos e texto enviados por Fernando Garcia a propósito do comentário de Júlia Barros Ribeiro ao post sobre o seu pai,de 21 de Fevereiro:
O Topolino amarelo das fotos deve ser o modelo referido pela nossa amiga Júlia ao relatar o episódio de apoio solidário do pai.
Nessa época a solidariedade era um sentimento com um sentir profundo, não um negócio como por vezes hoje acontece, e a honra escrevia-se com letras muito maiúsculas e pronunciava-se à boca-cheia; tinha sentido e fazia-se sentir!
Lamento, lamento muito, não ter escrito os episódios que os dois amigos viveram e o meu pai relatava; mais tarde, a memória é uma traidora com que temos de conviver e deixa apenas pequenos resquícios que nos baralham nas brumas da infância cada vez mais longínqua. Lamento, lamento muito . .
Resposta da nossa amiga Júlia ao seu(e nosso) amigo Fernando:
Caríssimo Fernando:
Era uma vez um Topolino amarelo... Não tão sofisticado como o da gravura : os guarda-lamas eram mais altos, mais largos e de calça mais arregaçada, os faróis muito mais salientes ... e, além disso, o meu pai dizia que o comprara em 2ª ou 3ª (ou 10ª) mão, em plena 2ª Grande Guerra, talvez em 1943. Segundo ele, o modelo era de 1936.
Mas o mais curioso é que ele e o teu pai lhe fizeram um acrescento: uma espécie de caixa aberta, soldada sobre uns tubos e aplicada atrás sobre a bagageira. Apesar de o motor ser enorme e pesado, aquele extra desiquilibrava o carro. Pensaram, opinaram e, depois de muito matutarem em como resolver o problema, acharam que o mais sensato talvez fosse não acrescentar nada.
Porém, o meu pai precisava mesmo dessa dita caixa para colocar a broca de pedal que não cabia dentro do carro. ( Lembrem-se que não havia energia eléctrica durante o dia nem em Moncorvo, nem em Vila-Flor nem em Mogadouro, nem em Alfândega, nem em nenhuma outra terra onde o meu pai ia duas vezes por mês, já que era então o único dentista por essas bandas ) .
Mas o desafio estava lançado: um dia pareceu-lhes que a solução do problema estaria nas rodas, que teriam de ser maiores e os pneus mais grossos. Não foi o suficiente: tiveram de colocar um determinado peso num lugar estratégico no espaço do motor. E não é que aquela geringonça funcionou ?! Funcionou mais de 10 anos, lutando com estradas que eram mais caminhos de cabras do que estradas. Em cada luta contra buracos, crateras, pedregulhos, se soltavam porcas e parafusos. E lá tinham o Xico e o Barros dentista de servir de mecânicos. Foi assim que o Xico Cabeças aprendeu não só a conduzir mas também mecânica automóvel. Talvez esse Topolino tivesse feito dele não só o melhor taxista de Moncorvo, mas também o mais consciente no referente ao coração de um automóvel : os segredos do seu motor.
Esse glorioso Topolino, modificado, acrescentado, amado por esses dois homens, teve um fim muito inglório. Talvez um dia ainda vos conte essa tristíssima estória que fez correr uma lágrima nos rostos do teu pai e do meu .
Um abraço
Júlia
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Gostava de saber o fim do Topolino...
ResponderEliminarEu tb. Gostei muito de ler. Obg.
EliminarEssas coisas como solidaridade, honra, vergonha foram chão que deu uvas Dr. Fernando. Agora é só corrupsão e mais não digo nem vale a pena.
ResponderEliminarUm amigo destes Farrapos.
Mas ainda há quem tenha vergonha na cara e dignidade,quem seja honesto e honrado e solidário,quem resista à corrupção e compadrios.Felizmente!
ResponderEliminarUma moncorvense
Alberto Adriano Maçorano Cardoso: É uma ideia muito válida.
