Era
visível a diferença entre os dois: o António Fernando bem vestido, desempenado,
falador; o José Aurélio pequeno, calado como um rato, envergonhado, trajando
uns restos de roupa cosipados de qualquer maneira. Falou-se do último Natal, e
ao filho do homem que trabalha nas rutes luziram-lhe os olhos:
«Os
meus pais mandaram-me uma botas!»
Não
umas botas vulgares, umas botas…
«…novas!»
O
José Aurélio, esse, ganhou bem menos:
«Deram-me um Pai Natal de chiculate.»
«E
mais nada?»
«O
Pai Natal, pois.»
Também se diferenciavam na comida, como eu já esperava. Assim, o António
Fernando tinha dado bastante ao dente no dia anterior: ao almoço caldo, massa e
feijoada com salpicão, ao jantar caldo de novo, nabiça e toucinho. O José
Aurélio ficara-se por pão com naco de chouriço ao almoço, para atacar caldo e
morcela antes de se deitar.
Às
tantas o José Aurélio saiu a correr de ao pé de nós, e pensámos, os grandes:
envergonhou-se outra vez. Nada disso, nada disso – no minuto seguinte estava de
volta com um pão (e chouriço, não muito).
Moncorvo - zona quente na terra fria(In jornal REPÚBLICA ,de Março de1974;e
In TORRE
DE MONCORVO , Março de 1974 a 2009,
de Fernando Assis Pacheco ,Leonel Brito, Rogério Rodrigues, edição da Câmara
Municipal de Torre de Moncorvo).
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