António
Pintado, o contador de histórias
“Le
rouge, le rouge! Tem ferrugem, tem ferrugem mas eu cá me governo”. É assim que
António Pintado passa as tardes, entre piadas que lhe contam e diz, e histórias
verdadeiras que de tanta piada mais parecem mentira. Esta do “rouge” foi em
França quando esteve emigrado, “lá em França arranjei uma bicicleta velha no
lixo, (...) uma roda daqui, uma roda dali, uma armação daqui, ia a atravessar
um semáforo onde estão as luzes acesas que passam daqui, depois passam dali e
diz-me assim um francês “português, português, le rouge” porque ao vermelho
chamam-lhe o rouge e eu entendi que a bicicleta tinha ferrugem (...).
Andou
na escola mas diz, “não dava nada” e o pai depressa lhe arranjou trabalho, a
ripar azeitona onde ganhava três escudos. Mais tarde fez a tropa, “olhe não
tinha memória nenhuma e meti 110 toques na cabeça, e a tabuada de multiplicar
ainda hoje, sei-a toda”.
Aos
85 anos diz já estar esquecido de muita coisa mas não das histórias, adivinhas
e anedotas que no meio de cada conversa vai contanto, “que é que é, que é que
é, quanto mais alta está, melhor lhe chega? é a água num poço, se estiver muito
cheia o senhor com um regador chega lá mais depressa”.
Nos
tempos em França não falava a língua, “era por acenos” que se desenrascava nas
compras e em dois dedos de conversa nas pausas do trabalho. Foi assim durante
mais de dez anos. Quando regressou de
França, onde trabalhou como trolha, dedicou-se à pesca no Douro, “quando vim de
França meti-me de peixeiro, arranjei um barco, aprendi a arremendar redes e a compor redes e andei uns tempos bons com uns
amigos meus no barco, os peixes vendia-os cá na vila, a minha mulher ia com um
alguidar a vendê-los por a vila, ao quilo, a seis ou sete escudos”.
Foi o
mesmo Douro que uma noite atravessou para arranjar mais algum dinheiro, como de
resto era habitual na época e foi a Espanha buscar algumas roupas para vender
na terra, “se o senhor visse como estava a água fria, arranjamos ali dois
feixinhos de canas e dois cortiçinhos destes das abelhas que já estavam ali
velhos e passamos pra lá; fizemos à
moda de uma jangadinha e com umas cordinhas atadas pra levar a roupa em cima e nós íamos a nadar, um na frente e outro
atrás, a empurrar aquilo, veja bem ao que nos sujeitávamos...”.
Tinham
de correr o risco pois o dinheiro na época era escasso. O pai não o ajudou
muito, não sabia deitar contas à vida, diz, e ele teve que se fazer à vida,
“meu pai nas letras, não havia cá ninguém que soubesse tanto como ele, mas pra governar a vida era uma fraguinha
com dois olhos”. António Pintado teve que se desenrascar e trabalhou sempre em
mais do que um ofício. O dinheiro que foi ganhando na vida foi para fazer a
casa onde mora, “só ten
ho a casinha, eu e a mulher, não tenho mais nada deste
mundo”. É feliz e diz ser a fé em Deus que o tem ajudado em tudo na sua vida
que diz que “bem contada dava um romance”.
Aos
85 anos os seus dias são passados ao redor do Pelourinho. Não gosta de ir para
o café, faz-lhe mal o fumo do tabaco e prefere ir contando as histórias que
muitos já conhecem mas que continuam a ter gosto em ouvir pela simplicidade com
que António Pintado as diz. Agora não sai de Freixo, “quando era novo é que
gostava de correr o cão, agora quero é paz e sossego”. Vai ficando pela terra à
espera do mês de Agosto na ânsia de voltar a ver as filhas e os netos. E é
nestes encontros que todas as histórias são verdadeiras e onde encontra a
quietude que a idade já lhe vai pedindo.
Joana Vargas
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