ResponderEliminarGostaria de convidá-los a visitar o meu site:
www.olivrodosespiritos.com.br
Trata-se de um conhecimento muito importante para decifrar e entender as anomalias e tumultos da vida quotidiana
Todos estamos a ver que hoje em dia o povo só serve para os grandes o esfolarem vivo. Aqui como lá fora. Carne pra canhão e paga e não bufes Zé. É um regabofe de roubalheira e quem governa dá o mau exemplo. Cada um é pior do que o outro. Como é que as pessoas mudaram tanto? Concordo com a Moncorvense. Ainda há pessoas com vergonha na cara, mas é um grupo que está em vias de desaparecer.
ResponderEliminarOutra Moncorvense
O sr. Barros arrancou dentes à minha mãe e como eramos muito pobres nunca lhe levou dinheiro.
ResponderEliminarUm dia o meu pai tambem teve uma dor de dentes muito grande e foi lá. O Sr. Barros deu uma punhada numa mão do meu pai, porque ele trazia na mão um lenço, se calhar já não estava bem asseado e limpou a boca com ele. Contava o meu pai que foi uma senhora punhada. Tirou-lhe a dor do dente, mas deixou-lhe a mão a doer.
Maria Augusta do Prado
Continuo embasbacada com a memória da Julinha.Reter todos os pormenores da "cosmética"que os dois amigos fizeram ao "glorioso"Topolino,é obra!
ResponderEliminarEntão conte lá, com a mesma graça,a estória do seu triste fim.
Uma moncorvense
João da Torre :
ResponderEliminarEstou a ver que o Tipolino amarelo se finou num desastre. Paz à sua alma .
A alma do Tipolino era o motor, não era?
Ou estou a dizer disparates. São assim os Larinhatos. Mas olhem que também há muita gente fina que nem um alho aqui no Larinho.
João da Torre.
O Chico Cabeças era um bom taxista e um bom homem. Quando regressava de fazer um frete muitas vezes dava boleia a uma pessoa cansada.
ResponderEliminarQuantas noites de inverno levou o Leva-Leva podre de bêbado para a quinta do Sr. Luis Carvalho, para o pobre não morrer gelado.
Dr. Fernando pode ter orgulho no seu pai.
Julinha também pode ter orgulho no seu.
Alberto M.
Também gostava de saber qual foi o fim do Fiat amarelo.
Já contei o triste fim do Fiat amarelo no livrito "De Olvido e de Silêncio". A estória está na pág. 121 e tem por título "Como se fosse um cavalo".
ResponderEliminarEsse Fiat, à criança de 6 ou 7 anos que eu era então, deve ter parecido enorme e, obviamente, eu não sabia que teria pertencido à famosa série dos Topolinos. Lembro-me muito bem que era amarelo-limão e recordo perfeitamente o acrescento que o meu pai e o Xico Cabeças lhe aplicaram. Eu andava à roda deles e do carro para ir dando as ferramentas que me pediam: "Uma chave de fendas; uma chave inglesa; um alicate de corte; um limatão; ... " etc. etc. ( O meu pai, que já tinha uma filha, queria que eu tivesse sido rapaz e punha-me ao lado dele enquanto consertava uma das frequentíssimas avarias no carro. Por isso, eu conhecia as ferramentas e até aprendi alguma coisa de mecânica automóvel ) .
Ora, eis, em poucas palavras, o triste fim do Tipolino amarelo: alguém o retirou do lugar onde, há anos repousava - qual cavalo muito estimado - na garagem do Sr. Moreira ( junto à casa dos Areosas) e o deitou pela ribanceira do Canafechal abaixo. Terminou ingloriamente, lá no fundo, junto ao muro da Nória, feito um monte de sucata.
Os nossos pais, Fernando, não conseguiram reter duas lágrimas perante tamanha malvadez. Era o 1º carro do meu pai e o carro em que o teu pai aprendeu a conduzir.
Júlia
Que triste fiquei com este fim do belo Topolino! :((
EliminarQuem foi o safado que fez a porca dessa obra? Pode-se saber ?
ResponderEliminarA.F.
Já lá vão mais de 60 anos e os protagonistas desta cena já abandonaram o palco...
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