Nasceu em Angola há 86 anos, onde estudou e viveu com os
pais. O pai, gerente de uma grande empresa naquela cidade permitia que tivessem
um nível de vida que o desenvolvimento natural das grandes metrópoles via como
sendo normal. Mas cedo a vida trocou as voltas à jovem menina que aos 17 anos
perdeu a mãe e dois anos depois o seu pai também viria a falecer.
A vida de Maria Emília Parra mudou. Casou nova e a família do marido passou a ser o seu maior
apoio. O seu marido era natural da freguesia de Poiares em Freixo de Espada à
Cinta, uma aldeia, que para Maria era como que do outro lado do mundo, “quando
cheguei a Poiares viemos assim à noitinha, não havia eletricidade, e eu quando
cheguei se tivesse um buraco eu tinha-me metido dentro dele e ia parar outra
vez a Luanda”. A vida na aldeia era diferente e certamente aquela não era a
sua. [Fiquei em casa da minha sogra, vejo uma data de mulheres, estava tudo à
minha espera, eu o meu marido e os dois filhos pequeninos. Então as mulheres
estavam todas com uns xailes pretos e uns lenços pretos e eu quando entrei
disse assim para o meu marido “olha morreu alguém, estão a fazer um velório ”,
com uma luz de azeite que eram aqueles candeeiros de cobre com três bicos,
aquela luz ali e um candeeiro de petróleo”].
Maria
Emília Parra teve que se habituar aos modos de viver da aldeia. Agora já não ia
só nas férias, regressou de vez a Poiares por causa das saudades dos
filhos. O escasso desenvolvimento das
pequenas aldeias não incluía ter água canalizada ou luz elétrica pois a vida era
significativamente rural. “Foi a
primeira vez que vi uma lareira, em Angola não conhecia. A minha sogra tinha um
rádio, era o único que havia em Poiares e havia uma mulherzinha que fazia o
correio, que era a senhora Marcelina, vinha de Freixo a pé com a saquinha do
correio e onde é que ela entrava primeiro, em casa da minha sogra, estivesse a
nevar ou a chover. Essa senhora do correio entrava em casa da minha sogra e a
minha sogra tinha sempre uma tijela de sopas à beira do lume e tinha uns
sapatinhos pra ela se mudar porque às vezes vinha molhada e uma roupinha, e ela
aquecia-se ali...” De repente a vida na aldeia começou a ter uma importância
que não era material, era muitas vezes afeto que era dado de forma
descomprometida mesmo com o pouco de que se dispunha.
Desse
tempo Maria recorda memórias que lhe encantam o paladar e o coração como as
migas feitas ao lume com ovo escalfado e pão cozido em forno de lenha, ou as quebradas da amêndoa “que eram tão bonitas
e as pessoas cantavam”. Esta já era a
sua vida que a foi envolvendo cada vez mais no meio rural uma vez que ela e o
marido ali se dedicaram à agricultura. “A agricultura era muito boa, havia
muita amêndoa, os meus sogros educaram os filhos, todos os três, com o dinheiro
das amêndoas, das azeitonas e das frutas que vendiam; mais tarde é que se fez
um armazém prás amêndoas, havia amêndoas por toda a casa, nós na cozinha só pisávamos
amêndoa, nos quartos, era tudo, depois vinham os compradores de fora e pagavam
muito bem pela amêndoa”.
Agora
o viver da aldeia é novamente diferente, a tecnologia e os bens materiais
chegaram mas as pessoas, sobretudo as mais novas já não vão estando, e o
espírito de vizinhança também se modificou, [antigamente as pessoas, eu lembra-me ali em
casa da minha sogra, aquelas vizinhas iam lá “senhora Maria precisa de alguma
coisa”, “veja lá se quer que eu lhe faça isto ou aquilo ou o outro, a senhora
disponha”, sem interesse, hoje não...]. Agora a vida nas aldeias vai indo
devagarinho, como o comboio que Maria Emília apanhou em Vale Ladrões, quando regressou
de Angola. Agora a espera é pela renovada dinâmica que os espaços rurais tanto precisam.
Joana Vargas
Nota
do Editor
A
entrevista foi gravada em Dezembro de 2012. Maria Emília Parra faleceu a 16 de
Dezembro de 2015. A LB Produções presta através desta crónica, uma pequena
homenagem a esta senhora e as sinceras condolências à família.
Leonel Brito
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